Quais as principais descobertas da matemática?

Texto: Bruno Vaiano | Foto: Tomás Arthuzzi | Design: Maria Pace | Edição: Alexandre Versignassi

Os matemáticos bem que se esforçam, mas não conseguem evitar o mundo real. É o caso de Godfrey Hardy. Em 1940, o britânico escreveu: “Poucas coisas da matemática têm alguma utilidade prática, e essas poucas coisas são muito enfadonhas!”. Em outra ocasião, pegou um pouco mais pesado: “Nenhuma descoberta minha fez, ou poderá fazer, direta ou indiretamente, para o bem ou para o mal, a menor diferença para o mundo”.

Hardy mordeu a língua. Depois de morrer, ficou famoso por revolucionar uma ciência extremamente prática: a biologia. Em 1908, ele propôs a equação de Hardy-Weinberg. Ela é tão simples que faz parte do currículo escolar. Mas foi poderosa o suficiente para unificar as duas ideias mais importantes da história da biologia: a genética de Mendel e a seleção natural de Darwin.

Para entender como, vamos revisar primeiro qual foi a ideia de Mendel. Em cada animal ou planta, há traços genéticos dominantes, como flores roxas, e recessivos, como flores brancas. Se um pé de ervilha (como os que Mendel usou em seus experimentos) herda um gene roxo do pai e um gene branco da mãe, as flores serão roxas, porque o gene roxo se sobrepõe ao branco. Até aí, beleza.

Darwin, por sua vez, afirma que, se uma característica é benéfica para a sobrevivência e reprodução do indivíduo, ela vai se espalhar por aí. Mas e se o traço bom, nesse caso, for a cor branca? Por exemplo: talvez insetos polinizadores gostem mais de flores brancas. Como a seleção natural vai fazer o branco se espalhar se o roxo é o traço dominante? Tal contradição fez os acadêmicos coçarem a cabeça e tomarem partido, como se tivessem que escolher entre Darwin e Mendel.

A equação de Hardy conciliou os dois demonstrando algo que soa contraintuitivo: que a lógica de genes dominantes e recessivos, por si só, não é capaz de fazer com que as flores brancas sumam com o tempo, dando lugar às roxas. Na verdade, a equação prova que a porcentagem de genes brancos que circulam na população dos pés de ervilha é fixa. Os genes recessivos não deixam de existir só porque são recessivos.

Para que um gene de fato desapareça de uma população, seja ele recessivo ou dominante, é necessária a intervenção de uma força externa que dê preferência a uma cor ou outra – como, por exemplo, abelhas que gostam de flores brancas. E isso é a tal da seleção natural.

Uma teoria com um alicerce matemático elegante (como se tornou a evolução após Hardy dar a explicação acima) com frequência se revela também uma teoria que faz previsões precisas sobre a natureza.

A matemática se nega a existir só por existir. Ela é muito eficaz na tarefa de explicar e manipular o mundo; eficaz de um jeito quase inverossímil. Não é só com a teoria da evolução que dá certo. As páginas desta revista são diagramadas com base em princípios matemáticos. Bem como seus móveis e a casa em que você mora. Computadores, instrumentos musicais, satélites de GPS, bonecas de crochê, máquinas de hemodiálise, túneis de metrô, a agricultura, a bomba atômica.

As dez equações da Relatividade Geral descrevem o próprio tecido do Universo. As quatro equações de Maxwell, todos os fenômenos eletromagnéticos (sem elas, não existiria nenhum aparelho eletrônico). Uma única equação de Schrödinger prevê a probabilidade de se encontrar um elétron em qualquer ponto da órbita de um átomo. E nós somos feitos de átomos.

Tantas equações com esse poder explicativo fizeram Einstein se perguntar: “Como é possível que a matemática, um produto do pensamento humano que é independente da experiência, se encaixe tão bem com os objetos de nossa realidade física?” Ele não foi o único. O físico James Jeans, bem menos famoso, comentou: “O Universo parece ter sido projetado por um matemático”. Eugene Wigner escreveu: “O milagre de que a linguagem da matemática é apropriada para a formulação das leis da física é um presente que nós não entendemos, nem merecemos”.

“Como é possível que a matemática, um fruto do pensamento, se encaixe tão bem à realidade física?”

– Albert Einstein

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Os físicos, às vezes, desenvolvem na marra as ferramentas matemáticas que precisam para explorar a natureza. O exemplo mais citado é o de Newton: com apenas 24 anos, criou o cálculo diferencial e integral – disciplina que até hoje aterroriza universitários da mesma idade, e que é essencial na rotina de engenheiros e economistas.

