E o tema sobre evolução do carnaval deste mês é Lamarck. Mais específicamente: “Como seria o ser humano atualmente se Lamarck estivesse certo?”.
Ao meu ver o ser humano seria exatamente do jeito que é! Como assim?! Você pode pensar que se a herança de caracteres adquiridos fosse certa nós seriamos muito diferentes: as pessoas que perdessem qualquer membro teriam filhos também amputados, as pessoas que fizessem tatuagens teriam filhos tatuados, as pessoas que saberiam pilotar helicóptero teriam filhos pilotos, e assim vai! De qualquer forma o ser humano seria muito diferente, não é?!
Mas o que está implícito aí é toda uma geração de injustiças e preconceitos com Lamarck e suas idéias. Primeiro, Ernst Mayr deixa claro em Uma Ampla Discussão que esse nosso ranço atual para com Lamarck e até a nossa obssessiva identificação de Lamark com a herança das caracteristicas adquiridas é bem recente. É uma reação não aos Lamarckistas do século 19, do qual Darwin faz parte, mas aos neo-Lamarckistas do começo do século 20. “Numerosas tentativas foram feitas, após 1850, para substituir a teoria da seleção natural de Darwin por uma maneira melhor de se chegar à adaptação. As mais conhecidas dessas teorias são normalmente classificadas como neo-Lamarckistas (herança dos caracteres adaquiridos) o que inclui a ortogênese (um princípio perfeito intrínseco) e o saltacionismo.”
Foi August Weismann quem pôs fim de uma vez por todas às teorias neo-Lamarckistas espalhando esse ranço atual para com a heranças dos caracteres adquiridos, que era a idéia do Lamarck que eles mais frisavam. Weismann é uma das figuras mais importantes na história da biologia evolutiva. Se perguntarmos quem no século 19, depois de Darwin, teve maior impacto para a teoria evolutiva, a resposta inequívoca será Weismann. Por sua ampla rejeição à herança dos caracteres adquiridos, Weismann estabeleceu uma nova versão do Darwinismo. Ele suportou sua causa por meio de três linhas de evidência: não há mecanismo citológico que poderia efetuar uma transferência da linhagem somática para a geriminativa, por estarem separadas desde muito cedo no desenvolvimento embriológico; há muitas adaptações que não poderiam ter sido adquiridas por tal herança, como a casta de soldados das formigas e cupins; e todos casos reputados da herança dos caracteres adquiridos podem ser explicados pela seleção.
Atualmente mais pessoas se tocam disso e consideram a importância da construção de nicho e sua herança, processo tão negligenciado no estudo da evolução. Incrivelmente foi o próprio Darwin quem começou a estudar a construção de nicho quando no final da vida trabalhou com minhocas e percebeu que as mais jovens já herdavam um solo mais trabalhado pelas anteriores. Lewontin no livro Tripla Hélice – gene, organismo e ambiente ressalta nossa visão estreita da noção de herança e aponta os caminhos da construção de nicho e suas implicações ecológicas e evolutivas.
Percebemos que, no sentido amplo, a herança dos caracteres adquridos não é uma idéia errada, muito menos é a principal idéia de Lamarck, já que Darwin também a usou. Agora percebemos que Lamarck não estava errado quando falou que os seres vivos evoluem nem quando falou da herança dos caracteres adquiridos. Daí toda a importância de se incluir comemorações ao Lamarck em 2009 no Ano Internacional de Biologia. Além do mais ele foi quem cunhou o nome Biologia. Tudo bem, mas então qual foi seu erro afinal?
Agora entendemos o porquê da minha afirmação: se Lamarck estevesse certo o ser humanos seria exatamente igual já é. Pois nos achamos os mais complexos seres da Terra, os mais “evoluídos”, o superior dos animais superiores. Alguns têm até a coragem de nos achar filhos de Deus, tamanho o egoísmo, auto-centrismo e especicismo-preconceito para com as outras espécies – que apresentam.
Espero que as pessoas se toquem e comecem combater a verdadeira ideia errada, antes que seja tarde de mais.
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