Por que se diz que o delito do art 132 do Código Penal é considerado subsidiário?

Decreto-lei n� 2848 de 07/12/1940 / PE - Poder Executivo Federal
(D.O.U. 08/12/1940)

EXPOSI��O DE MOTIVOS DA PARTE ESPECIAL DO C�DIGO PENAL

EXPOSI��O DE MOTIVOS DA PARTE ESPECIAL DO C�DIGO PENAL

EXPOSI��O DE MOTIVOS DA PARTE ESPECIAL DO C�DIGO PENAL

MINIST�RIO DA JUSTI�A E NEG�CIOS INTERIORES

GABINETE DO MINISTRO

Em 4 de novembro de 1940

Senhor Presidente:

1. Com o atual C�digo Penal nasceu a tend�ncia de reform�-lo. A datar de sua entrada em vigor come�ou a cogita��o de emendar-lhe os erros e falhas. Retardado em rela��o � ci�ncia penal do seu tempo, sentia-se que era necess�rio coloc�-lo em dia com as id�ias dominantes no campo da criminologia e, ao mesmo tempo, ampliar-lhe os quadros de maneira a serem contempladas novas figuras delituosas com que os progressos industriais e t�cnicos enriqueceram o elenco dos fatos pun�veis.

J� em 1893, o Deputado Vieira de Ara�jo apresentava � C�mara dos Deputados o projeto de um novo C�digo Penal. A este projeto foram apresentados dois substitutivos, um do pr�prio autor do projeto e o outro da Comiss�o Especial da C�mara. Nenhum dos projetos, por�m, conseguiu vingar. Em 1911, o Congresso delegou ao Poder Executivo a atribui��o de formular um novo projeto. O projeto de autoria de Galdino Siqueira, datado de 1913, n�o chegou a ser objeto de considera��o legislativa. Finalmente, em 1927, desincumbindo-se de encargo que lhe havia sido cometido pelo Governo, S� Pereira organizou o seu projeto, que, submetido a uma comiss�o revisora composta do autor do projeto e dos Drs. Evaristo de Morais e Bulh�es Pedreira, foi apresentado em 1935 � considera��o da C�mara dos Deputados. Aprovado por esta, passou ao Senado e neste se encontrava em exame na Comiss�o de Justi�a, quando sobreveio o advento da nova ordem pol�tica.

A Confer�ncia de Criminologia, reunida no Rio de Janeiro de 1936, dedicou os seus trabalhos ao exame e � cr�tica do projeto revisto, apontando nele defici�ncias e lacunas, cuja corre��o se impunha. Vossa Excel�ncia resolveu, ent�o, que se confiasse a tarefa de formular novo projeto ao Dr. Alc�ntara Machado, eminente professor da Faculdade de Direito de S�o Paulo. Em 1938, o Dr. Alc�ntara Machado entregava ao Governo o novo projeto, cuja publica��o despertou o mais vivo interesse.

A mat�ria impunha, entretanto, pela sua delicadeza e por suas not�rias dificuldades, um exame demorado e minucioso. Sem desmerecer o valor do trabalho que se desincumbira o Professor Alc�ntara Machado, julguei de bom aviso submeter o projeto a uma demorada revis�o, convocando para isso t�cnicos, que se houvessem distinguido n�o somente na teoria do direito criminal como tamb�m na pr�tica de aplica��o da lei penal.

Assim, constitu� a Comiss�o revisora com os ilustres magistrados Vieira Braga, N�lson Hungria e Narc�lio de Queiroz e com um ilustre representante do Minist�rio P�blico, o Dr. Roberto Lira.

Durante mais de um ano a Comiss�o dedicou-se quotidianamente ao trabalho de revis�o, cujos primeiros resultados comuniquei ao eminente Dr. Alc�ntara Machado, que, diante deles, remodelou o seu projeto, dando-lhe uma nova edi��o. N�o se achava, por�m, ainda acabado o trabalho de revis�o. Prosseguiram com a minha assist�ncia e colabora��o at� que me parecesse o projeto em condi��es de ser submetido � aprecia��o de Vossa Excel�ncia.

Dos trabalhos da Comiss�o revisora resultou este projeto. Embora da revis�o houvessem advindo modifica��es � estrutura e ao plano sistem�tico, n�o h� d�vida que o projeto Alc�ntara Machado representou, em rela��o aos anteriores, um grande passo no sentido da reforma da nossa legisla��o penal. Cumpre-me deixar aqui consignado o nosso louvor � obra do eminente patr�cio, cujo valioso subs�dio ao atual projeto nem eu, nem os ilustres membros da Comiss�o revisora deixamos de reconhecer.

2. Ficou decidido, desde o in�cio do trabalho de revis�o, excluir do C�digo Penal as contraven��es, que seriam objeto de lei � parte. Foi, assim, rejeitado o crit�rio inicialmente proposto pelo Professor Alc�ntara Machado, de abolir-se qualquer distin��o entre crimes e contraven��es. Quando se misturam coisas de somenos import�ncia com outras de maior valor, correm estas o risco de se verem amesquinhadas. N�o � que exista diversidade ontol�gica entre crime e contraven��o; embora sendo apenas de grau ou quantidade a diferen�a entre as duas esp�cies de il�cito penal, pareceu-nos de toda conveni�ncia excluir do C�digo Penal a mat�ria t�o mi�da, t�o v�ria e t�o vers�til das contraven��es, dificilmente subordin�vel a um esp�rito de sistema e adstrita a crit�rios oportun�sticos ou meramente convencionais e, assim, permitir que o C�digo Penal se furtasse, na medida do poss�vel, pelo menos �quelas conting�ncias do tempo a que n�o devem estar sujeitas as obras destinadas a maior dura��o.

A lei de coordena��o, cujo projeto terei ocasi�o de submeter proximamente � aprecia��o de Vossa Excel�ncia, dar� o crit�rio pr�tico para distinguir-se entre crime e contraven��o.

....................

PARTE ESPECIAL - DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

37. O T�tulo I da "Parte Especial" ocupa-se dos crimes contra a pessoa, dividindo-se em seis cap�tulos, com as seguinte rubricas: "Dos crimes contra a vida", "Das les�es corporais", "Da periclita��o da vida e da sa�de", "Da rixa", "Dos crimes contra a honra" e "Dos crimes contra a liberdade individual". N�o h� raz�o para que continuem em setores aut�nomos os "crimes contra a honra" e os "crimes contra a liberdade individual" (que a lei atual denomina "crimes contra o livre gozo e exerc�cio dos direitos individuais"): seu verdadeiro lugar � entre os crimes contra a pessoa, de que constituem subclasses. A honra e a liberdade s�o interesses, ou bens jur�dicos inerentes � pessoa, tanto quanto o direito � vida ou � integridade f�sica.

DOS CRIMES CONTRA A VIDA

38. O projeto mant�m a diferen�a entre uma forma simples e uma forma qualificada de "homic�dio". As circunst�ncias qualificativas est�o enumeradas no � 2� do artigo 121. Umas dizem com a intensidade do dolo, outras com o modo de a��o ou com a natureza dos meios empregados; mas todas s�o especialmente destacadas pelo seu valor sintom�tico: s�o circunst�ncias reveladoras de maior periculosidade ou extraordin�rio grau de perversidade do agente. Em primeiro lugar, vem o motivo torpe (isto �, o motivo que suscita a avers�o ou repugn�ncia geral, v.g.: a cupidez, a lux�ria, o despeito da imoralidade contrariada, o prazer do mal, etc.) ou f�til (isto �, que, pela sua m�nima import�ncia, n�o � causa suficiente para o crime). Vem a seguir o "emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso (isto �, dissimulado na sua efici�ncia mal�fica) ou cruel (isto �, que aumenta inutilmente o sofrimento da v�tima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade) ou de que possa resultar perigo comum". Deve notar-se que, para a inclus�o do motivo f�til e emprego de meio cruel entre as agravantes que qualificam o homic�dio, h� mesmo uma raz�o de ordem constitucional, pois o �nico crime comum, contra o qual a nossa vigente Carta Pol�tica permite que a san��o penal possa ir at� � pena de morte, � o "homic�dio cometido por motivo f�til e com extremos de perversidade" (artigo 122, n� 13,

j). S�o tamb�m qualificativas do homic�dio as agravantes que traduzem um modo insidioso da atividade executiva do crime (n�o se confundindo, portanto, com o emprego de meio insidioso), impossibilitando ou dificultando a defesa da v�tima (como a trai��o, a emboscada, a dissimula��o, etc.). Finalmente, qualifica o homic�dio a circunst�ncia de ter sido cometido "para assegurar a execu��o, a oculta��o, a impunidade ou vantagem de outro crime". � claro que esta qualifica��o n�o diz com os casos em que o homic�dio � elemento de crime complexo (in exemplis: artigos 157, � 3�, in fine, e 159, � 3�), pois, em tais casos, a pena, quando n�o mais grave, �, pelo menos, igual � do homic�dio qualificado.

39. Ao lado do homic�dio com pena especialmente agravada, cuida o projeto do homic�dio com pena especialmente atenuada, isto �, o homic�dio praticado "por motivo de relevante valor social, ou moral", ou "sob o dom�nio de emo��o violenta, logo em seguida a injusta provoca��o da v�tima". Por "motivo de relevante valor social ou moral", o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, � aprovado pela moral pr�tica, como, por exemplo, a compaix�o ante o irremedi�vel sofrimento da v�tima (caso do homic�dio eutan�sico), a indigna��o contra um traidor da p�tria, etc.

