Como você percebeu os movimentos de milhões de pessoas que foram as ruas em 2013

Publicado em 16/10/2017 às 06h58

A Gazeta

Protesto realizado em Vitória contra a tarifa de ônibus

Foto: Edson Chagas

Fosse nas passeatas por passe livre, nos protestos pelo fim do pedágio da Terceira Ponte ou na ocupação da Assembleia Legislativa, lá estava Walmir Junior. O ano era o de 2013 e o estudante era uma figura fácil nas manifestações que tomaram as ruas de Vitória. Fazia a comunicação de movimentos de esquerda com a imprensa, estava nos confrontos com a PM e sentiu o corpo arder com algumas balas de borracha e gás lacrimogêneo.

Quatro anos depois, há quem agora veja no jovem, hoje com 23 anos, um “coxinha” – maneira pejorativa de se referir àqueles com pensamento mais liberal ou de “direita”. Estudante de Geografia numa universidade pública do Rio Grande do Sul desde 2014, Walmir diz que a mudança não chega a tanto. Mas confirma que hoje vê o mundo de maneira diferente daquela como via quando bloqueava as ruas do Centro da Capital.

Foto: Arquivo Pessoal

“Refleti bastante sobre toda a concepção que tinha de mundo anteriormente. Acredito que a justiça social, se é que posso usar esse termo, deve ser buscada de forma a balizar economia e desenvolvimento humano e social. O mundo é muito complexo para se encaixar em apenas uma visão estreita de economia”, afirmou o jovem, que continua acreditando na importância dos movimentos sociais, embora agora afastado deles.

O fenômeno brasileiro de junho de 2013 começou em São Paulo, contra R$ 0,20 de aumento nas passagens de ônibus e ganhou corpo inimaginável ao aderir inúmeras insatisfações sociais Brasil afora. Copa do Mundo, corrupção e reforma política foram parar nos cartazes e, mais tarde, gregos e troianos passaram a dividir o mesmo espaço nas ruas. As bandeiras continuaram sendo ampliadas e, por algum momento, estavam lado a lado, por exemplo, aqueles contra o casamento homoafetivo e os a favor, os favoráveis a privatizações e os contrários, e até monarquistas. Toda indignação era acolhida.

Quatro anos depois, uma polarização está estabelecida. Mesmo a luta pelo combate à corrupção, que ajudava a unir “petralhas” e “coxinhas”, agora é ponto de discórdia porque cada grupo só assume os malfeitos do seu lado se o outro grupo também o fizer e for punido primeiro.

Caras

A reportagem ouviu alguns dos manifestantes que foram às ruas em 2013. Em comum, preservam o orgulho de terem participado de um momento em que a população percebeu o poder que tem nas mãos e uma ponta de frustração porque esperanças que cultivavam naquela época continuam sendo pretendidas – mesmo a Operação Lava Jato, como se vê, não resolve o problema.

Também veem que os atos pró-impeachment foram alimentados em 2013. “Todavia, os atos (pró-impeachment) tomaram rumos estranhos à própria proposta anticorrupção”, disse Walmir, que considerou positiva a indignação manifestada nas ruas pelos que queriam a saída de Dilma.

O estudante de Economia Gabriel Lopes Rodrigues, 23, também estava nas ruas em 2013 protestando por um país melhor. Comemora o debate forçado pelas manifestações sobre o pedágio e o que define como base de sustentação da Lava Jato. Por outro lado, incomoda-se com a divisão e com o futuro incerto.

“As ruas passaram a manifestar disputa política, em vez de manifestar interesses gerais da população. Ambos os lados apegados à ideologia de direita ou à de esquerda. O cenário para o Brasil é de incertezas, o que tende a piorar a economia”, opinou o jovem, que só voltou às ruas para atos que identificou como “contra os políticos”, sem traços partidários.

Já o estudante de Engenharia Gabriel Duarte de Andrade, 24, foi às ruas em 2013 e, mais tarde, a manifestações pelo impeachment. Ele está preocupado com a falta de opções. “O governo Temer é tão ruim quanto. Deveria ter saído a chapa toda. Faltam bons líderes. Lula e Bolsonaro são opções que não resolveriam o cenário brasileiro.”

Crise continua

A estudante Sâmia Oliveira, 23, considera a “crise de representatividade” de hoje bem parecida com a de 2013. “A gente foi para a rua pedir ‘Fora, corrupção’, mas a corrupção é um conceito complicado. Depois, foram pedir a saída da Dilma e entrou o Temer. A maior dificuldade que apareceu, em 2013, foi como ir para uma manifestação com uma pauta”, comentou.

Sâmia avalia que 2013 pode ter influenciado, dois anos depois, as manifestações contra Dilma, embora não tenha sido isso que a levou à rua.

