Publicado em 22/08/2022 10h23 Atualizado em 26/10/2022 01h51
O desenvolvimento de um novo fármaco passa obrigatoriamente pelas seguintes etapas:
- Pesquisa experimental ou fase pré-clínica: Antes de começar os testes em seres humanos, os pesquisadores realizam testes em células e em animais.
- Pesquisa clínica: Nesta fase o objetivo principal é testar a segurança e a eficácia deste novo medicamento em seres humanos.
Tabela 1 - Fase Clínica de desenvolvimento de um novo medicamento
I | Pequenos grupos de participantes de pesquisa (20-100) | Vários meses | Segurança, avaliação preliminar. |
II | Número limitado de participantes de pesquisa | Vários meses até 2 anos | Eficácia, definição da dose eficaz. Em paralelo, a segurança. |
III | Grandes e variados grupos de participantes de pesquisa | 1 a 4 anos | Segurança, eficácia comparativa, risco/benefício. Aumenta-se o número de pacientes. Tem a intenção de registrar o novo medicamento. |
IV | Milhares de participantes de pesquisa | Vários anos | Farmacovigilância. Promover experiência com o produto, avaliar novas indicações para os mesmos. |
Considerando as etapas da pesquisa experimental e da pesquisa clínica, o tempo total de desenvolvimento de um novo medicamento pode ultrapassar 10 anos. Podemos dizer que de cada 10.000 moléculas testadas, apenas uma se torna um medicamento que será comercializado.
Em poucas áreas da medicina, a incorporação de novos conhecimentos à prática clínica se dá de maneira tão dinâmica como na Oncologia. Para que tais avanços aconteçam, a existência de centros de pesquisa clínica de excelência para a realização de estudos com novos medicamentos é fundamental. O INCA recebe estudos clínicos em diversas áreas, o que proporciona uma nova perspectiva de tratamentos para inúmeros tipos de câncer.
No encontro do dia 10 de março do programa Adote um Cientista, os alunos foram presenteados com duas palestras ministradas por docentes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP – USP), proporcionando duas visões distintas, porém complementares, de estudos nas Ciências da Saúde.
A primeira palestra foi ministrada pelo Prof. Dr. Fábio Carmona, do Departamento de Puericultura e Pediatria da FMRP. O docente trouxe aos alunos do Adote mais
detalhes sobre como são desenvolvidos fármacos a partir dos princípios ativos de diferentes plantas, para o combate e tratamento de diferentes doenças.
Fábio iniciou sua fala com uma provocação, valorizando as plantas como seres vivos, dotados, portanto, de intensa e complexa atividade biológica. É interessante destacar, aqui, que uma planta produz e é composta por diferentes substâncias que podem ou não ser extraídas e utilizadas em benefício do ser humano.
Em um breve histórico, o
palestrante mostrou que as plantas têm sido utilizadas desde o Paleolítico (registros datam de 60.000 antes de Cristo) para o tratamento de diferentes condições clínicas. O conhecimento popular, nesse caso, possui um papel imprescindível para que drogas começassem a ser sintetizadas para o tratamento clínico dessas doenças.
O primeiro fármaco foi produzido em 1897, por Bayer, utilizando como princípio ativo a salicina, extraída do salgueiro (Salix alba L.). O uso do chá da casca do
salgueiro já era amplamente difundido em comunidades indígenas americanas e impulsionou pesquisas no sentido de extrair a substância responsável por seus efeitos no combate à febre, possibilitando a sintetização do medicamento.
Fábio trouxe diversos exemplos de medicamentos que foram ou estão em desenvolvimento a partir de substâncias extraídas em plantas, valorizando sempre a cultura e o conhecimento popular como propulsor das inovações científicas.
Neste caso, Fábio explicou que a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já aprova o uso do chá de erva-cidreira de arbusto para fins terapêuticos (uma vez que a composição e os efeitos do chá no organismo já estão bem documentados e esclarecidos), dizendo, porém, que o desenvolvimento de um medicamento depende dos resultados encontrados em testes clínicos.
Ele contou, por exemplo, que estudos clínicos mostraram que a tintura de Lippia alba foi capaz de reduzir a frequência e a intensidade das crises de enxaqueca, comprovando sua eficácia no tratamento dessa doença.
Aluno: Mais ou menos quantas semanas, quantos meses vocês estudam isso para testar em pessoas depois?
Fábio explicou que é um processo demorado, que leva alguns anos, e que envolve testes e ensaios em laboratório, testes clínicos e a aprovação da ANVISA. Uma substância que comece a ser testada agora, por exemplo, assumindo que sua eficácia será comprovada em todas as fases de testes, poderá vir a ser comercializada como medicamento apenas daqui dez anos!
Aluno: Um remédio feito a partir de uma planta popular pode ser patenteado?
Fábio: Ótima pergunta. Não, uma planta não pode ser patenteada. Você só pode patentear algo que você faz, ou seja, você pode patentear um método que é capaz de transformar aquela planta em um subproduto – em geral, um extrato padronizado. Um extrato, no caso, de substâncias que são extraídas da planta a partir de um solvente (água, álcool, metanol, acetato de etila, e assim por diante). Enfim, o que pode ser patenteado é como fazer um remédio a partir de determinada planta.
O professor deu mais detalhes sobre estudos envolvendo outras plantas e doenças, como diabetes mellitus e ansiedade. Ele destacou, por exemplo, que mesmo que os
resultados dos testes se mostrem promissores, isso não justifica o uso daquele planta, mesmo em forma de chá, para fins terapêuticos – são necessários estudos ainda mais a fundo.
Um aluno perguntou, em determinado momento, se a ansiedade é responsável por desencadear o stress. Isso trouxe à discussão a noção de causalidade reversa, ou seja, à dificuldade em se estabelecer, em alguns momentos, na ciência, o que é causa e o que é efeito. Desta discussão participou também o Prof. Dr. Marco
Antônio Barbieri, que estava presente entre os convidados.
Fábio explicou também o uso de placebos em ensaios clínicos, e um dos alunos participantes afirmou que o “efeito placebo é como se fosse um efeito psicológico”.
Aluna: O custo é muito alto?
Fábio explicou que existe um custo, mas a matéria-prima é barata e de fácil acesso, e isso barateia o estudo como um todo. Há, porém, gastos com materiais, estrutura, reagentes, etc., um custo que é mantido por agências de fomento e pelo investimento da universidade. Um estudo recente do qual ele participou, por exemplo, custou, no total, cerca de trinta mil reais.
O Prof. Dr. Fábio Carmona encerrou sua fala citando o surgimento das farmácias vivas no país, algo que pode beneficiar pessoas de comunidades pobres ou isoladas. Durante toda sua apresentação, ele mostrou tanto o valor dos estudos científicos, com uma metodologia rigorosa (afinal, estamos falando da saúde das pessoas) e regulamentada, quanto do conhecimento popular servindo como um combustão para o surgimento de inovações farmacológicas. Além disso, a coordenadora da Casa, Profa. Dra. Marisa Barbieri, destacou, ao fim da sessão de perguntas, a imensa biodiversidade do nosso país e o leque de possibilidades que começa a ser explorada. Um campo promissor do conhecimento científico, cujos avançam afetam diretamente nossa saúde e que pega emprestado alguns conhecimentos que foram passados através das gerações, mesmo que fora dos centros de pesquisa e universidades.
texto por Vinicius Anelli
revisão por Marisa Barbieri