Em outros casos, porém, matemáticos cuja obra era puramente abstrata legaram ideias que só décadas ou séculos depois se revelaram úteis para entender um fenômeno. As elipses, parábolas e hipérboles estudadas pelo obscuro Menêcmo na Grécia Antiga só encontraram uma finalidade prática 2 mil anos depois, quando Kepler sacou que as órbitas dos planetas em torno do Sol são elípticas.

A famosa sequência de Fibonacci, na qual cada número corresponde à soma dos dois anteriores (1, 2, 3, 5, 8, 13, 21…) surgiu como algo abstrato. Depois, descobriu-se que ela está por trás da geometria dos abacaxis, dos girassóis, das conchas… Ela é, de fato, parte da natureza.

Um caso importante dessa aplicação “passiva” – em que uma área da matemática é primeiro desenvolvida como uma pura abstração e só depois, por acidente, é encontrada pelos físicos na natureza – está por trás da Relatividade Geral de Einstein. Voltemos um pouco no tempo.

Por mais de 2 mil anos, desde o trabalho do bom e velho Euclides na Grécia Antiga, toda a geometria foi euclidiana, isto é, a geometria que aprendemos na escola. Ela obedece a alguns axiomas bem intuitivos, conhecidos por todos nós. Por exemplo: uma reta é o menor caminho entre dois pontos; duas retas paralelas nunca se cruzam etc. Dentro dessas “regras”, é possível provar alguns teoremas elegantes, como o de Pitágoras.

O problema é que a geometria de Euclides é feita para funcionar em uma folha de papel. Ela é plana. Mas basicamente todas as coisas do mundo real têm alguma curvatura. Como a superfície da Terra. Ou, para usar um exemplo mais palpável, a superfície laranja de uma bola de basquete.

E a questão é que superfícies curvas bagunçam a geometria feijão-com-arroz de Euclides. Por exemplo: qual é o caminho mais curto entre o “polo sul” e o “polo norte” da bola de basquete? A resposta é que há mais de um caminho. A bola é dividida em gomos, e qualquer uma das linhas pretas que dividem os gomos percorre a mesma distância para ligar esses dois pontos. Os axiomas euclidianos se desmancham: agora, há mais de um caminho mais curto entre dois pontos.

No século 18, o matemático Carl Friedrich Gauss percebeu que era possível desenvolver uma geometria universal, que desse conta de explicar o que acontece em superfícies com as mais diferentes curvaturas. Essa nova área da matemática alcançou uma complexidade absurda com outro alemão, Bernhard Riemann, no século 19.

A geometria não euclidiana de Riemann já foi descrita como “diabolicamente difícil”. Albert Einstein em pessoa tinha dificuldade em lidar com ela, e por conta disso não conseguia terminar sua Teoria da Relatividade Geral. Um amigo dele, o matemático Marcel Grossmann, não tinha esse problema, e socorreu o alemão.

Ainda bem. Armado com a geometria de Riemann e a habilidade do amigo Grossmann, Einstein criou uma nova forma de descrever a força da gravidade. Ele mostrou que o “corpo” do Universo é repleto de curvas: a gravidade existe porque as luas, planetas e estrelas dobram o tecido do espaço-tempo com a sua massa, da mesma maneira que você afunda o colchão quando deita nele. Nós nos sentimos atraídos em direção à superfície da Terra por estarmos escorregando na dobra que ela cria no tecido do espaço-tempo.

A relatividade geral explica o universo com base em uma nova geometria, nascida como mero exercício filosófico.

Isso, obviamente, não é só uma ideia. Está mais para um fato. Se você usar as equações do alemão para fazer cálculos sobre a órbita de um planeta, por exemplo, obterá uma precisão de várias casas decimais. Tudo isso graças à geometria desenvolvida por Riemann lá atrás, em 1850, como um mero exercício filosófico.

Coincidências assim levam à questão que dá título a este texto. Será que a matemática consiste em uma série de padrões intrínsecos à natureza – e nós apenas deciframos esse código pré-existente em que o Universo está escrito? Ou será que a matemática é um sistema de manipulação de símbolos artificial, criado pelo ser humano para explicar o mundo?

Em outras palavras: os números existem ou são invenções? No fundo, esta é uma pergunta sem resposta. Mas é óbvio que muita gente tentou respondê-la. Jonathan Tallant, professor de filosofia da Universidade de Nottingham, divide tais tentativas em três categorias.

