Qual a teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro acerca do momento da aceitação?

Inicialmente, é de se consignar que vigora na moderna teoria contratual a obrigatoriedade de os contratantes agirem segundo a boa-fé objetiva, ou seja, atuando conjuntamente para que ambos obtenham o proveito almejado quando da celebração do negócio jurídico.

Sobre referido princípio, assim leciona Caio Mário da Silva Pereira:

“Princípio da boa-fé objetiva: A boa-fé objetiva não cria apenas deveres negativos, como o faz a boa-fé subjetiva. Ela cria também deveres positivos, já que exige que as partes tudo façam para que o contrato seja cumprido conforme previsto e para que ambas obtenham o proveito objetivado. Assim, o dever de simples abstenção de prejudicar, característico da boa-fé subjetiva, se transforma na boa-fé objetiva em dever de cooperar. O agente deve fazer o que estiver a seu alcance para colaborar para que a outra parte obtenha o resultado previsto no contrato, ainda que as partes assim não tenham convencionado, desde que evidentemente para isso não tenha que sacrificar interesses legítimos próprios. ” (Instituições de Direito Civil – Contratos, 11ª ed., Forense: Rio de Janeiro, v. III, 2003, p. 21)

Em decorrência da aplicação da boa-fé objetiva e, ainda, em razão da vedação ao benefício decorrente da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans), aplica-se no ordenamento jurídico brasileiro a teoria da vedação ao comportamento contraditório, do latim nemo potest venire contra factum proprium, com amplamente aceitação na jurisprudência brasileira, conforme se extraí do seguinte julgado:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. FRANQUIA. CONTRATO NÃO ASSINADO PELA FRANQUEADA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. JULGAMENTO: CPC/2015. (…). 7. A exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio (art. 166, IV, do CC/02). Todavia, a alegação de nulidade pode se revelar abusiva por contrariar a boa-fé objetiva na sua função limitadora do exercício de direito subjetivo ou mesmo mitigadora do rigor legis. A proibição à contraditoriedade desleal no exercício de direitos manifesta-se nas figuras da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) e de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). A conservação do negócio jurídico, nessa hipótese, significa dar primazia à confiança provocada na outra parte da relação contratual. (…). (REsp 1881149/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 10/06/2021)

Acrescenta-se que a vedação ao comportamento contraditório não objetiva perquirir sobre a licitude ou não de uma ou mais condutas adotadas pelo agente, pois, caso, se constaste a existência de ato ilícito, a consequência jurídica cabível é a aplicação da pena legalmente prevista para a ilicitude havida.

Assim, referida vedação está diretamente associada à verificação sobre a prática de dois ou mais atos pela mesma pessoa, isoladamente lícitos e validos, mas contrários e a repercussão de tais atos na esfera de direitos e justa expectativa de terceiros.

Sobre o tema, assim é a lição de Nelson Nery Junior:

“Venire contra factum proprium. A locução “venire contra factum proprium” traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente (Menezes Cordeiro, Boa-fé, p. 743). ‘Venire contra factum proprium’ postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo. Esta fórmula provoca, à partida, reações afectivas que devem ser evitadas (Menezes Cordeiro, Boa-fé, p. 745). A proibição de venire contra factum proprium traduz a vocação ética, psicológica e social da regra “pacta sunt servanda” para a juspositividade (Menezes Cordeiro, Boa-fé, p. 751) ”. (Nery Júnior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 236).

Neste contexto, cumpre asseverar que a vedação ora em análise, perpassa pela verificação da existência de: (a) um comportamento, (b) a geração de expectativa em terceiro, (c) a existência de um comportamento contraditório e (d) a existência de um dano ou potencial dano em decorrência do ato contraditório.

Assim, em se analisando a primeira ação ou comportamento, observa-se que dela surgiu uma expectativa em terceira pessoa, sendo referida expectativa frustrada em decorrência de uma atitude diametralmente contrária adotada pelo agente, com potencial lesivo, o que induz a inegável violação à boa-fé objetiva.

