A resistência de microrganismos aos antibióticos é uma das maiores ameaças à saúde global atualmente. O aumento no número de bactérias resistentes aos medicamentos, chamadas popularmente de superbactérias, coloca em risco a saúde de humanos e de animais. O problema está associado diretamente ao uso excessivo e incorreto dos antibióticos disponíveis. Show
Resistência de microrganismos aos medicamentos poderá levar à morte de 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050, de acordo com estudo britânicoImagem Ilustrativa Nesta quinta-feira (18), tem início a Semana Mundial do Uso Consciente de Antibióticos (World Antibiotic Awareness Week), realizada anualmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A campanha tem como objetivo conscientizar a população, profissionais de saúde e gestores públicos sobre os impactos de dimensões sociais, econômicas e ambientais causados pela resistência ao medicamento. Há cinco anos, um relatório do governo britânico liderado pelo economista Jim O’Neill apontou um cenário global preocupante para a resistência bacteriana aos antibióticos. Segundo o documento, 700 mil pessoas morrem a cada ano no mundo devido a infecções causadas por bactérias resistentes. Os pesquisadores estimaram que, se não forem feitas mudanças em nível global, a resistência a antibióticos pode levar à morte de 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050, o que representa uma morte a cada 3 segundos. Para traçar um panorama atual da resistência bacteriana, a CNN consultou o economista Jim O’Neill, que revelou uma preocupação com os impactos da Covid-19, apontou a falta de interesse da indústria farmacêutica na produção de novos antibióticos e cobrou ações de governos e autoridades sanitárias no enfrentamento do problema.
O economista contou à CNN como foi receber o convite para liderar um estudo de uma área que não fazia parte da sua formação.
Além disso, segundo O’Neill, a resistência aos antibióticos pode impactar diferentes áreas além da saúde.
O especialista avalia que há uma falta de compromisso por parte de governos e autoridades de saúde no combate à resistência antimicrobiana.
LEIA TAMBÉM: PANDEMIA PODE TER CONTRIBUÍDO PARA MUTAÇÃO DE SUPERBACTÉRIASComo o uso indiscriminado favorece a resistênciaOs antibióticos são medicamentos capazes de matar ou inibir o crescimento de bactérias. A sua eficácia está associada diretamente ao agente causador da infecção. Isso significa que nem todos os antibióticos são adequados para o tratamento de uma mesma infecção. Por isso, esses medicamentos devem ser utilizados apenas no combate a infecções bacterianas e de acordo com a prescrição médica. A resistência aos antibióticos acontece quando determinada bactéria se modifica em resposta ao uso dos medicamentos. Imagine uma pessoa que tenha contraído a sífilis, uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada pela bactéria Treponema pallidum. Após o diagnóstico, o indivíduo é tratado com um antibiótico chamado penicilina benzatina, conhecido como Benzetacil. Vamos supor que 90% das bactérias sejam eliminadas e que 10% sobrevivam. Dentre as sobreviventes, é possível que uma parte tenha desenvolvido mecanismos de resistência à penicilina benzatina. Quando essas mesmas bactérias forem expostas novamente ao medicamento, ele pode não ter a mesma eficácia, tornando mais difícil o combate à infecção.
Segundo a pesquisadora da Fiocruz, o uso indiscriminado desses medicamentos por instituições de saúde, pela população e em práticas agropecuárias tem contribuído para o aumento da resistência.
A falta de sistemas de saneamento eficazes, com o lançamento de esgoto de hospitais e domicílios no ambiente sem o tratamento adequado, também favorece o aumento da resistência. Na natureza, as bactérias entram em contato com outros microrganismos e resíduos de antibióticos, o que gera novos processos de seleção e resistência. A resistência eleva os custos de tratamentos, prolonga a permanência dos pacientes nos hospitais e aumenta os índices de mortalidade. Conforme os antibióticos vão se tornando ineficazes, o número de infecções que se tornam mais difíceis de tratar também tende a aumentar.
A opinião é compartilhada pelo economista Jim O’Neill. “Um dos acontecimentos mais preocupantes desde o nosso estudo é que existe o uso excessivo de colistina para promoção de crescimento em animais, que levou à evidência de resistência em animais e humanos. Esse é um dos últimos e mais importantes antibióticos de amplo espectro para a humanidade”, ressaltou. Ações globais podem reverter a situaçãoO documento produzido por Jim O’Neill destacou um cenário alarmante da resistência bacteriana no mundo, mas também elencou dez pontos de ação que podem nortear as decisões de governos e autoridades sanitárias (veja quadro abaixo). Dez frentes de combate à resistência bacteriana aos antibióticos
Fonte: Tackling Drug-Resistant Infections Globally: Final Report and Recommendantions Cinco anos após a publicação do documento, o economista afirma enxergar dois cenários para 2050, um otimista e outro pessimista.
O especialista estima que, sem a adoção das recomendações do documento, o mundo enfrentará um contexto catastrófico devido à resistência antimicrobiana.
A pesquisadora Ana Paula Assef, da Fiocruz, participa das formulações de documentos nacionais sobre o tema e de um projeto de fortalecimento do Sistema Nacional de Vigilância da Resistência Antimicrobiana. Ela defende o desenvolvimento de políticas públicas que abordem o tema e incentivem mudanças de comportamento da população.
