A mesma coisa acontecendo em diferentes lugares

O tempo não flui da mesma forma em diferentes lugares do mundo. O infinito não existe nas pequenas escalas. O espaço não é contínuo. Aliás, espaço e tempo podem até nem existir. Confuso? Em A Realidade Não é o que Parece (Contraponto, 248 págs., €16,60), editado esta semana em Portugal, as leis da Física que vivem nos manuais escolares são desmontadas pelo italiano Carlo Rovelli, o físico teórico que o Sunday Times considerou “o novo Stephen Hawking”, equiparando a sua obra de divulgação à do astrofísico britânico que há 30 anos explicou os buracos negros ou a Teoria das Supercordas, em A Breve História do Tempo.

Pioneiro na investigação da gravidade quântica em loop, o cientista radicado em França procura harmonizar a Teoria da Relatividade geral, que descreve a gravitação e suas aplicações em estruturas de larga escala (estrelas, planetas e galáxias) com a mecânica quântica, que diz respeito às forças em escalas microscópicas – um dos problemas aparentemente insolúveis da Física Teórica.
Rovelli revela a capacidade de Hawking para explicar a complexidade das leis que regulam o mundo, de forma acessível e cativante, por vezes quase poética: “O tempo somos nós. Somos este espaço, clareira aberta pelos vestígios da memória nas ligações dos nossos neurónios. Somos saudade ansiando por um futuro que não chegará.”

Eleito pela Foreign Policy como um dos 100 pensadores mais influentes do mundo, Carlo Rovelli falou à VISÃO anulando o espaço entre Portugal e Canadá via Skype, numa conversa sem o espartilho do tempo, antecipando a conferência que dará na Aula Magna, em Lisboa, no próximo sábado, 16, a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Grande parte da sua obra é sobre o tempo (e sei que o seu é valioso), por isso agradeço a disponibilidade e começo por perguntar: quanto tempo temos para conversar?

O que quiser!

É mesmo generosidade sua ou será porque o tempo não existe, como teoriza, e estamos a iludir-nos quando olhamos para um relógio?

Digo que o tempo não existe nas estruturas fundamentais do mundo, mas isso não significa que o tempo para nós seja uma ilusão. Por exemplo, o Sol não se move no céu, mas isso não significa que um pôr do Sol ou um nascer do Sol seja uma ilusão. É a mesma coisa com o tempo. O fluir do tempo – e a sensação que temos do fluir do tempo – é um fenómeno complicado que depende de muitos fatores, o que digo é que é um erro pensarmos que as coisas são exatamente como julgamos que elas são.

Como explica neste seu quarto livro, o tempo não é igual em todos os locais, porque é influenciado pela gravidade. É correto dizer que 15 minutos no Canadá, onde o senhor está, e 15 minutos em Lisboa, onde eu estou, podem não correr ao mesmo ritmo?

Sim, podem haver diferenças, porque Lisboa está mais baixo, ao nível do mar, e mais perto do centro da Terra do que o local onde me encontro. Os relógios em Lisboa andam um pouco mais devagar… Esta entrevista irá durar um pouco mais para mim do que para si. São diferenças mínimas, impercetíveis na nossa vida diária, mas que com bons instrumentos podem hoje ser medidas.

E essas diferenças têm alguma relação com a perceção do tempo? Por exemplo, diz que esta entrevista vai ser um pouco mais longa para si, mas talvez isso também aconteça porque vai estar entediado a ouvir as minhas perguntas idiotas?

[Risos.] Não, não… isso é um fenómeno completamente diferente, relacionado com o tempo psicológico e com os nossos sentimentos. É irónico, porque todos sabemos que sentimos o tempo de forma diferente. Algumas horas parecem não acabar, outras passam muito depressa. Na escola ensinam-nos que atrás desta variabilidade da perceção há um tempo físico que é único. Há um tempo em comum, o tempo do relógio, que é igual para todos. E isso não é verdade. Falo bastante desta questão num dos meus outros livros, A Ordem do Tempo.

Grande parte da sua investigação baseia-se no espaço-tempo definido por Einstein, mas, 100 anos depois, a Teoria da Relatividade ainda é de difícil compreensão para muitas pessoas. Para si é evidente que o tempo não flui da mesma forma em espaços diferentes, mas terá essa mensagem chegado já a um público mais alargado?