No tratamento do homic�dio culposo, o projeto atendeu � urgente necessidade de puni��o mais rigorosa do que a constante da lei penal atual, comprovadamente insuficiente. A pena cominada � a de deten��o por 1 (um) a 3 (tr�s) anos, e ser� especialmente aumentada se o evento "resulta da inobserv�ncia de regra t�cnica de profiss�o, arte, of�cio ou atividade", ou quando "o agente deixa de prestar imediato socorro � v�tima, n�o procura diminuir as conseq��ncias do seu ato, ou foge para evitar pris�o em flagrante". Deve notar-se, al�m disso, que entre as penas acess�rias (Cap�tulo V do T�tulo V da Parte Geral), figura a de "incapacidade tempor�ria para profiss�o ou atividade cujo exerc�cio depende de licen�a, habilita��o ou autoriza��o do poder p�blico", quando se trate de crime cometido com infra��o de dever inerente � profiss�o ou atividade. Com estes dispositivos, o projeto visa, principalmente, a condu��o de autom�veis, que constitui, na atualidade, devido a um generalizado descaso pelas cautelas t�cnicas (notadamente quanto � velocidade), uma causa freq�ente de eventos lesivos contra a pessoa, agravando-se o mal com o procedimento post factum dos motoristas, que, t�o-somente com o fim ego�stico de escapar � pris�o em flagrante ou � a��o da justi�a penal, sistematicamente imprimem maior velocidade ao ve�culo, desinteressando-se por completo da v�tima, ainda quando um socorro imediato talvez pudesse evitar-lhe a morte.

40. O infantic�dio � considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influ�ncia do estado puerperal. Esta cl�usula, como � �bvio, n�o quer significar que o puerp�rio acarrete sempre uma perturba��o ps�quica: � preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em conseq��ncia daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibi��o da parturiente. Fora da�, n�o h� por que distinguir entre infantic�dio e homic�dio. Ainda quando ocorra a honoris causa (considerada pela lei vigente como raz�o de especial abrandamento da pena), a pena aplic�vel � a de homic�dio.

41. Ao configurar o crime de induzimento, instiga��o ou aux�lio ao suic�dio, o projeto cont�m inova��es: � pun�vel o fato ainda quando se frustre o suic�dio, desde que resulte les�o corporal grave ao que tentou matar-se; e a pena cominada ser� aplicada em dobro se o crime obedece a m�vel ego�stico ou � praticado contra menor ou pessoa que, por qualquer outra causa, tenha diminu�da a capacidade de resist�ncia.

Mant�m o projeto a incrimina��o do aborto, mas declara penalmente licito, quando praticado por m�dico habilitado, o aborto necess�rio, ou em caso de prenhez resultante de estupro. Militam em favor da exce��o raz�es de ordem social e individual, a que o legislador penal n�o pode deixar de atender.

DAS LES�ES CORPORAIS

42. O crime de les�o corporal � definido como ofensa � integridade corporal ou sa�de, isto �, como todo e qualquer dano ocasionado � normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anat�mico, quer do ponto de vista fisiol�gico ou mental. Continua-se a discriminar, para diverso tratamento penal, entre a les�o de natureza leve e a de natureza grave. Tal como na lei vigente, a les�o corporal grave, por sua vez, � considerada, para o efeito de gradua��o da pena, segundo sua menor ou maior gravidade objetiva. Entre as les�es de menor gravidade figura (� semelhan�a do que ocorre na lei atual) a que produz "incapacidade para as ocupa��es habituais, por mais de 30 (trinta) dias"; mas, como uma les�o pode apresentar grav�ssimo perigo (dado o ponto atingido) e, no entanto, ficar curada antes de 1 (um) m�s, entendeu o projeto de incluir nessa mesma classe, sem refer�ncia � condi��o de tempo ou a qualquer outra, a les�o que produz "perigo de vida". Outra inova��o � o reconhecimento da gravidade da les�o de que resulte "debilita��o permanente de membro, sentido ou fun��o", ou "acelera��o de parto".

Quanto �s les�es de maior gravidade, tamb�m n�o � o projeto coincidente com a lei atual, pois que: a) separa, como condi��es aut�nomas ou por si s�s suficientes para o reconhecimento da maior gravidade, a "incapacidade permanente para o trabalho" ou "enfermidade certa ou provavelmente incur�vel"; b) delimita o conceito de deformidade (isto �, acentua que esta deve ser "permanente"); c) inclui entre elas a que ocasiona aborto. No � 3� do artigo 129, � especialmente previsto e resolvido o caso em que sobrev�m a morte do ofendido, mas evidenciando as circunst�ncias que o evento letal n�o se compreendia no dolo do agente, isto �, o agente n�o queria esse resultado, nem assumira o risco de produzi-lo, tendo procedido apenas vulnerandi animo.

Costuma-se falar, na hip�tese, em "homic�dio preterintencional", para reconhecer-se um grau interm�dio entre o homic�dio doloso e o homic�dio culposo; mas tal denomina��o, em face do conceito extensivo do dolo, acolhido pelo projeto, torna-se inadequada: ainda quando o evento "morte" n�o tenha sido, propriamente, abrangido pela inten��o do agente, mas este assumiu o risco de produzi-lo, o homic�dio � doloso.

A les�o corporal culposa � tratada no artigo 129, � 6�. Em conson�ncia com a lei vigente, n�o se distingue, aqui, entre a maior ou menor import�ncia do dano material: leve ou grave a les�o, a pena � a mesma, isto �, deten��o por 2 (dois) meses a 1 (um) ano (san��o mais severa do que a editada na lei atual). � especialmente agravada a pena nos mesmos casos em que o � a cominada ao homic�dio culposo. Deve notar-se que o caso de multiplicidade do evento lesivo (v�rias les�es corporais, ou v�rias mortes, ou les�o corporal e morte), resultante de uma s� a��o ou omiss�o culposa, � resolvido segundo a norma gen�rica do � 1� do artigo 51.

Ao crime de les�es corporais � aplic�vel o disposto no � 1� do artigo 121 (facultativa diminui��o da pena, quando o agente "comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob a influ�ncia de violenta emo��o, logo em seguida a injusta provoca��o da v�tima"). Tratando-se de les�es leves, se ocorre qualquer das hip�teses do par�grafo citado, ou se as les�es s�o rec�procas, o juiz pode substituir a pena de deten��o pela de multa (de duzentos mil-r�is a dois contos de r�is).

DA PERICLITA��O DA VIDA E DA SA�DE

43. Sob esta ep�grafe, o projeto contempla uma s�rie de crimes de perigo contra a pessoa, uns j� constantes, outros desconhecidos da lei penal vigente. Pelo seu car�ter especial, seja quanto ao elemento objetivo, seja quanto ao elemento subjetivo, tais crimes reclamam um cap�tulo pr�prio. Do ponto de vista material, reputam-se consumados ou perfeitos desde que a a��o ou omiss�o cria uma situa��o objetiva de possibilidade de dano � vida ou sa�de de algu�m. O evento, aqui (como nos crimes de perigo em geral), � a simples exposi��o a perigo de dano. O dano efetivo pode ser uma condi��o de maior punibilidade, mas n�o condiciona o momento consumativo do crime. Por outro lado, o elemento subjetivo � a vontade consciente referida exclusivamente � produ��o do perigo.

A ocorr�ncia do dano n�o se compreende na voli��o ou dolo do agente, pois, do contr�rio, n�o haveria por que distinguir entre tais crimes e a tentativa de crime de dano.

44. Entre as novas entidades prefiguradas no cap�tulo em quest�o, depara-se, em primeiro lugar, com o "cont�gio ven�reo". J� h� mais de meio s�culo, o m�dico franc�s Despr�s postulava que se inclu�sse tal fato entre as esp�cies do il�cito penal, como j� fazia, ali�s, desde 1866, a lei dinamarquesa. Tendo o assunto provocado amplo debate, ningu�m mais duvida, atualmente, da legitimidade dessa incrimina��o. A doen�a ven�rea � uma les�o corporal e de conseq��ncias grav�ssimas, notadamente quando se trata da s�filis. O mal da contamina��o (evento lesivo) n�o fica circunscrito a uma pessoa determinada. O indiv�duo que, sabendo-se portador de mol�stia ven�rea, n�o se priva do ato sexual, cria conscientemente a possibilidade de um cont�gio extensivo. Justifica-se, portanto, plenamente, n�o s� a incrimina��o do fato, como o crit�rio de declarar-se suficiente para a consuma��o do crime a produ��o do perigo de contamina��o. N�o h� dizer-se que, em grande n�mero de casos, ser� dif�cil, sen�o imposs�vel, a prova da autoria. Quando esta n�o possa ser averiguada, n�o haver� a��o penal (como acontece, ali�s, em rela��o a qualquer crime); mas a dificuldade de prova n�o � raz�o para deixar-se de incriminar um fato gravemente atentat�rio de um relevante bem jur�dico. Nem igualmente se objete que a incrimina��o legal pode dar ensejo, na pr�tica, a chantagem ou especula��o extorsiva. A tal obje��o responde cabalmente Jimenez de As�a (O delito de cont�gio ven�reo): "... n�o devemos esquecer que a chantagem � poss�vel em muitos outros crimes, que, nem por isso, deixam de figurar nos c�digos. O melhor rem�dio � punir severamente os chantagistas, como prop�em Le Foyer e Fiaux". Ao conceituar o crime de cont�gio ven�reo, o projeto rejeitou a f�rmula h�brida do C�digo italiano (seguida pelo projeto Alc�ntara), que configura, no caso, um "crime de dano com dolo de perigo". Foi preferida a f�rmula do C�digo dinamarqu�s: o crime se consuma com o simples fato da exposi��o a perigo de cont�gio. O eventus damni n�o � elemento constitutivo do crime, nem � tomado em considera��o para o efeito de maior punibilidade. O crime � punido n�o s� a t�tulo de dolo de perigo, como a t�tulo de culpa (isto �, n�o s� quando o agente sabia achar-se infeccionado, como quando devia sab�-lo pelas circunst�ncias). N�o se faz enumera��o taxativa das mol�stias ven�reas (segundo a li��o cient�fica, s�o elas a s�filis, a blenorragia, o ulcus molle e o linfogranuloma inguinal), pois isso � mais pr�prio de regulamento sanit�rio. Segundo disp�e o projeto (que, neste ponto, diverge do seu modelo), a a��o penal, na esp�cie, depende sempre de representa��o (e n�o apenas no caso em que o ofendido seja c�njuge do agente). Este crit�rio � justificado pelo racioc�nio de que, na repress�o do crime de que se trata, o strepitus judicii, em certos casos, pode ter conseq��ncias grav�ssimas, em desfavor da pr�pria v�tima e de sua fam�lia.