O administrador de empresas Marcelo Zouain liderou protestos pelo impeachment em Vila Velha. “Aquilo que começou com a grande manifestação dos R$ 0,20 estourou na primeira manifestação pró-impeachment. Essa geração percebeu que tinha espaço nas decisões políticas do país”, disse.

CENÁRIO FEZ POPULAÇÃO CANSAR DE PROTESTAR, AVALIAM ESPECIALISTAS

Após a onda de manifestações de 2013 e mesmo depois da retirada do governo do PT do Palácio do Planalto, casos de corrupção continuaram evidentes no país. Contudo, a população saiu das ruas, panelas silenciaram e, na medida do possível, a vida nacional segue em frente.

Em 2016, manifestantes atravessaram a Terceira Ponte contra o governo Dilma e contra a corrupção

Foto: Vitor Jubini

Especialistas dizem que todos os recentes acontecimentos da política nacional estão ainda muito frescos e só com o tempo será possível analisá-los e posicioná-los na História de maneira precisa. Tratou-se de um momento complexo, com uma série de pautas, às vezes completamente opostas. Contudo, elencam algumas hipóteses para explicar, hoje, o que esvaziou as ruas e as praças públicas.

Para o sociólogo Vitor Amorim de Ângelo, uma questão central é que o combate à corrupção não era a única preocupação que levou os grupos às ruas. Ele avalia que havia também insatisfações antigovernistas e anti-PT. Com isso, o impeachment acabou contemplando uma parcela daqueles que estavam nas ruas.

“E movimentos que se diziam apartidários tinham partido e passaram a ser situação no governo Temer. Esses movimentos não vão convocar manifestações. Mesmo se convocassem, qualquer movimento tem um ponto de saturação. Ninguém vai querer ficar na rua para sempre”, comentou.

O silêncio

Na opinião do historiador Rafael Simões, quatro possibilidades podem ser levadas em conta para explicar o silêncio.

A primeira delas diz respeito à fadiga da sociedade perante à persistência do fenômeno, que não reduziu-se a níveis aceitáveis apesar do grande movimento nacional que cobrou moralidade.

A segunda seria a agenda política ao lado da agenda anticorrupção. Ou seja, quando o governo de Dilma foi retirado, aquilo que era um grande problema para os manifestantes deixou de existir.

Em seguida, a falta de foco nas manifestações. “Manifestações contra ou a favor alguma coisa têm mais resultados quando são contra algo específico. Corrupção é muito genérico. Por mais que pontuassem personagens, era genérico. E a solução é complexa”, afirmou Rafael Simões.

Por fim, o historiador também considera que o trabalho da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal pode ter tido efeito objetivo. “Mesmo ocorrendo corrupção, as pessoas veem prisões de figuras importantes e condenações acontecendo”, comentou.

ANÁLISE

Classe política está desacreditada

"Quero crer que o afastamento das pessoas das ruas deve-se principalmente à sensação de decepção. Logo após as manifestações coletivas de 2013, passamos a viver um retrocesso ao invés das mudanças que todos esperavam. Nunca a classe política esteve tão desacreditada. Estamos vivendo sob o governo mais impopular da história política brasileira. Descemos a um nível tão baixo que as pessoas entendem que não vale a pena se expor, o que é lamentável. Estamos vivendo uma transição extremamente conturbada e a disputa entre os Poderes confunde ainda mais a população. Aos eleitores, um alerta: ano que vem é ano de eleição. Se a rua não é o instrumento atual de manifestar-se, que seja o voto. Voto é representação." Mauro Paiva Cientista político e publicitário.

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O que foi o movimento vem pra rua 2013?

Apartidarismo. O movimento declara defender a causa apartidária do combate à corrupção e a prisão de corruptos, independentemente do partido, e apoia a operação Lava Jato em suas ações. Antes do Impeachment, as ações do grupo tiveram como alvo majoritário o Partido dos Trabalhadores e o governo Dilma Rousseff.

O que aconteceu com o Movimento Passe Livre?

Em 2004, inspirada pela Revolta do Buzu, a Campanha pelo Passe Livre de Florianópolis chamou mobilizações contra o aumento da tarifa de ônibus, desencadeando o que ficou conhecido como Revolta da Catraca. Ao fim de dez dias de intensos protestos na cidade, o aumento foi revogado.

Quais as principais manifestações populares brasileiras?

Manifestações culturais brasileiras.
Festival de Parintins..
Apresentação de dança em festa junina..
Desfile de escola de samba no Rio de Janeiro..
Apresentação de frevo..
Maculelê..
Tacacá..
Baianas preparando o acarajé..
Roda de capoeira..

O que é o movimento não vai ter Copa?

Os protestos no Brasil contra a Copa do Mundo FIFA de 2014, conhecidos como "Não vai ter Copa", ou "Fifa go Home" foram parte de uma campanha contrária a realização do megaevento esportivo, realizada por diversos movimentos sociais em todo Brasil, principalmente nas capitais onde se realizaram os jogos.

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