Como parte de um esforço coletivo, as recomendações para a população em geral incluem o uso de antibióticos apenas com prescrição de um profissional de saúde, seguir as orientações médicas quanto aos horários e dosagens recomendadas, não compartilhar ou usar sobras de antibióticos, além de manter hábitos de higiene individual e lavar os alimentos antes do consumo. Iniciativas brasileiras de enfrentamento da resistênciaA reportagem da CNN consultou o Ministério da Saúde, mas não obteve respostas. Também consultou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) sobre o uso indiscriminado de antibióticos na pecuária como estratégia de promoção do crescimento animal. Em nota, o Mapa afirmou que a resistência aos antimicrobianos no âmbito da pecuária é guiada pelas diretrizes de um plano nacional elaborado em 2018. Dessa forma, médicos veterinários, produtores rurais, tutores de animais, profissionais da cadeia de produção e transformação de produtos de origem animal, profissionais da indústria veterinária, entre outros especialistas, atuam de acordo com o documento.
Em 2021, o ministério elaborou e implementou o Programa de Vigilância e Monitoramento da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Agropecuária, coordenado pelos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (AFFAs). O programa tem como objetivo avaliar riscos, tendências e padrões na ocorrência e disseminação da resistência antimicrobiana por meio de alimentos de origem animal produzidos no Brasil. Segundo o ministério, através do programa, serão fornecidos dados essenciais para análises de risco relevantes à saúde animal e humana. Com vigência de 2019 a 2022, o programa monitora as cadeias de avicultura de corte, suinocultura e bovinocultura de corte, tendo como alvo microrganismos como a Salmonella spp. e a Escherichia coli. O monitoramento das fases 1 e 2 da resistência é realizado por meio da avaliação de espécimes bacterianos obtidos de amostras coletadas em programas sanitários do ministério. Ao final desta etapa, será realizada uma avaliação do programa e dos resultados obtidos para definir as atividades e estratégias a serem implementadas nas próximas etapas, a partir do ano de 2023, segundo o Mapa. Controle do uso de antimicrobianos na pecuáriaO Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou, ainda, promover o uso racional de antimicrobianos a partir de medidas legais que incluem o registro e a fiscalização dos produtos de uso veterinário, em relação à fabricação, comércio e administração.
No Brasil, a comercialização dos antimicrobianos de uso veterinário só é autorizada mediante a prescrição veterinária, de acordo com a instrução normativa nº 26/2009 do Mapa. Os produtos destinados à alimentação animal que contêm esses medicamentos também são regulamentados por instrução normativa da pasta. Em relação ao uso indiscriminado, o ministério afirmou que proibiu, de forma progressiva, a partir de 1998, a autorização de diversas classes e substâncias antimicrobianas que tinham finalidade de melhorar o desempenho animal.
O ministério reforça que para além das regulamentações em vigência no país, a conscientização dos médicos veterinários, técnicos, produtores e a sociedade, de forma geral, sobre a obrigatoriedade de prescrição para antimicrobianos de uso veterinário é um dos desafios prioritários para o enfrentamento da resistência no Brasil e no mundo. O que explica a falta de interesse das grandes farmacêuticasA formulação de um novo antibiótico pode levar de 10 a 15 anos. Por mais que sejam formulados novos medicamentos, as bactérias continuam criando mecanismos de resistência, o que faz com que o desenvolvimento dos antibióticos seja visto como um mercado pouco lucrativo.
Para a pesquisadora da Fiocruz, a limitação das drogas disponíveis para o tratamento de infecções bacterianas chama a atenção para o investimento em pesquisa que permita ampliar o estudo de novas formas de eliminação das bactérias.
Pandemia de Covid-19 pode acelerar processo de resistênciaA Covid-19 é uma infecção respiratória causada por um vírus chamado tecnicamente de SARS-CoV-2, ou novo coronavírus. Embora os antibióticos não tenham efeito no combate às infecções virais, o aumento no número de pacientes internados em decorrência da Covid-19 ampliou o uso desses medicamentos em larga escala em todo o mundo. O aumento do uso de antibióticos está associado principalmente ao tratamento de infecções hospitalares, comuns em pacientes que permanecem internados por longos períodos, como pode acontecer em casos graves de Covid-19. O economista Jim O’Neill afirma que, por um lado, a pandemia deixou duas lições: a lavagem de mãos é uma estratégia simples e eficaz para conter a disseminação de doenças e que as vacinas são especialmente úteis, em termos da resistência, por reduzir a necessidade dos antibióticos e prevenir a doença. Por outro, ele reforça que o uso incorreto dos antibióticos na pandemia contribuiu para o agravamento do contexto da resistência. “A pandemia piora esse cenário uma vez que em muitas partes do mundo os antibióticos têm sido utilizados para lidar com os problemas da Covid-19, para enfrentar desafios para os quais não foram feitos, aumentando a resistência”, disse. A pesquisadora da Fiocruz, Ana Paula Assef, aponta a necessidade de ampliar o controle das infecções, agilizar a identificação da bactéria e do mecanismo de resistência. Dessa forma, é possível acelerar ações de isolamento do paciente e contenção do espalhamento do microrganismo.
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