Nestes termos, leciona Wagner Mota Alves de Souza:

“Quando aquele que pratica uma ação ignora a repercussão desta sobre a esfera de interesse de terceiros e pratica uma outra ação objetivamente contraditória à primeira, lesando a legítima expectativa por estes criada, provoca repulsa no ordenamento jurídico inspirado pelos princípios da boa fé e da confiança. ” (A Teoria dos Atos Impróprios, Da proibição de venire contra factum proprium, Jus Podivm, Salvador – BA, 2008, p. 144).

Em seus ensinamentos, assim prossegue Wagner Mota Alves de Souza:

O comportamento contraditório exige certo esforço interpretativo para observá-lo como parte integrante e fundamental de uma cadeia de atos sucessivos dotados de relevância jurídica. A tarefa hermenêutica, que se inicia com a análise do fato social, deve orientar-se para a análise global ou integrada do fenômeno fático-jurídico consistente no comportamento lesivo à boa-fé. Isto porque o comportamento contraditório reveste-se de aparente licitude. Ele, prima facie, sugere estrita observância a regras jurídicas, estando em aparente conformidade com o direito positivo. Destacando-se o comportamento contraditório da conduta que precede e esquecendo-se do enlace entre ambos que justifica sua adjetivação, ele seria um ato lícito.

O que faz dele um comportamento contrário ao Direito é sua relação com os atos anteriores que revela uma contradição ao sentido objetivo ou ao projeto de atuação anunciado pela conduta inicial lesiva à boa fé e à confiança depositada por terceiros na seriedade desta agir.

Daí a importância da análise integrada ou global da cadeia fática. Apenas ela será capaz de retirar do comportamento contraditório o véu da licitude. E este desvelar heideggeriano vai-nos permitir identificar a contradição que caracteriza o comportamento subseqüente, para, então, situá-lo definitivamente no campo dos atos ilícitos.

“Se o comportamento analisado for caracterizadamente ilícito, ou seja, contrariar expressamente certa regra jurídica que o disciplina diretamente e que estabelece sanção para seu descumprimento, não haveria necessidade de se invocar a teoria dos atos próprios, pois existe uma resposta jurídica eficaz para a violação perpetrada. A aplicação da referida teoria destina-se aos comportamentos aparentemente lícitos carecedores de regras específicas de regulação proibitivas e que, para isso, dificultam sua identificação como contrários ao Direito. Daí a necessidade de uma construção teórica voltada à concretização da pauta dos princípios da boa fé e confiança, permitindo-se deste modo, a constatação da vulneração destas normas.” (ob. cit. f. 149/150).

Por conseguinte, a vedação ao venire contra factum proprium objetiva a análise de uma cadeia concatenada de atos praticados por um agente, buscando extirpar da relação jurídica aquele ato contrário ao que ensejou justa expectativa em terceiro e, ainda, com potencial lesivo ao interesse havido, conforme se extrai do seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO ‘PRO INDIVISO’ EM IMÓVEL RURAL SALINEIRO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO CELEBRADO COM TERCEIRO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PELA COPROPRIETÁRIA DISSIDENTE. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO DA DESTINAÇÃO DO IMÓVEL. NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADOR PARA O CONDOMÍNIO. NORMA DISPOSITIVA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. DIREITO DE PREFERÊNCIA. EXERCÍCIO EM CONTRADIÇÃO COM ATO ANTERIOR. ‘VENIRE CONTRA FACTUM PRÓPRIUM’. 1. Controvérsia relativa à validade de um contrato de arrendamento de imóvel rural salineiro, celebrado à revelia da coproprietária de um terço (1/3) do imóvel, em condomínio ‘pro indiviso’. 2. Nos termos do art. 1.314 do Código Civil, “nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros”. 3. Caso concreto em que a coproprietária minoritária havia concordado com a destinação do imóvel à exploração da atividade salineira por terceiros, tendo inclusive subscrito “contrato de locação” (‘rectius’: arrendamento) em data anterior. 4. Ausência de alteração da destinação da coisa comum por ocasião do novo contrato de arrendamento, não sendo aplicável, ao caso, a norma do art. 1.314 do Código Civil. 5. Nos termos do art. 1.323, do Código Civil, “deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que não o é”. 6. Caráter dispositivo da previsão normativa de nomeação de administrador, podendo os condôminos optarem por administrar a coisa comum diretamente, segundo a vontade da maioria, como se deu no caso concreto. 7. Interpretação sistemática da regra do art. 1.323, c/c arts. 1.324 e 1.325, § 1º do Código Civil, consoante a doutrina acerca da prevalência da vontade da maioria na administração do condomínio. 8. Exercício contraditório do direito de preferência na exploração do imóvel pela coproprietária dissidente, na medida em que esta havia anuído anteriormente com a exploração do imóvel por terceiros. Aplicação ao caso da teoria dos atos próprios, sintetizada no brocardo latino ‘nemo potest venire contra factum proprium’. 9. Existência de julgado específico desta Turma no sentido da validade do contrato de locação celebrado por coproprietário sem anuência dos demais, resolvendo-se a questão no âmbito possessório, apesar de não ter sido essa a abordagem conferida pelo Tribunal de origem ao caso concreto. 10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO COM MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. (REsp 1755536/RN, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 01/03/2021)