45. � especialmente prefigurado, para o efeito de majora��o da pena, o caso em que o agente tenha procedido com inten��o de transmitir a mol�stia ven�rea. � poss�vel que o rigor t�cnico exigisse a inclus�o de tal hip�tese no cap�tulo das les�es corporais, desde que seu elemento subjetivo � o dolo de dano, mas como se trata, ainda nessa modalidade, de um crime para cuja consuma��o basta o dano potencial, pareceu � Comiss�o revisora que n�o havia desprop�sito em classificar o fato entre os crimes de perigo contra a pessoa. No caso de dolo de dano, a incrimina��o � extensiva � cria��o do perigo de cont�gio de qualquer mol�stia grave.

46. No artigo 132, � igualmente prevista uma entidade criminal estranha � lei atual: "expor a vida ou sa�de de outrem a perigo direto e iminente", n�o constituindo o fato crime mais grave. Trata-se de um crime de car�ter eminentemente subsidi�rio. N�o o informa o animus necandi ou o animus laedendi, mas apenas a consci�ncia e vontade de expor a v�tima a grave perigo. O perigo concreto, que constitui o seu elemento objetivo, � limitado a determinada pessoa, n�o se confundindo, portanto, o crime em quest�o com os de perigo comum ou contra a incolumidade p�blica. O exemplo freq�ente e t�pico dessa esp�cie criminal � o caso do empreiteiro que, para poupar-se ao disp�ndio com medidas t�cnicas de prud�ncia, na execu��o da obra, exp�e o oper�rio ao risco de grave acidente. Vem da� que Zurcher, ao defender, na esp�cie, quando da elabora��o do C�digo Penal su��o, um dispositivo incriminador, dizia que este seria um complemento da legisla��o trabalhista ("Wir haben geglaubt, dieser Artikel werde einen Teil der Arbeite rschutzgesetzgebung bilden"). Este pensamento muito contribuiu para que se formulasse o artigo 132; mas este n�o visa somente proteger a indenidade do oper�rio, quando em trabalho, sen�o tamb�m a de qualquer outra pessoa. Assim, o crime de que ora se trata n�o pode deixar de ser reconhecido na a��o, no exemplo, de quem dispara uma arma de fogo contra algu�m, n�o sendo atingido o alvo, nem constituindo o fato tentativa de homic�dio.

Ao definir os crimes de abandono (artigo 133) e omiss�o de socorro (artigo 135), o projeto, diversamente da lei atual, n�o limita a prote��o penal aos menores, mas atendendo ao ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio, amplia-a aos incapazes em geral, aos enfermos, inv�lidos e feridos.

47. N�o cont�m o projeto dispositivo especial sobre o duelo. Sobre tratar-se de um fato inteiramente alheio aos nossos costumes, n�o h� raz�o convincente para que se veja no homic�dio ou ferimento causado em duelo um crime privilegiado: com ou sem as regras cavalheirescas, a destrui��o da vida ou les�o da integridade f�sica de um homem n�o pode merecer transig�ncia alguma do direito penal. Pouco importa o consentimento rec�proco dos duelistas, pois, quando est�o em jogo direitos inalien�veis, o mutuus consensus n�o � causa excludente ou sequer minorativa da pena. O desafio para o duelo e a aceita��o dele s�o, em si mesmos, fatos penalmente indiferentes; mas, se n�o se exaurem como simples jact�ncia, seguindo-se-lhes efetivamente o duelo, os contendores responder�o, conforme o resultado, por homic�dio (consumado ou tentado) ou les�o corporal.

DA RIXA

48. Ainda outra inova��o do projeto, em mat�ria de crimes contra a pessoa, � a incrimina��o da rixa, por si mesma, isto �, da luta corporal entre v�rias pessoas. A ratio essendi da incrimina��o � dupla: a rixa concretiza um perigo � incolumidade pessoal (e nisto se assemelha aos "crimes de perigo contra a vida e a sa�de") e � uma perturba��o da ordem e disciplina da conviv�ncia civil.

A participa��o na rixa � punida independentemente das conseq��ncias desta. Se ocorre a morte ou les�o corporal grave de algum dos contendores, d�-se uma condi��o de maior punibilidade, isto �, a pena cominada ao simples fato de participa��o na rixa � especialmente agravada. A pena cominada � rixa em si mesma � aplic�vel separadamente da pena correspondente ao resultado lesivo (homic�dio ou les�o corporal), mas ser�o ambas aplicadas cumulativamente (como no caso de concurso material) em rela��o aos contendores que concorrerem para a produ��o desse resultado.

Segundo se v� do artigo 137, in fine, a participa��o na rixa deixar� de ser crime se o participante visa apenas separar os contendores. � claro que tamb�m n�o haver� crime se a interven��o constituir leg�tima defesa, pr�pria ou de terceiro.

DOS CRIMES CONTRA A HONRA

49. O projeto cuida dos crimes contra a honra somente quando n�o praticados pela imprensa, pois os chamados "delitos de imprensa" (isto �, os crimes contra a honra praticados por meio da imprensa) continuam a ser objeto de legisla��o especial.

S�o definidos como crimes contra a honra a "cal�nia", a "inj�ria" (compreensiva da inj�ria "por viol�ncia ou vias de fato" ou com emprego de meios aviltantes, que a lei atual prev� parcialmente no cap�tulo das "les�es corporais") e a "difama��o" (que, de modalidade da inj�ria, como na lei vigente, passa a constituir crime aut�nomo).

No tratamento do crime de inj�ria, foi adotado o crit�rio de que a injusta provoca��o do ofendido ou a reciprocidade das inj�rias, se n�o exclui a pena, autoriza, entretanto, o juiz, conforme as circunst�ncias, a abster-se de aplic�-la, ou no caso de reciprocidade, a aplic�-la somente a um dos injuriadores.

A fides veri ou exceptio veritatis � admitida, para exclus�o de crime ou de pena, tanto no caso de cal�nia (salvo as exce��es enumeradas no � 3� do artigo 138), quanto no de difama��o, mas, neste �ltimo caso, somente quando o ofendido � agente ou deposit�rio da autoridade p�blica e a ofensa se refere ao exerc�cio de suas fun��es, n�o se tratando do "Presidente da Rep�blica, ou chefe de Governo estrangeiro em visita ao pa�s".

Exce��o feita da "inj�ria por viol�ncia ou vias de fato", quando dela resulte les�o corporal, a a��o penal, na esp�cie, depende de queixa, bastando, por�m, simples representa��o, quando o ofendido � qualquer das pessoas indicadas nos n�s I e II do artigo 141.

Os demais dispositivos coincidem, mais ou menos, com os do direito vigente.

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL

50. Os crimes contra a liberdade individual s�o objeto do Cap�tulo VI do t�tulo reservado aos crimes contra a pessoa. Subdividem-se em: a) crimes contra a liberdade pessoal; b) crimes contra a inviolabilidade do domic�lio; c) crimes contra a inviolabilidade da correspond�ncia; d) crimes contra a inviolabilidade de segredos.

O projeto n�o considera contra a liberdade individual os chamados crimes eleitorais: estes, por isso mesmo que afetam a ordem pol�tica, ser�o naturalmente insertos, de futuro, no cat�logo dos crimes pol�ticos, deixados � legisla��o especial (artigo 360).

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL

51. O crime de constrangimento ilegal � previsto no artigo 146, com uma f�rmula unit�ria. N�o h� indagar, para diverso tratamento penal, se a priva��o da liberdade de agir foi obtida mediante viol�ncia, f�sica ou moral, ou com o emprego de outro qualquer meio, como, por exemplo, se o agente, insidiosamente, faz a v�tima ingerir um narc�tico. A pena relativa ao constrangimento ilegal, como crime sui generis, � sempre a mesma. Se h� emprego da vis corporalis, com resultado lesivo � pessoa da v�tima, d�-se um concurso material de crimes.

A pena � especialmente agravada (inova��o do projeto), quando, para a execu��o do crime, se houverem reunido mais de tr�s pessoas ou tiver havido emprego de armas. � expressamente declarado que n�o constituem o crime em quest�o o "tratamento m�dico arbitr�rio", se justificado por iminente perigo de vida, e a "coa��o exercida para impedir suic�dio".

Na conceitua��o do crime de amea�a (artigo 147), o projeto diverge, em mais de um ponto, da lei atual. N�o � preciso que o "mal prometido" constitua crime, bastando que seja injusto e grave. N�o se justifica o crit�rio restritivo do direito vigente, pois a amea�a de um mal injusto e grave, embora penalmente indiferente, pode ser, �s vezes, mais intimidante que a amea�a de um crime.

N�o somente � incriminada a amea�a verbal ou por escrito, mas, tamb�m, a amea�a real (isto �, por gestos, v.g.: apontar uma arma de fogo contra algu�m) ou simb�lica (ex.: afixar � porta da casa de algu�m o emblema ou sinal usado por uma associa��o de criminosos).

Os crimes de c�rcere privado e seq�estro, salvo sens�vel majora��o da pena, s�o conceituados como na lei atual.

No artigo 149, � prevista uma entidade criminal ignorada do C�digo vigente: o fato de reduzir algu�m, por qualquer meio, � condi��o an�loga � de escravo, isto �, suprimir-lhe, de fato, o status libertatis, sujeitando-o o agente ao seu completo e discricion�rio poder. � o crime que os antigos chamavam plagium. N�o � desconhecida a sua pr�tica entre n�s, notadamente em certos pontos remotos do nosso hinterland.

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMIC�LIO

52. Com ligeiras diferen�as, os dispositivos referentes ao crime de viola��o de domic�lio repetem crit�rios da lei atual. Do texto do artigo 150 se depreende, a contr�rio, que a entrada na casa alheia ou suas depend�ncias deixa de constituir crime, n�o somente quando precede licen�a expressa, mas tamb�m quando haja consentimento t�cito de quem de direito. � especialmente majorada a pena, se o crime � praticado: a) durante a noite; b) em lugar despovoado; c) com emprego de viol�ncia ou de armas; d) por duas ou mais pessoas.

Para maior elucida��o do conte�do do crime, � declarado que a express�o "casa" � compreensiva de "qualquer compartimento habitado", "aposento ocupado de uma habita��o coletiva" e "qualquer compartimento, n�o aberto ao p�blico, onde algu�m exerce profiss�o ou atividade".