Tomás Arthuzzi/Superinteressante

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Verdade ou faz de conta?

A primeira, o platonismo, é mais simples de explicar com um exemplo pop: o filme Matrix. O personagem principal, Neo, e todo o resto da humanidade estão plugados em um computador e vivem dentro de uma simulação gerada por robôs malvadaços. A inteligência artificial dominou o planeta. Após acordar desse torpor e se rebelar contra as máquinas, Neo descobre que é uma espécie de messias.

Ele tem alguns superpoderes, como ver (e até manipular) os dígitos binários que codificam o mundo virtual em que ele estava preso. Neo vê um armário e sabe tudo sobre ele: o atrito do trilho das gavetas, o código da cor da tinta no padrão Pantone, a distribuição do peso pelos quatro pés etc. Afinal, tudo isso foi programado pelas máquinas para emular um armário convincentemente.

Os platonistas não acreditam que o mundo seja uma simulação, caso você esteja se perguntando. O exemplo acima é só didático. O que eles propõem é algo mais sutil: que o Universo real, como o de Matrix, está sim escrito em um código, o código da matemática. E que, conforme os seres humanos aperfeiçoam a matemática, eles estão apenas hackeando aos poucos a linguagem a que a realidade obedece. São Neos do mundo real. Para os platonistas, portanto, a matemática é uma descoberta, e não uma invenção humana. Ela já está lá.

Quanto aos números em si, bem… para os platonistas, eles existem na natureza, mas na forma de “objetos abstratos”. Essa história é meio difícil de engolir para um leigo. Um objeto abstrato, na definição de um filósofo, é algo que está fora do espaço-tempo, que não mantém relações causais com o que acontece entre nós. Isto é, um número não pode ser carregado no seu bolso nem abraçado por você, tampouco é capaz de machucá-lo. Os algarismos existiriam em algum outro plano, inacessível.

É por isso, inclusive, que o nome de Platão entra no rolo: este tal plano esotérico remete ao seu mundo das ideias, no qual o filósofo grego afirmava estarem armazenadas as essências imutáveis das coisas. Por exemplo: lá haveria um “gato quintessencial”, que seria a referência com base na qual todos os gatos do mundo real, imperfeitos por natureza, são moldados (atualmente, é bom dizer, o platonismo matemático está bem modificado em relação às ideias do Platão original – ninguém fala em formas de vida “quintessenciais”).

A visão que se opõe à dos platonistas, enfim, é a dos nominalistas, como Nietzsche. Eles dizem que os números, na verdade, não existem. Eles não estavam por aqui até nós pensarmos neles, e deixarão de existir após a eventual extinção da espécie humana, simplesmente porque são criações nossas, e não uma parte da natureza. Se matemática é uma linguagem ideal para vender pãezinhos ou calcular a órbita de planetas, seria porque, veja só, nós a criamos justamente com o objetivo de vender pães e calcular órbitas.

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Uma vertente mais radical do nominalismo, o ficcionalismo1, afirma que os números são tão reais quanto os casamentos narrados por Jane Austen ou as batalhas de Star Wars. A matemática é apenas uma história, que nos ajuda a entender melhor o mundo. Do mesmo jeito que você aceita com mais facilidade seus sentimentos em um término de namoro assistindo a narrações fictícias da Netflix, a matemática seria uma história artificial que auxilia os físicos a decifrar a natureza.

Os ficcionalistas defendem que os números são entidades tão reais quanto as batalhas de Star Wars.

Uma analogia mais fácil é com o esporte: toda partida de futebol ou xadrez é a simulação de uma batalha que obedece sempre às mesmas regras, mas pode ter uma infinidade de desfechos diferentes. De forma análoga, nós criamos as regras da matemática – e, desde então, os matemáticos se esforçam para descobrir todas as jogadas possíveis que obedecem a essas regras.

Esse debate, naturalmente, não precisa ser resolvido para que a matemática funcione. Todas as visões têm pontos fortes e fracos. Os platonistas, por exemplo, têm o problema óbvio de explicar o que exatamente eles querem dizer quando falam em “objeto abstrato” e onde fica o tal plano esotérico de Platão, se não é no tecido espaço-tempo, que abriga tudo o que existe.

Já os nominalistas ficam com o desafio de explicar por que algumas matemáticas inventadas sem intenções práticas, como a geometria de Riemann, depois se provam capazes de explicar fenômenos naturais. Coincidência? Dificilmente. De qualquer forma, a briga filosófica nos bastidores não torna a matemática em si menos eficaz.