Ainda é algo difícil de entender, é verdade. Einstein explicou-nos que o tempo e o espaço são dinâmicos, que podem ser afetados pela matéria, mas os relógios não são afetados apenas pelo facto de estarem em Portugal ou no Canadá, eles também são coisas quânticas. E as coisas quânticas podem flutuar, andar um pouco atrasadas ou adiantadas, ou colocar-se em estranhas sobreposições, o que começa a tornar as explicações mais complicadas, porque começamos a falar no espaço e no tempo quântico, o que exige conhecimentos de Física, mas também o recurso à intuição, para compreendermos dimensões que existem e que não conseguimos ver.

Temos de ver também que a teoria de Einstein, apesar de ter 100 anos, esteve esquecida durante muito tempo, quase marginalizada. Foi sempre respeitada mas era como se vivesse no seu próprio mundo, desligada de tudo o resto. As coisas mudaram nas últimas duas décadas porque passámos a ter sistemas capazes de medir estes fenómenos e porque houve também uma grande evolução na Astrofísica. Só há pouco tempo conseguimos analisar a gravidade num buraco negro, ou seja, agora estamos a conseguir ver a teoria de Einstein. Além disso, a Teoria Geral da Relatividade passou a ter inúmeras aplicações a nível tecnológico, no nosso dia a dia. Sem ela não teríamos GPS, por exemplo. Isso facilita a compreensão das teorias, mas é preciso dar tempo ao tempo. Precisamos de nos habituar à ideia de que a realidade não é o que parece.

Um pouco como no passado, quando Galileu explicou que a Terra era redonda?

Exato. Então no outro lado do mundo vivia-se de cabeça para baixo? Era difícil perceber o conceito. O mesmo sucedeu quando alguém veio dizer que a Terra gira e anda à volta do Sol. Como assim? Olhamos à volta e é óbvio que não estamos a mexer-nos! Mas depois digerimos a informação e passámos a compreender. A Física Quântica também será um dia entendida por todos.

E esse é o propósito dos seus livros.

Sim, é o que me move. Os livros são um pequeno passo nesse sentido, e a investigação que faço também. Ainda há muitas coisas sobre o tempo que não compreendemos totalmente. Muitos aspetos permanecem misteriosos. Ou seja, descobrimos que o tempo funciona de uma forma diferente daquela que imaginávamos – e isso é claro –, mas descobrimos também que há muitas coisas das quais nada sabemos.

Como por exemplo?

Por exemplo, a diferença entre o futuro e o passado. Parece algo óbvio, mas quando estudamos as leis da Física constatamos que não há diferença entre o ontem e o amanhã. Então porque recordamos o passado e não temos memória do futuro? Gostaria muito de resolver esse mistério. Continuamos a colocar hipóteses… quem sabe, um dia, teremos a resposta.

É essa dose de mistério que abre caminho à transcendência e à popularidade da Física Quântica entre correntes alternativas, que dizem usá-la no tratamento de doenças?

Isso é tudo um disparate. Algumas situações são inofensivas, e cada um pode experimentar ideias e acreditar no que quiser, mas outras são perigosas – até criminosas. A medicina quântica não existe mas há pacientes que acreditam no que lhes dizem e deixam de tomar a medicação que deviam ou não procuram o médico que poderia realmente curá-los… a medicina “oficial” não é perfeita, mas os “tratamentos” quânticos não são alternativa.

Não devemos dar crédito a qualquer terapia associada à Física Quântica?

De forma alguma. É tudo uma farsa. Recebo muitos emails com perguntas sobre isto e costumo dizer que é como ir a um feiticeiro. Fujam!

Olhando para trás, para o que revelaram Demócrito, Galileu, Newton e Einstein, não fica maravilhado com o que eles conseguiram descobrir usando fórmulas matemáticas rudimentares?

Sem dúvida! O mundo deu saltos gigantes graças às descobertas destes cientistas, que foram verdadeiros génios, mas o trabalho de cada um deles deve-se também a um esforço coletivo, à integração do conhecimento de outros, criando novas hipóteses a partir daí. É assim que a ciência evolui e é isso que continuamos a fazer. Não podemos dizer que agora já compreendemos como é o mundo. Não compreendemos, de todo! E se no passado alguns físicos pensavam ter encontrado as respostas que faltavam, hoje podemos dizer que não sabiam nada – tal como nós nada sabemos.