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DE CORRESPOND�NCIA

53. O projeto trata a viola��o de correspond�ncia separadamente da viola��o de segredos, divergindo, assim, do C�digo atual, que as engloba num mesmo cap�tulo. A inviolabilidade da correspond�ncia � um interesse que reclama a tutela penal independentemente dos segredos acaso confiados por esse meio. Na configura��o das modalidades do crime de viola��o de correspond�ncia, s�o reproduzidos os preceitos da legisla��o vigente e acrescentados outros, entre os quais o que incrimina especialmente o fato de abusar da condi��o de s�cio, empregado ou preposto, em estabelecimento comercial ou industrial, desviando, sonegando, subtraindo, suprimindo, no todo ou em parte, correspond�ncia, ou revelando a estranho o seu conte�do. Salvo nos casos em que seja atingido interesse da administra��o p�blica, s� se proceder�, em rela��o a qualquer das modalidades do crime, mediante representa��o.

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS

54. Ao incriminar a viola��o arbitr�ria de segredos, o projeto mant�m-se fiel aos "moldes" do C�digo em vigor, salvo uma ou outra modifica��o. Deixa � margem da prote��o penal somente os segredos obtidos por confid�ncia oral e n�o necess�ria. N�o foi seguido o exemplo do C�digo italiano, que exclui da �rbita do il�cito penal at� mesmo a viola��o do segredo obtido por confid�ncia escrita. N�o � convincente a argumenta��o de Rocco: "Entre o segredo confiado oralmente e o confiado por escrito n�o h� diferen�a substancial, e como a viola��o do segredo oral n�o constitui crime, nem mesmo quando o confidente se tenha obrigado a n�o revel�-lo, n�o se compreende porque a diversidade do meio usado, isto �, o escrito, deva tornar pun�vel o fato". Ora, � indisfar��vel a diferen�a entre divulgar ou revelar a confid�ncia que outrem nos faz verbalmente e a que recebemos por escrito: no primeiro caso, a veracidade da comunica��o pode ser posta em d�vida, dada a aus�ncia de comprova��o material; ao passo que, no segundo, h� um corpus, que se imp�e � credulidade geral. A trai��o da confian�a, no segundo caso, � evidentemente mais grave do que no primeiro.

Diversamente da lei atual, � incriminada tanto a publica��o do conte�do secreto de correspond�ncia epistolar, por parte do destinat�rio, quanto o de qualquer outro documento particular, por parte do seu detentor, e n�o somente, quando da� advenha efetivo dano a algu�m (como na lei vigente), sen�o tamb�m quando haja simples possibilidade de dano.

55. Definindo o crime de "viola��o do segredo profissional", o projeto procura dirimir qualquer incerteza acerca do que sejam confidentes necess�rios. Incorrer� na san��o penal todo aquele que revelar segredo, de que tenha ci�ncia em raz�o de "fun��o, minist�rio, of�cio ou profiss�o". Assim, j� n�o poder� ser suscitada, como perante a lei vigente, a d�vida sobre se constitui il�cito penal a quebra do "sigilo do confession�rio".

DOS CRIMES CONTRA O PATRIM�NIO

56. V�rias s�o as inova��es introduzidas pelo projeto no setor dos crimes patrimoniais. N�o se distingue, para diverso tratamento penal, entre o maior ou menor valor da les�o patrimonial; mas, tratando-se de furto, apropria��o ind�bita ou estelionato, quando a coisa subtra�da, desviada ou captada � de pequeno valor, e desde que o agente � criminoso prim�rio, pode o juiz substituir a pena de reclus�o pela de deten��o, diminu�-la de um at� dois ter�os, ou aplicar somente a de multa (artigos 155, � 2�, 170, 171, � 1�). Para afastar qualquer d�vida, � expressamente equiparada � coisa m�vel e, compatibilizar, reconhecida como poss�vel objeto de furto a "energia el�trica ou suscet�vel de incidir no poder de disposi��o material e exclusiva de um indiv�duo (como, por exemplo, a eletricidade, a radioatividade, a energia gen�tica dos reprodutores, etc.) pode ser inclu�da, mesmo do ponto de vista t�cnico, entre as coisas m�veis, a cuja regulamenta��o jur�dica, portanto, deve ficar sujeita.

Somente quando h� emprego de for�a, grave amea�a ou outro meio tendente a suprimir a resist�ncia pessoal da v�tima, passa o furto a ser qualificado roubo. No caso de viol�ncia contra a coisa, bem como quando o crime � praticado com escalada ou emprego de chaves falsas, n�o perde o furto seu nomen juris, embora seja especialmente aumentada a pena. Tamb�m importa majora��o de pena o furto com emprego de destreza ou de meio fraudulento, com abuso de confian�a ou concurso de duas ou mais pessoas. O furto com abuso de confian�a n�o deve ser confundido com a apropria��o ind�bita, pois nesta a posse direta e desvigiada da coisa � precedentemente concedida ao agente pelo pr�prio dominus.

� prevista como agravante especial do furto a circunst�ncia de ter sido o crime praticado "durante o per�odo do sossego noturno".

A viol�ncia como elementar do roubo, segundo disp�e o projeto, n�o � somente a que se emprega para o efeito da apprehensio da coisa, mas tamb�m a exercida post factum, para assegurar o agente, em seu proveito, ou de terceiro, a deten��o da coisa subtra�da ou a impunidade.

S�o declaradas agravantes especiais do roubo as seguintes circunst�ncias: ter sido a viol�ncia ou amea�a exercida com armas, o concurso de mais de duas pessoas e achar-se a v�tima em servi�o de transporte de dinheiro, "conhecendo o agente tal circunst�ncia".

57. A extors�o � definida numa f�rmula unit�ria, suficientemente ampla para abranger todos os casos poss�veis na pr�tica. Seu tratamento penal � id�ntico ao do roubo; mas, se � praticada mediante seq�estro de pessoa, a pena � sensivelmente aumentada. Se do fato resulta a morte do seq�estrado, � cominada a mais rigorosa san��o penal do projeto: reclus�o por 20 (vinte) a 30 (trinta) anos e multa de vinte a cinq�enta contos de r�is. Esta excepcional severidade da pena � justificada pelo car�ter brutal e alarmante dessa forma de criminalidade nos tempos atuais.

� prevista no artigo 160, cominando-se-lhe pena de reclus�o por 1 (um) a 3 (tr�s) anos e multa de dois a cinco contos de r�is, a extors�o indireta, isto �, o fato de "exigir ou receber, como garantia de d�vida, abusando da situa��o de algu�m, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a v�tima ou contra terceiro". Destina-se o novo dispositivo a coibir os torpes e opressivos expedientes a que recorrem, por vezes, os agentes de usura, para garantir-se contra o risco do dinheiro mutuado. S�o bem conhecidos esses recursos como, por exemplo, o de induzir o necessitado cliente a assinar um contrato simulado de dep�sito ou a forjar no t�tulo de d�vida a firma de algum parente abastado, de modo que, n�o resgatada a d�vida no vencimento, ficar� o mutu�rio sob a press�o da amea�a de um processo por apropria��o ind�bita ou falsidade.

58. Sob a rubrica "Da usurpa��o", o projeto incrimina certos fatos que a lei penal vigente conhece sob diverso nomen juris ou ignora completamente, deixando-os na �rbita dos delitos civis. Em quase todas as suas modalidades, a usurpa��o � uma les�o ao interesse jur�dico da inviolabilidade da propriedade im�vel.

Assim, a "altera��o de limites" (artigo 161), a "usurpa��o de �guas" (artigo 161, � 1�, I) e o "esbulho possess�rio", quando praticados com viol�ncia � pessoa, ou mediante grave amea�a, ou concurso de mais de duas pessoas (artigo 161, � 1�, II). O emprego de viol�ncia contra a pessoa, na modalidade da invas�o possess�ria, � condi��o de punibilidade, mas, se dele resulta outro crime, haver� um concurso material de crimes, aplicando-se, somadas, as respectivas penas (artigo 161, � 2�).

Tamb�m constitui crime de usurpa��o o fato de suprimir ou alterar marca ou qualquer sinal indicativo de propriedade em gado ou rebanho alheio, para dele se apropriar, no todo ou em parte. N�o se confunde esta modalidade de usurpa��o com o abigeato, isto �, o furto de animais: o agente limita-se a empregar um meio fraudulento (supress�o ou altera��o de marca ou sinal) para irrogar-se a propriedade dos animais. Se esse meio fraudulento � usado para dissimular o anterior furto dos animais, j� n�o se tratar� de usurpa��o: o crime continuar� com o seu nomen juris, isto �, furto.

59. Ao cuidar do crime de dano, o projeto adota uma f�rmula gen�rica ("destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia") e, a seguir, prev� agravantes e modalidades especiais do crime. Estas �ltimas, mais ou menos estranhas � lei vigente, s�o a "introdu��o ou abandono de animais em propriedade alheia", o "dano em coisa de valor art�stico, arqueol�gico ou hist�rico" e a "altera��o de local especialmente protegido".

Certos fatos que a lei atual considera variantes de dano n�o figuram, como tais, no projeto. Assim, a destrui��o de documentos p�blicos ou particulares (artigo 326, e seu par�grafo �nico, da Consolida��o das Leis Penais) passa a constituir crime de falsidade (artigo 305 do projeto) ou contra a administra��o p�blica (artigos 314 e 356).

60. A apropria��o ind�bita (furtum improprium) � conceituada, em suas modalidades, da mesma forma que na lei vigente; mas o projeto cont�m inova��es no cap�tulo reservado a tal crime. A pena (que passa a ser reclus�o por um a quatro anos e multa de quinhentos mil-r�is a dez contos de r�is) � aumentada de um ter�o, se ocorre infidelidade do agente como deposit�rio necess�rio ou judicial, tutor, curador, s�ndico, liquidat�rio, inventariante ou testamenteiro, ou no desempenho de of�cio, emprego ou profiss�o. Diversamente da lei atual, n�o figura entre as modalidades da apropria��o ind�bita o abigeato, que �, indubitavelmente, um caso de furtum proprium e, por isso mesmo, n�o especialmente previsto no texto do projeto.

� especialmente equiparado � apropria��o ind�bita o fato do inventor do tesouro em pr�dio alheio que ret�m para si a quota pertencente ao propriet�rio deste.