O interessante, porém, é que por mais pirado que o dilema invenção vs. descoberta pareça, há uma chance concreta de que um dia nós possamos resolvê-lo, seja a favor dos platonistas, seja a favor dos nominalistas. Essa resposta pode vir na forma da coisa mais incrível que pode ocorrer com uma civilização inteligente: o contato com outra civilização inteligente.

1. Errata: na edição impressa do mês de março, onde esta matéria foi veiculada originalmente, a menção ao ficcionalismo foi ocultada por acidente.

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Tomás Arthuzzi/Superinteressante

Outras matemáticas

Se existissem extraterrestres com tecnologia avançada, pelo menos tão avançada quanto a nossa, será que eles baseariam sua engenharia e sua computação na matemática, como nós fazemos? Se sim (e é difícil pensar em outra hipótese), essa matemática extraterrestre seria exatamente igual à nossa?

O platonista diz que sim. Se o Universo é como uma Matrix, escrito na linguagem pré-existente dos números, qualquer ET que tentar desvendá-lo chegará às mesmas leis que nós chegamos. Esses ETs sem dúvida fariam suas contas usando símbolos diferentes (talvez até símbolos olfativos ou auditivos, caso seu sentido dominante seja o olfato ou a audição, e não a visão). Mas a estrutura lógica seria rigorosamente a mesma.

Os estudiosos sérios da possibilidade de vida extraterrestre apostam que este é o caso, e disparam para o céu mensagens de rádio codificadas de acordo com conhecimentos matemáticos básicos, como números primos. A esperança é de que, um dia, uma civilização inteligente reconheça nesses sinais padrões que só outro ser inteligente poderia ter gerado.

As propostas de viés platonista vão longe: o romance Contato, escrito pelo astrônomo Carl Sagan, introduz uma tal Lincos (sigla de “língua cósmica”) que teria a concisão lógica necessária para se tornar um método universal de comunicação.

A realidade, porém, é que os nominalistas podem muito bem estar certos: se a matemática foi inventada, então os alienígenas inventaram matemáticas diferentes (boa sorte na tentativa de imaginá-las).

Reza a lenda que o próprio Carl Friedrich Gauss propôs uma técnica, no início do século 19, para se comunicar com marcianos hipotéticos: desenhar um imenso teorema de Pitágoras na planície desolada da Sibéria – e então torcer para que os homúnculos verdes, ao espiar a Terra com o telescópio, vissem tal forma e a identificassem como sinal de inteligência. Gauss só não conseguiu imaginar que, na matemática marciana, talvez a soma dos quadrados dos catetos não seja o quadrado da hipotenusa.

Agradecemos o físico e filósofo Juliano Neves, da UFABC, pela leitura e revisão comentada do texto. Fontes: Apology of a Mathematician, livro de Godfrey Hardy; Is God a Mathematician?, livro de Mario Livio; Biologia Evolutiva, livro de Douglas J. Futuyma; Os Elementos de Euclides, livro de David Berlinski; What is Riemannian Geometry? A description for the nonmathematician, artigo de Christina Sormani; A Teoria Perfeita, livro de Pedro Ferreira; Platonism in the Philosophy of Mathematics, artigo de Øystein Linnebo; Nominalism in the Philosophy of Mathematics, artigo de Otávio Bueno. “Do Numbers Exist?”, vídeo com Jonathan Tallant no canal Numberphile.

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Qual foi a maior descoberta da matemática?

O fato é que a clássica Lei da Relatividade é uma descoberta mais do incrível feita com muita observação e comprovada pela matemática.

Quais os principais avanços que a matemática trouxe para a humanidade?

A teoria dos números avançou, idem para a divisão dos números primos, a eletricidade, o aparecimento de novas ciências (topologia, geometria diferencial e geometria algébrica)...

Como foi a descoberta da matemática?

A Matemática, como a conhecemos hoje, surgiu no Antigo Egito e no Império Babilônico, por volta de 3500 a.C. Porém, na pré-história, os seres humanos já usavam os conceitos de contar e medir. Por isso, a matemática não teve nenhum inventor, mas foi criada a partir da necessidade das pessoas em medir e contar objetos.

Quem descobriu a matemática no mundo?

O filósofo e matemático grego Pitágoras de Samos (aprox. 570 a.C. – aprox. 496 a.C.) é considerado por muitos como o “Pai da Matemática”.

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