Cumpre destacar, ainda, que a teoria dos atos próprios também é aplicável no âmbito processual, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL. INDENIZAÇÃO. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO. ADSTRIÇÃO AO PEDIDO DE APELAÇÃO. ALEGAÇÃO EXPRESSAMENTE AFASTADA POR OCASIÃO DOS ACLARATÓRIOS NA ORIGEM. PRECLUSÃO LÓGICA. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO PROCESSUAL CONTRADITÓRIO (NON VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM). PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. (…). 3. Por ocasião dos aclaratórios na origem, o ora agravante afirmou que não discutiria a falta de congruência entre o pedido de apelação e o provimento dado pelo acórdão quanto ao termo inicial da indenização. Não pode, agora, pretender reavivar a discussão, porque alcançada pela preclusão lógica, pela vedação ao comportamento processual contraditório (vertente da boa-fé objetiva) e pela falta de prequestionamento. (…). (AgInt nos EDcl no REsp 1804260/RO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2020, DJe 25/09/2020)

Portanto, em que pese a ausência de positivação, a teoria do nemo potest venire contra factum proprium detém aplicação pacífica e frequente no ordenamento jurídico pátrio, como forma de se garantir a boa-fé objetiva e a segurança nas relações jurídicas, coibindo o abuso de direito, em decorrência da prática de atos contraditórios tendentes a frustrar justa expectativa de terceiros.

Eduardo Brandão

Qual é a teoria adotada pelo direito civil brasileiro a respeito da aceitação nos contratos entre ausentes?

Para a formação de contrato entre ausentes, a regra adotada pela legislação em vigor é a da teoria da recepção, segundo a qual se considera celebrado o negócio jurídico no instante em que o proponente recebe a resposta do aceitante.

O que é a teoria da expedição ou transmissão?

A teoria da expedição consiste em que a aceitação acontecerá ao ser expedida, seja por carta, e-mail ou outro modo. A aceitação, portanto, é vinculada ao momento em que ocorre o envio.

O que é a teoria da Agnição?

Teoria da Agnição na subteoria da Expedição: É a regra. Segundo esta teoria, o contrato é formado a partir da expedição da aceitação. Teoria da Agnição na subteoria da Recepção: É a exceção. Segundo esta teoria, o contrato é formado a partir da recepção da aceitação.

O que é a teoria da declaração?

A Teoria da Declaração traz uma interpretação jurídica aos elementos objetivos e so- cialmente reconhecíveis, de modo que o destinatário apreende a expressão concreta da linguagem, reagindo razoavelmente à vontade declarada e fazendo prevalecer o que foi efetivamente externado (SCAFF, 1996).

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