61. O estelionato � assim definido: "Obter, para si ou para outrem, vantagem il�cita, em preju�zo alheio, induzindo ou mantendo algu�m em erro, mediante artif�cio, ardil ou outro meio fraudulento". Como se v�, o dispositivo corrige em tr�s pontos a f�rmula gen�rica do inciso 5 do artigo 338 do C�digo atual: contempla a hip�tese da capta��o de vantagem para terceiro, declara que a vantagem deve ser il�cita e acentua que a fraude elementar do estelionato n�o � somente a empregada para induzir algu�m em erro, mas tamb�m a que serve para manter (fazer subsistir, entreter) um erro preexistente.

Com a f�rmula do projeto, j� n�o haver� d�vida que o pr�prio sil�ncio, quando malicioso ou intencional, acerca do preexistente erro da v�tima, constitui meio fraudulento caracter�stico do estelionato.

Entre tais crimes, s�o inclu�dos alguns n�o contemplados na lei em vigor, como, exempli gratia, a fraude relativa a seguro contra acidentes (artigo 171, � 2�, V) e a "frustra��o de pagamento de cheques" (artigo 171, � 2�, VI).

A incrimina��o deste �ltimo fato, de par com a da emiss�o de cheque sem fundo, resulta do racioc�nio de que n�o h� distinguir entre um e outro caso: t�o criminoso � aquele que emite cheque sem provis�o como aquele que, embora dispondo de fundos em poder do sacado, maliciosamente os retira antes da apresenta��o do cheque ou, por outro modo, ilude o pagamento, em preju�zo do portador.

O "abuso de papel em branco", previsto atualmente como modalidade do estelionato, passa, no projeto, para o setor dos crimes contra a f� p�blica (artigo 299).

62. A "duplicata simulada" e o "abuso de incapazes" s�o previstos em artigos distintos. Como forma especial de fraude patrimonial, � tamb�m previsto o fato de "abusar, em proveito pr�prio ou alheio, da inexperi�ncia ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o � pr�tica de jogo ou aposta, ou � especula��o com t�tulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a opera��o � ruinosa".

63. Com a rubrica de "fraude no com�rcio", s�o incriminados v�rios fatos que a lei atual n�o prev� especialmente. Entre eles figura o de "vender, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada", devendo entender-se que tal crime constitui "fraude no com�rcio" quando n�o importe crime contra a sa�de p�blica, mais severamente punido.

S�o destacadas, para o efeito de grande atenua��o da pena, certas fraudes de menor gravidade, como sejam a "usurpa��o de alimentos" (filouterie d'aliments ou griv�lerie, dos franceses; scrocco, dos italianos, ou Zechprellerei, dos alem�es), a pousada em hotel e a utiliza��o de meio de transporte, sabendo o agente ser-lhe imposs�vel efetuar o pagamento. � expressamente declarado que, em tais casos, dadas as circunst�ncias, pode o juiz abster-se de aplica��o da pena, ou substitu�-la por medida de seguran�a. As "fraudes e abusos na funda��o e administra��o das sociedades por a��es" (n�o constituindo qualquer dos fatos crime contra a economia popular definido na legisla��o especial, que continua em vigor) s�o minuciosamente previstos, afei�oando-se o projeto � recente lei sobre as ditas sociedades.

O projeto absteve-se de tratar dos crimes de fal�ncia, que dever�o ser objeto de legisla��o especial, j� em elabora��o.

Na san��o relativa � fraudulenta insolv�ncia civil � adotada a alternativa entre a pena privativa de liberdade (deten��o) e a pecuni�ria (multa de quinhentos mil-r�is a cinco contos de r�is), e a a��o penal depender� de queixa.

64. Em cap�tulo especial, como crime sui generis contra o patrim�nio, e com pena pr�pria, � prevista a recepta��o (que o C�digo vigente, na sua parte geral, define como forma de cumplicidade post factum, resultando da�, muitas vezes, a aplica��o de penas desproporcionadas). O projeto distingue, entre a recepta��o dolosa e a culposa, que a lei atual injustificadamente equipara. � expressamente declarado que a recepta��o � pun�vel ainda que n�o seja conhecido ou pass�vel de pena o autor do crime de que proveio a coisa receptada. Tratando-se de criminoso prim�rio, poder� o juiz, em face das circunst�ncias, deixar de aplicar a pena, ou substitu�-la por medida de seguran�a.

DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL

Os dispositivos do projeto em rela��o � circunst�ncia de parentesco entre os sujeitos ativo e passivo, nos crimes patrimoniais, s�o mais amplos do que os do direito atual, ficando, por�m, expl�cito que o efeito de tal circunst�ncia n�o aproveita aos co-part�cipes do parente, assim como n�o se estende aos casos de roubo, extors�o e, em geral, aos crimes patrimoniais praticados mediante viol�ncia contra a pessoa.

65. Sob esta rubrica � que o projeto alinha os crimes que o direito atual denomina "crimes contra a propriedade liter�ria, art�stica, industrial e comercial". S�o tratados como uma classe aut�noma, que se reparte em quatro subclasses: "crimes contra a propriedade intelectual", "crimes contra o privil�gio de inven��o", "crimes contra as marcas de ind�stria e com�rcio" e "crimes de concorr�ncia desleal". Tirante uma ou outra altera��o ou diverg�ncia, s�o reproduzidos os crit�rios e f�rmulas da legisla��o vigente.

DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZA��O DO TRABALHO

66. O projeto consagra um t�tulo especial aos "crimes contra a organiza��o do trabalho", que o C�digo atual, sob o r�tulo de "crimes contra a liberdade do trabalho", classifica entre os "crimes contra o livre gozo e exerc�cio dos direitos individuais" (isto �, contra a liberdade individual). Este crit�rio de classifica��o, enjeitado pelo projeto, afei�oa-se a um postulado da economia liberal, atualmente desacreditado, que Zanardelli, ao tempo da elabora��o do C�digo Penal italiano de 1889, assim fixava: "A lei deve deixar que cada um proveja aos pr�prios interesses pelo modo que melhor lhe pare�a, e n�o pode intervir sen�o quando a livre a��o de uns seja lesiva do direito de outros. N�o pode ela vedar aos oper�rios a combinada absten��o de trabalho para atender a um objetivo econ�mico, e n�o pode impedir a um industrial que feche, quando lhe aprouver, a sua f�brica ou oficina.

O trabalho � uma mercadoria, da qual, como de qualquer outra, se pode dispor � vontade, quando se fa�a uso do pr�prio direito sem prejudicar o direito de outrem". A tutela exclusivista da liberdade individual abstra�a, assim, ou deixava em plano secund�rio o interesse da coletividade, o bem geral. A greve, o lockout, todos os meios incruentos e pac�ficos na luta entre o proletariado e o capitalismo eram permitidos e constitu�am mesmo o exerc�cio de l�quidos direitos individuais. O que cumpria assegurar, antes de tudo, na esfera econ�mica, era o livre jogo das iniciativas individuais. Ora, semelhante programa, que uma longa experi�ncia demonstrou err�neo e desastroso, j� n�o � mais vi�vel em face da Constitui��o de 37. Proclamou esta a legitimidade da interven��o do Estado no dom�nio econ�mico, "para suprir as defici�ncias da iniciativa individual e coordenar os fatores da produ��o, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competi��es individuais o pensamento do interesse da Na��o". Para dirimir as contendas entre o trabalho e o capital, foi institu�da a justi�a do trabalho, tornando-se incompat�vel com a nova ordem pol�tica o exerc�cio arbitr�rio das pr�prias raz�es por parte de empregados e empregadores.

67. A greve e o lockout (isto �, a paralisa��o ou suspens�o arbitr�ria do trabalho pelos oper�rios ou patr�es) foram declarados "recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompat�veis com os superiores interesses da produ��o nacional". J� n�o � admiss�vel uma liberdade do trabalho entendida como liberdade de iniciativa de uns sem outro limite que igual liberdade de iniciativa de outros. A prote��o jur�dica j� n�o � concedida � liberdade do trabalho, propriamente, mas � organiza��o do trabalho, inspirada n�o somente na defesa e no ajustamento dos direitos e interesses individuais em jogo, mas tamb�m, e principalmente, no sentido superior do bem comum de todos. Atentat�ria, ou n�o, da liberdade individual, toda a��o perturbadora da ordem jur�dica, no que concerne ao trabalho, � il�cita e est� sujeita a san��es repressivas, sejam de direito administrativo, sejam de direito penal. Da�, o novo crit�rio adotado pelo projeto, isto �, a traslada��o dos crimes contra o trabalho, do setor dos crimes contra a liberdade individual para uma classe aut�noma, sob a j� referida rubrica. N�o foram, por�m, trazidos para o campo do il�cito penal todos os fatos contr�rios � organiza��o do trabalho: s�o incriminados, de regra, somente aqueles que se fazem acompanhar da viol�ncia ou da fraude. Se falta qualquer desse elementos, n�o passar� o fato, salvo poucas exce��es, de il�cito administrativo. � o ponto de vista j� fixado em recente legisla��o trabalhista. Assim, incidir�o em san��o penal o cerceamento do trabalho pela for�a ou intimida��o (artigo 197, I), a coa��o para o fim de greve ou de lockout (artigo 197, II), a boicotagem violenta (artigo 198), o atentado violento contra a liberdade de associa��o profissional (artigo 199), a greve seguida de viol�ncia contra a pessoa ou contra a coisa (artigo 200), a invas�o e arbitr�ria posse de estabelecimento de trabalho (artigo 202, 1� parte), a sabotagem (artigo 202, in fine), a frustra��o, mediante viol�ncia ou fraude, de direitos assegurados por lei trabalhista ou de nacionaliza��o do trabalho (artigos 203 e 204). Os demais crimes contra o trabalho, previstos no projeto, dispensam o elemento viol�ncia ou fraude (artigos 201, 205, 206, 207), mas explica-se a exce��o: � que eles, ou atentam imediatamente contra o interesse p�blico, ou imediatamente ocasionam uma grave perturba��o da ordem econ�mica. � de notar-se que a suspens�o ou abandono coletivo de obra p�blica ou servi�o de interesse coletivo somente constituir� o crime previsto no artigo 201 quando praticado por "motivos pertinentes �s condi��es do trabalho", pois, de outro modo, o fato importar� o crime definido no artigo 18 da Lei de Seguran�a, que continua em pleno vigor.