“Só sei que nada sei”, como dizia Sócrates, e lendo os seus livros ficamos com a sensação de que o seu passatempo preferido é fazer desabar as (poucas) certezas que tínhamos… Mas como pode prosseguir o trabalho de Einstein dizendo que tempo e espaço não existem?

A teoria de Einstein é fundamental no avanço da Física, mas dez anos depois surge a Mecânica Quântica, e estes são os dois grandes saltos no conhecimento, durante o séc. XX. O problema é que estas teorias “não falam” uma com a outra, sendo até contraditórias. E parecem funcionar apenas quando assumimos que a outra não existe. A gravitação quântica procura criar uma forma de vermos as duas lado a lado, de forma coerente. Quando estudamos realidades muito pequenas, também as teorias de Newton deixam de ter aplicação (tal como o Teorema de Pitágoras não é válido em curvaturas, como a superfície da Terra). Era um bom esquema, e muito eficaz para compreendermos a Natureza, mas apenas para fenómenos grandes, usando equações que nos diziam como algo evoluía no tempo, em relação a outra. Sabemos agora que não há o espaço que contém o mundo e não há o tempo ao longo do qual se sucedem os acontecimentos. Há processos elementares em que quanta de espaço e matéria interagem entre si continuamente. A ilusão do espaço e do tempo contínuos à nossa volta é a visão desfocada e densa que temos de um pulular de processos elementares.

Como num filme, que vemos de forma contínua, mas que é feito de múltiplos frames.

Exatamente. A realidade de um objeto também não é contínua, é granular. Tal como a água de um plácido lago alpino é a dança veloz de miríades de minúsculas moléculas de água.

Lá está, “a realidade não é o que parece”. Mas a Física Quântica levanta outro véu dos mistérios da vida, provando que há matéria que só ocupa espaço quando interage. Há uma evolução do pensamento cartesiano para algo como “relaciono-me, logo existo?”

Em parte. Por exemplo, os eletrões nem sempre existem. Materializam–se quando colidem com outra coisa. Os “saltos quânticos” de uma órbita para outra constituem a sua forma de existência. Sem interação, o eletrão não está em lado algum. No mundo quântico não faz sentido falar de como as coisas são, mas como acontecem e como têm influência umas sobre as outras.

Quando começou a escrever sobre Física num jornal italiano, há dez anos, imaginava tornar-se um autor célebre em todo o mundo?

Não, nunca! Foi uma grande surpresa, as pessoas gostavam do que eu escrevia e foi assim que surgiu o meu primeiro livro, Sete Breves Lições de Física.

Um livro que destronou 50 Sombras de Grey dos tops de vendas, o que também contraria todas as leis conhecidas! Como é possível fazer investigação tendo sido sugado para este mundo mediático?

É difícil. Agora quero retirar-me um pouco. Mas gosto muito de explicar e divulgar a Ciência, por isso um dia começarei a escrever outro livro.

O que está a estudar agora?

Estou interessado nos “buracos brancos”. Sabemos muito sobre buracos negros e estamos perto de perceber o que acontece quando chegam ao fim. Depois de ter encolhido até ao seu mínimo, engolindo tudo à sua volta, poderá como que inverter-se e iniciar uma expansão. É a isso que chamamos “buracos brancos”, uma espécie de buracos negros do avesso. Se assim for, o que entrou num buraco negro talvez não se tenha perdido para sempre, talvez possa voltar a sair. Consegue imaginar?

O que quer dizer a sincronicidade?

A palavra “sincronicidade” vem do grego “syn”, junto, e “chronos”, tempo. Ela é a designação do fenômeno descoberto pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) para um princípio que deveria explicar a relação significativa não causal de acontecimentos - a “coincidência significativa” de dois ou mais fatos.

O que é sincronicidade na espiritualidade?

É quando o universo está conspirando para dar tudo o que você deseja com rapidez. Aparece quando você está na hora certa e no lugar certo, rumo ao seu destino. É uma espécie de mantra para atrair a prosperidade e a felicidade.

O que significa estar em sincronia com o universo?

E o que é sincronicidade? É um estado de alinhamento no Universo, em que as coisas, situações, pessoas, mostram-se em harmonia. Quando analisada de forma consciente, através de um despertar espiritual, podemos interpretar a sincronicidade como um verdadeiro sinal.

O que é o pensamento quântico?

Mente quântica ou consciência quântica é uma ideia proveniente de diversas hipóteses e teorias científicas, cujos proponentes alegam que a mecânica clássica não pode explicar a natureza da consciência.