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

68. S�o classificados como species do mesmo genus os "crimes contra o sentimento religioso" e os "crimes contra o respeito aos mortos". � incontest�vel a afinidade entre uns e outros. O sentimento religioso e o respeito aos mortos s�o valores �tico-sociais que se assemelham. O tributo que se rende aos mortos tem um fundo religioso. Id�ntica, em ambos os casos, � a ratio essendi da tutela penal.

O projeto divorcia-se da lei atual, n�o s� quando deixa de considerar os crimes referentes aos cultos religiosos como subclasse dos crimes contra a liberdade individual (pois o que passa a ser, precipuamente, objeto da prote��o penal � a religi�o como um bem em si mesmo), como quando traz para o cat�logo dos crimes (lesivos do respeito aos mortos) certos fatos que o C�digo vigente considera simples contraven��es, como a violatio sepulchri e a profana��o de cad�ver. Entidades criminais desconhecidas da lei vigente s�o as previstas nos artigos 209 e 211 do projeto: impedimento ou perturba��o de enterro ou cerim�nia f�nebre e supress�o de cad�ver ou de alguma de suas partes.

DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES

69. Sob esta ep�grafe, cuida o projeto dos crimes que, de modo geral, podem ser tamb�m denominados sexuais. S�o os mesmos crimes que a lei vigente conhece sob a extensa rubrica "Dos crimes contra a seguran�a da honra e honestidade das fam�lias e do ultraje p�blico ao pudor". Figuram eles com cinco subclasses, assim intitulados: "Dos crimes contra a liberdade sexual", "Da sedu��o e da corrup��o de menores", "Do rapto", "Do lenoc�nio e do tr�fico de mulheres" e "Do ultraje p�blico ao pudor".

O crime de adult�rio, que o C�digo em vigor contempla entre os crimes sexuais, passa a figurar no setor dos crimes contra a fam�lia.

70. Entre os crimes contra a liberdade sexual, de par com as figuras cl�ssicas do estupro e do atentado violento ao pudor, s�o inclu�das a "posse sexual mediante fraude" e o "atentado ao pudor mediante fraude". Estas duas entidades criminais, na amplitude com que as conceitua o projeto, s�o estranhas � lei atual. Perante esta, a fraude � um dos meios morais do crime de defloramento, de que s� a mulher menor de 21 (vinte e um) anos e maior de 16 (dezesseis) pode ser sujeito passivo. Segundo o projeto, entretanto, existe crime sempre que, sendo a v�tima mulher honesta, haja emprego de meio fraudulento (v.g.: simular casamento, substituir-se ao marido na escurid�o da alcova). N�o importa, para a exist�ncia do crime, que a ofendida seja, ou n�o, maior ou virgo intacta. Se da c�pula resulta o desvirginamento da ofendida, e esta � menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze), a pena � especialmente aumentada.

Na identifica��o dos crimes contra a liberdade sexual � presumida a viol�ncia (artigo 224) quando a v�tima: a) n�o � maior de 14 (quatorze) anos; b) � alienada ou d�bil mental, conhecendo o agente esta circunst�ncia; ou c) acha-se em estado de inconsci�ncia (provocado, ou n�o, pelo agente), ou, por doen�a ou outra causa, impossibilitada de oferecer resist�ncia. Como se v�, o projeto diverge substancialmente da lei atual: reduz, para o efeito de presun��o de viol�ncia, o limite de idade da v�tima e amplia os casos de tal presun��o (a lei vigente presume a viol�ncia no caso �nico de ser a v�tima menor de dezesseis anos). Com a redu��o do limite de idade, o projeto atende � evid�ncia de um fato social contempor�neo, qual seja a precocidade no conhecimento dos fatos sexuais. O fundamento da fic��o legal de viol�ncia, no caso dos adolescentes, � a innocentia consilii do sujeito passivo, ou seja, a sua completa insci�ncia em rela��o aos fatos sexuais, de modo que n�o se pode dar valor algum ao seu consentimento. Ora, na �poca atual, seria abstrair hipocritamente a realidade o negar-se que uma pessoa de 14 (quatorze) anos completos j� tem uma no��o te�rica, bastante exata, dos segredos da vida sexual e do risco que corre se se presta � lasc�via de outrem. Estendendo a presun��o de viol�ncia aos casos em que o sujeito passivo � alienado ou d�bil mental, o projeto obedece ao racioc�nio de que, tamb�m aqui, h� aus�ncia de consentimento v�lido, e ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio.

Por outro lado, se a incapacidade de consentimento faz presumir a viol�ncia, com maioria de raz�o deve ter o mesmo efeito o estado de inconsci�ncia da v�tima ou sua incapacidade de resist�ncia, seja esta resultante de causas m�rbidas (enfermidade, grande debilidade org�nica, paralisia, etc.), ou de especiais condi��es f�sicas (como quando o sujeito passivo � um indefeso aleijado, ou se encontra acidentalmente tolhido de movimentos).

71. Sedu��o � o nomen juris que o projeto d� ao crime atualmente denominado defloramento. Foi repudiado este t�tulo, porque faz supor como imprescind�vel condi��o material do crime a ruptura do h�men (flos virgineum), quando, na realidade, basta que a c�pula seja realizada com mulher virgem, ainda que n�o resulte essa ruptura, como nos casos de complac�ncia himenal.

O sujeito passivo da sedu��o � a mulher virgem, maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos. No sistema do projeto, a menoridade, do ponto de vista da prote��o penal, termina aos 18 (dezoito) anos. Fica, assim, dirimido o ilogismo em que incide a legisla��o vigente, que, n�o obstante reconhecer a maioridade pol�tica e a capacidade penal aos 18 (dezoito) anos completos (Constitui��o, artigo 117, e C�digo Penal, modificado pelo C�digo de Menores), continua a pressupor a imaturidade ps�quica, em mat�ria de crimes sexuais, at� os 21 (vinte e um) anos.

Para que se identifique o crime de sedu��o � necess�rio que seja praticado "com abuso da inexperi�ncia ou justific�vel confian�a" da ofendida. O projeto n�o protege a mo�a que se convencionou chamar emancipada, nem tampouco aquela que, n�o sendo de todo ing�nua, se deixa iludir por promessas evidentemente insinceras.

Ao ser fixada a f�rmula relativa ao crime em quest�o, partiu-se do pressuposto de que os fatos relativos � vida sexual n�o constituem na nossa �poca mat�ria que esteja subtra�da, como no passado, ao conhecimento dos adolescentes de 18 (dezoito) anos completos. A vida, no nosso tempo, pelos seus costumes e pelo seu estilo, permite aos indiv�duos surpreender, ainda bem n�o atingida a maturidade, o que antes era o grande e insond�vel mist�rio, cujo conhecimento se reservava apenas aos adultos.

Certamente, o direito penal n�o pode abdicar de sua fun��o �tica, para acomodar-se ao afrouxamento dos costumes; mas, no caso de que ora se trata, muito mais eficiente que a amea�a da pena aos sedutores, ser� a retirada da tutela penal � mo�a maior de 18 (dezoito) anos, que, assim, se far� mais cautelosa ou menos acess�vel.

Em abono do crit�rio do projeto, acresce que, hoje em dia, dados os nossos costumes e formas de vida, n�o s�o raros os casos em que a mulher n�o � a �nica v�tima da sedu��o.

J� foi dito, com acerto, que "nos crimes sexuais, nunca o homem � t�o algoz que n�o possa ser, tamb�m, um pouco v�tima, e a mulher nem sempre � a maior e a �nica v�tima dos seus pretendidos infort�nios sexuais" (Filipo Manci, Delitti sessuali).

72. Ao configurar o crime de corrup��o de menores, o projeto n�o distingue, como faz a lei atual, entre corrup��o efetiva e corrup��o potencial: engloba as duas species e comina a mesma pena. O meio executivo do crime tanto pode ser a pr�tica do ato libidinoso com a v�tima (pessoa maior de quatorze e menor de dezoito anos), como o induzimento desta a praticar (ainda que com outrem, mas para a satisfa��o da lasc�via do agente) ou a presenciar ato dessa natureza.

73. O rapto para fim libidinoso � conservado entre os crimes sexuais, rejeitado o crit�rio do projeto S� Pereira, que o trasladava para a classe dos crimes contra a liberdade. Nem sempre o meio executivo do rapto � a viol�ncia. Ainda mesmo se tratando de rapto violento, deve-se atender a que, segundo a melhor t�cnica, o que especializa um crime n�o � o meio, mas o fim. No rapto, seja violento, fraudulento ou consensual, o fim do agente � a posse da v�tima para fim sexual ou libidinoso. Trata-se de um crime dirigido contra o interesse da organiza��o �tico-social da fam�lia - interesse que sobreleva o da liberdade pessoal. Seu justo lugar, portanto, � entre os crimes contra os costumes.

O projeto n�o se distancia muito da lei atual, no tocante aos dispositivos sobre o rapto. Ao rapto violento ou pr�prio (vi aut minis) � equiparado o rapto per fraudem (compreensivo do rapto per insidias). No rapto consensual (com ou sem sedu��o), menos severamente punido, a paciente s� pode ser a mulher entre os 14 (quatorze) e 21 (vinte e um) anos (se a raptada � menor de quatorze anos, o rapto se presume violento), conservando-se, aqui, o limite da menoridade civil, de vez que essa modalidade do crime �, principalmente, uma ofensa ao p�trio poder ou autoridade tutelar (in parentes vel tutores).

A pena, em qualquer caso, � diminu�da de um ter�o, se o crime � praticado para fim de casamento, e da metade, se se d� a restitutio in integrum da v�tima e sua reposi��o in loco tuto ac libero.

Se ao rapto se segue outro crime contra a raptada, aplica-se a regra do concurso material. Fica, assim, modificada a lei vigente, segundo a qual, se o crime subseq�ente � o defloramento ou estupro (omitida refer�ncia a qualquer outro crime sexual), a pena do rapto � aumentada da sexta parte.

74. O projeto reserva um cap�tulo especial �s disposi��es comuns aos crimes sexuais at� aqui mencionados. A primeira delas se refere �s formas qualificadas de tais crimes, isto �, aos casos em que, tendo havido emprego de viol�ncia, resulta les�o corporal grave ou a morte da v�tima: no primeiro caso, a pena ser� reclus�o por 4 (quatro) a 12 (doze) anos; no segundo, a mesma pena, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos.

A seguir, v�m os preceitos sobre a viol�ncia ficta, de que acima j� se tratou; sobre a disciplina da a��o penal na esp�cie e sobre agravantes especiais. Cumpre notar que uma disposi��o comum aos crimes em quest�o n�o figura na "parte especial", pois se achou que ficaria melhor colocada no t�tulo sobre a extin��o da punibilidade, da "parte geral": � o que diz respeito ao subsequens matrimonium (artigo 108, VIII), que, antes ou depois da condena��o, exclui a imposi��o da pena.

75. Ao definir as diversas modalidades do lenoc�nio, o projeto n�o faz depender o crime de especial meio executivo, nem da habitualidade, nem do fim de lucro. Se h� emprego de viol�ncia, intimida��o ou fraude, ou se o agente procede lucri faciendi causa, a pena � especialmente agravada. Tal como na lei atual, o lenoc�nio qualificado ou familiar � mais severamente punido que o lenoc�nio simples. Na presta��o de local a encontros para fim libidinoso, � taxativamente declarado que o crime existe independentemente de media��o direta do agente para esses encontros ou de fim de lucro.

S�o especialmente previstos o rufianismo (alphonsisme, dos franceses; mantenutismo, dos italianos; Zuhalterei, dos alem�es) e o tr�fico de mulheres.

Na configura��o do ultraje p�blico ao pudor, o projeto excede de muito em previd�ncia � lei atual.

DOS CRIMES CONTRA A FAM�LIA

76. O t�tulo consagrado aos crimes contra a fam�lia divide-se em quatro cap�tulos, que correspondem, respectivamente, aos "crimes contra o casamento", "crimes contra o estado de filia��o", "crimes contra a assist�ncia familiar" e "crimes contra o p�trio poder, tutela ou curatela". O primeiro entre os crimes contra o casamento � a bigamia - nomen juris que o projeto substitui ao de poligamia, usado pela lei atual. Seguindo-se o mesmo crit�rio desta, distingue-se, para o efeito de pena, entre aquele que, sendo casado, contrai novo casamento e aquele que, sendo solteiro, se casa com pessoa que sabe casada. Conforme expressamente disp�e o projeto, o crime de bigamia existe desde que, ao tempo do segundo casamento, estava vigente o primeiro; mas, se este, a seguir, � judicialmente declarado nulo, o crime se extingue, pois que a declara��o de nulidade retroage ex tunc. Igualmente n�o subsistir� o crime se vier a ser anulado o segundo casamento, por motivo outro que n�o o pr�prio impedimento do matrim�nio anterior (pois a bigamia n�o pode excluir-se a si mesma). Releva advertir que na "parte geral" (artigo 111, e) se determina, com inova��o da lei atual, que, no crime de bigamia, o prazo de prescri��o da a��o penal se conta da data em que o fato se tornou conhecido.

77. O projeto mant�m a incrimina��o do adult�rio, que passa, por�m, a figurar entre os crimes contra a fam�lia, na subclasse dos crimes contra o casamento. N�o h� raz�o convincente para que se deixe tal fato � margem da lei penal. � incontest�vel que o adult�rio ofende um indeclin�vel interesse de ordem social, qual seja o que diz com a organiza��o �tico-jur�dica da vida familiar. O exclusivismo da rec�proca posse sexual dos c�njuges � condi��o de disciplina, harmonia e continuidade do n�cleo familiar. Se deixasse impune o adult�rio, o projeto teria mesmo contrariado o preceito constitucional que coloca a fam�lia "sob a prote��o especial do Estado". Uma not�vel inova��o cont�m o projeto: para que se configure o adult�rio do marido, n�o � necess�rio que este tenha e mantenha concubina, bastando, tal como no adult�rio da mulher, a simples infidelidade conjugal.

Outra inova��o apresenta o projeto, no tocante ao crime em quest�o: a pena � sensivelmente diminu�da, passando a ser de deten��o por 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses; � de 1 (um) m�s, apenas, o prazo de decad�ncia do direito de queixa (e n�o prescri��o da a��o penal), e este n�o pode ser exercido pelo c�njuge desquitado ou que consentiu no adult�rio ou o perdoou expressa ou tacitamente. Al�m disso, o juiz pode deixar de aplicar a pena, se havia cessado a vida em comum dos c�njuges ou se o querelante havia praticado qualquer dos atos previstos no artigo 317 do C�digo Civil. De par com a bigamia e o adult�rio, s�o previstas, no mesmo cap�tulo, entidades criminais que a lei atual ignora. Passam a constituir il�cito penal os seguintes fatos, at� agora deixados impunes ou sujeitos a meras san��es civis: contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que n�o seja o resultante de casamento anterior (pois, neste caso, o crime ser� o de bigamia); contrair casamento, conhecendo a exist�ncia de impedimento que acarrete sua nulidade absoluta; fingir de autoridade para celebra��o do casamento e simular casamento. Nestas duas �ltimas hip�teses, trata-se de crimes subsidi�rios: s� ser�o punidos por si mesmos quando n�o constituam participa��o em crime mais grave ou elemento de outro crime.

78. Ao definir os crimes contra o estado de filia��o, adota o projeto f�rmulas substancialmente id�nticas �s do C�digo atual, que os conhece sob a rubrica de "parto suposto e outros fingimentos".

79. � reservado um cap�tulo especial aos "crimes contra a assist�ncia familiar", quase totalmente ignorados da legisla��o vigente. Seguindo o exemplo dos c�digos e projetos de codifica��o mais recentes, o projeto faz incidir sob a san��o penal o abandono de fam�lia. O reconhecimento desta nova species criminal �, atualmente, ponto incontroverso. Na "Semana Internacional de Direito", realizada em Paris, no ano de 1937, Ionesco-Doly, o representante da Rom�nia, fixou, na esp�cie, com acerto e precis�o, a ratio da incrimina��o: "A institui��o essencial que � a fam�lia atravessa atualmente uma crise bastante grave. Da�, a firme, embora recente, tend�ncia no sentido de uma interven��o do legislador, para substituir as san��es civis, reconhecidamente ineficazes, por san��es penais contra a viola��o dos deveres jur�dicos de assist�ncia que a consci�ncia jur�dica universal considera como o assento b�sico do status familiae. Vir� isso contribuir para, em complemento de medidas que se revelaram insuficientes para a prote��o da fam�lia, conjurar um dos aspectos dolorosos da crise por que passa essa institui��o. �, de todo em todo, necess�rio que desapare�am certos fatos profundamente lament�veis, e desgra�adamente cada vez mais freq�entes, como seja o dos maridos que abandonam suas esposas e filhos, deixando-os sem meios de subsist�ncia, ou o dos filhos que desamparam na mis�ria seus velhos pais enfermos ou inv�lidos".

� certo que a vida social no Brasil n�o oferece, t�o assustadoramente como em outros pa�ses, o fen�meno da desintegra��o e desprest�gio da fam�lia; mas a san��o penal contra o "abandono de fam�lia", inscrita no futuro C�digo, vir� contribuir, entre n�s, para atalhar ou prevenir o mal incipiente.

Para a conceitua��o do novo crime, a legisla��o comparada oferece dois modelos: o franc�s, demasiadamente restrito, e o italiano, excessivamente amplo. Segundo a lei francesa, o crime de abandono de fam�lia � constitu�do pelo fato de, durante um certo per�odo (tr�s meses consecutivos), deixar o agente de pagar a pens�o alimentar decretada por uma decis�o judicial passada em julgado. � o chamado abandono pecuni�rio. Muito mais extensa, entretanto, � a f�rmula do C�digo Penal italiano, que foi at� a incrimina��o do abandono moral, sem crit�rios objetivos na delimita��o deste. O projeto preferiu a f�rmula transacional do chamado abandono material. Dois s�o os m�todos adotados na incrimina��o: um direto, isto �, o crime pode ser identificado diretamente pelo juiz penal, que dever� verificar, ele pr�prio, se o agente deixou de prestar os recursos necess�rios; outro indireto, isto �, o crime existir� automaticamente se, reconhecida pelo juiz do c�vel a obriga��o de alimentos e fixado seu quantum na senten�a, deixar o agente de cumpr�-la durante 3 (tr�s) meses consecutivos. N�o foi, por�m, deixado inteiramente � margem o abandono moral. Deste cuida o projeto em casos especiais, precisamente definidos, como ali�s, j� faz o atual C�digo de Menores. � at� mesmo incriminado o abandono intelectual, embora num caso �nico e restrit�ssimo (artigo 246): deixar, sem justa causa, de ministrar ou fazer ministrar instru��o prim�ria a filho em idade escolar.

Segundo o projeto, s� � pun�vel o abandono intencional ou doloso, embora n�o se indague do motivo determinante: se por ego�smo, cupidez, avareza, �dio, etc. Foi rejeitado o crit�rio de fazer depender a a��o penal de pr�via queixa da v�tima, pois isso valeria, na pr�tica, por tornar letra morta o preceito penal. Raro seria o caso de queixa de um c�njuge contra o outro, de um filho contra o pai ou de um pai contra o filho. N�o se pode deixar de ter em aten��o o que Marc Ancel chama pudor familial, isto �, o sentimento que inibe o membro de uma fam�lia de revelar as faltas de outro, que, apesar dos pesares, continua a merecer o seu respeito e talvez o seu afeto. A pena cominada na esp�cie � alternativa: deten��o ou multa. Al�m disso, ficar� o agente sujeito, na conformidade da regra geral sobre as "penas acess�rias" (Cap�tulo V do T�tulo V da Parte Geral), � priva��o definitiva ou tempor�ria de poderes que, em rela��o � v�tima ou v�timas, lhe sejam atribu�dos pela lei civil, em conseq��ncia do status familiae.

Cuidando dos crimes contra o p�trio poder, tutela ou curatela, o projeto limita-se a reivindicar para o futuro C�digo Penal certos preceitos do atual C�digo de Menores, apenas ampliados no sentido de abranger na prote��o penal, al�m dos menores de 18 (dezoito) anos, os interditos.

DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE P�BLICA

80. Sob este t�tulo, s�o catalogados, no projeto, os crimes que a lei atual denomina contra a tranq�ilidade p�blica. Est�o eles distribu�dos em tr�s subclasses: crimes de perigo comum (isto �, aqueles que, mais n�tida ou imediatamente que os das outras subclasses, criam uma situa��o de perigo de dano a um indefinido n�mero de pessoas), crimes contra a seguran�a dos meios de comunica��o e transporte e outros servi�os p�blicos e crimes contra a sa�de p�blica. Al�m de reproduzir, com ligeiras modifica��es, a lei vigente, o projeto supre omiss�es desta, configurando novas entidades criminais, tais como: "uso perigoso de gases t�xicos", o "desabamento ou desmoronamento" (isto �, o fato de causar, em pr�dio pr�prio ou alheio, desabamento total ou parcial de alguma constru��o, ou qualquer desmoronamento, expondo a perigo a vida, integridade f�sica ou patrim�nio de outrem), "subtra��o, oculta��o ou inutiliza��o de material de salvamento", "difus�o de doen�a ou praga", "periclita��o de qualquer meio de transporte p�blico" (a lei atual somente cuida da periclita��o de transportes ferrovi�rios ou mar�timos, n�o se referindo, sequer, � do transporte a�reo, que o projeto equipara �queles), "atentado contra a seguran�a de servi�os de utilidade p�blica", "provoca��o de epidemia", "viola��o de medidas preventivas contra doen�as contagiosas", etc.

Relativamente �s formas qualificadas dos crimes em quest�o, � adotada a seguinte regra geral (artigo 258): no caso de dolo, se resulta a algu�m les�o corporal de natureza grave, a pena privativa da liberdade � aumentada de metade, e, se resulta morte, � aplicada em dobro; no caso de culpa, se resulta les�o corporal (leve ou grave), as penas s�o aumentadas de metade e, se resulta morte, � aplicada a de homic�dio culposo, aumentada de um ter�o.

DOS CRIMES CONTRA A PAZ P�BLICA

81. � esta a denomina��o que o projeto atribui ao seguinte grupo de crimes: "incita��o de crime", "apologia de crime ou criminoso" e "quadrilha ou bando" (isto �, associa��o de mais de tr�s pessoas para o fim de pr�tica de crimes comuns). � bem de ver que os dispositivos sobre as duas primeiras entidades criminais citadas n�o abrangem a provoca��o ou apologia de crimes pol�tico-sociais, que continuar�o sendo objeto de legisla��o especial, segundo disp�e o artigo 360.

DOS CRIMES CONTRA A F� P�BLICA

82. O t�tulo reservado aos crimes contra a f� p�blica divide-se em quatro cap�tulos, com as seguintes ep�grafes: "Da moeda falsa", "Da falsidade de t�tulos e outros pap�is p�blicos", "Da falsidade documental" e "De outras falsidades". Os crimes de testemunho falso e denuncia��o caluniosa, que, no C�digo atual, figuram entre os crimes lesivos da f� p�blica, passam para o seu verdadeiro lugar, isto �, para o setor dos crimes contra a administra��o da justi�a (subclasse dos crimes contra a administra��o p�blica).

83. Ao configurar as modalidades do crimen falsi, o projeto procurou simplificar a lei penal vigente, evitando superfluidades ou redund�ncias, e, no mesmo passo, suprir lacunas de que se ressente a mesma lei. � casu�stica do falsum s�o acrescentados os seguintes fatos: emiss�o de moeda com t�tulo ou peso inferior ao determinado em lei; desvio e antecipada circula��o de moeda; reprodu��o ou adultera��o de selos destinados � filatelia; supress�o ou oculta��o de documentos (que a lei atual prev� como modalidade de dano); falsifica��o do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscaliza��o aduaneira ou sanit�ria, ou para autentica��o ou encerramento de determinados objetos, ou comprova��o do cumprimento de formalidades legais; substitui��o de pessoa e falsa identidade (n�o constituindo tais fatos elemento de crime mais grave).

Para dirimir as incertezas que atualmente oferece a identifica��o da falsidade ideol�gica, foi adotada uma f�rmula suficientemente ampla e expl�cita: "Omitir, em documento p�blico ou particular, declara��es que dele deviam constar, ou inserir ou fazer inserir nele declara��es falsas ou diversas das que deviam ser escritas, com o fim de prejudicar um direito, criar uma obriga��o, ou alterar a verdade de fatos juridicamente relevantes".

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRA��O P�BLICA

84. Em �ltimo lugar, cuida o projeto dos crimes contra a administra��o p�blica, repartidos em tr�s subclasses: "crimes praticados por funcion�rio p�blico contra a administra��o em geral", "crimes praticados por particular contra a administra��o em geral" e "crimes contra a administra��o da justi�a". V�rias s�o as inova��es introduzidas, no sentido de suprir omiss�es ou retificar f�rmulas da legisla��o vigente. Entre os fatos incriminados como lesivos do interesse da administra��o p�blica, figuram os seguintes, at� agora, injustificadamente, deixados � margem da nossa lei penal: emprego irregular de verbas e rendas p�blicas; advocacia administrativa (isto �, "patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado junto � administra��o p�blica, valendo-se da qualidade de funcion�rio"); viola��o do sigilo funcional; viola��o do sigilo de proposta em concorr�ncia p�blica; explora��o de prest�gio junto � autoridade administrativa ou judici�ria (venditio fumi); obst�culo ou fraude contra concorr�ncia ou hasta p�blica; inutiliza��o de editais ou sinais oficiais de identifica��o de objetos; motim de presos; falsos avisos de crime ou contraven��o; auto-acusa��o falsa; coa��o no curso de processo judicial; fraude processual; exerc�cio arbitr�rio das pr�prias raz�es; favorecimento post factum a criminosos (o que a lei atual s� parcialmente incrimina como forma de cumplicidade); tergiversa��o do procurador judicial; reingresso de estrangeiro expulso.

85. O artigo 327 do projeto fixa, para os efeitos penais, a no��o de funcion�rio p�blico: "Considera-se funcion�rio p�blico, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remunera��o, exerce cargo, emprego ou fun��o p�blica". Ao funcion�rio p�blico � equiparado o empregado de entidades paraestatais. Os conceitos da concuss�o, da corrup��o (que a lei atual chama peita ou suborno), da resist�ncia e do desacato s�o ampliados. A concuss�o n�o se limita, como na lei vigente, ao crimen superexactionis (de que o projeto cuida em artigo especial), pois consiste, segundo o projeto, em "exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, mesmo fora das fun��es, ou antes de assum�-las, mas em raz�o delas, qualquer retribui��o indevida".

A corrup��o � reconhec�vel mesmo quando o funcion�rio n�o tenha ainda assumido o cargo. Na resist�ncia, o sujeito passivo n�o � exclusivamente o funcion�rio p�blico, mas tamb�m qualquer pessoa que lhe esteja, eventualmente, prestando assist�ncia.

O desacato se verifica n�o s� quando o funcion�rio se acha no exerc�cio da fun��o (seja, ou n�o, o ultraje infligido propter officium), sen�o tamb�m quando se acha extra officium, desde que a ofensa seja propter officium.

CONCLUS�O

86. � este o projeto que tenho a satisfa��o e a honra de submeter � aprecia��o de Vossa Excel�ncia.

O trabalho de revis�o do projeto Alc�ntara Machado durou justamente 2 (dois) anos. Houve tempo suficiente para exame e medita��o da mat�ria em todas as suas min�cias e complexidades. Da revis�o resultou um novo projeto. N�o foi este o prop�sito inicial. O novo projeto n�o resultou de plano preconcebido; nasceu, naturalmente, � medida que foi progredindo o trabalho de revis�o. Isto em nada diminui o valor do projeto revisto. Este constituiu uma etapa �til e necess�ria � constru��o do projeto definitivo.

A obra legislativa do Governo de Vossa Excel�ncia �, assim, enriquecida com uma nova codifica��o, que nada fica a dever aos grandes monumentos legislativos promulgados recentemente em outros pa�ses. A Na��o ficar� a dever a Vossa Excel�ncia, dentre tantos que j� lhe deve, mais este inestim�vel servi�o � sua cultura.

Acredito que, na perspectiva do tempo, a obra de codifica��o do Governo de Vossa Excel�ncia h� de ser lembrada como um dos mais importantes subs�dios trazidos pelo seu Governo, que tem sido um governo de unifica��o nacional, � obra de unidade pol�tica e cultural do Brasil.

N�o devo encerrar esta exposi��o sem recomendar especialmente a Vossa Excel�ncia todos quantos contribu�ram para que pudesse realizar-se a nova codifica��o penal no Brasil: Dr. Alc�ntara Machado, Ministro A. J. da Costa e Silva, Dr. Vieira Braga, Dr. Nelson Hungria, Dr. Roberto Lira, Dr. Narc�lio de Queiroz. N�o estaria, por�m, completa a lista se n�o acrescentasse o nome do Dr. Abgar Renault, que me prestou os mais valiosos servi�os na reda��o final do projeto.

Aproveito o ensejo, Senhor Presidente, para renovar a Vossa Excel�ncia os protestos do meu mais profundo respeito.

Francisco Campos

Por que o crime de dano é subsidiário?

10. Concurso de normas. O crime de dano é lembrado por sua implícita faceta subsidiária; por seu caráter genérico diante de outros tipos; por sua função de rito de passagem (delito-meio) para delitos mais graves; por sua condição, até mesmo, de eventual fato posterior impunível.

O que é um delito subsidiário?

Subsidiário é o crime em que para se chegar ao mais grave será necessário passar por ele, v.g., art. 132 do CP (perigo para a vida ou a saúde de outrem) . Algumas vezes, como no crime mencionado, a subsidiariedade é expressa, eis que o referido art. determina a absorção da pena por a de outro mais grave.

O que estabelece o artigo 132 do Código Penal?

132 do Código Penal: Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Qual o fundamento da majorante prevista no parágrafo único do art 132?

Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.

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