Como o prefeito de São Paulo descobriu o câncer?

O tipo de câncer que matou o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, neste domingo, aos 41 anos, não é comum em sua idade.  Em dados epidemiológicos do tipo específico de câncer – na transição entre estômago e esôfago (cárdia) – o caso de Covas está “fora da curva”, pois a doença é mais comum entre os 65 e 74 anos, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO). Por sua vez, a doença apresenta uma prevalência crescente na população mais jovem por conta de fatores de risco crescente na população brasileira, como refluxo e obesidade.

O tumor de Covas surgiu na cárdia, espécie de válvula entre o estômago e esôfago e, no diagnóstico, havia foco no fígado e linfonodos. Esta região, a cárdia, é responsável pelo controle do fluxo normal dos alimentos no sentido do esôfago para o estômago.

Segundo o cirurgião oncológico Alexandre Ferreira Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO),a sobrevida média de pacientes com esse diagnóstico é de 8 a 18 meses. “É possível pensar em cura para este tipo de câncer quando o diagnóstico é feito em fase inicial. Quando ele já está em fase metastática, não se pode falar em cura, mas em sobrevida”, afirma Oliveira.

Assim como Bruno Covas, que foi apresentou recentemente focos de metástase nos ossos e fígado, uma parcela considerável de pacientes oncológicos se vê em situação semelhante. Após a doença regredir de forma parcial ou por completo, evolui novamente. A volta da doença, chamada de recidiva, é mais comum nos cinco anos após o início do tratamento, principalmente nos casos de prognóstico mais desfavorável.

Oliveira explica que a piora acelerada do prefeito coincide com o espalhamento da doença para regiões importantes do corpo. “Quando a doença chega aos ossos é pelo fato dela já estar na corrente sanguínea, causando um comprometimento sistêmico. Essa evolução é muito rápida porque as células tumorais começam a se disseminação descontrolada das células ocorre com grande rapidez”, explica.

De acordo com o cirurgião oncológico, o tratamento do câncer de estômago depende, portanto, do estágio da doença. Nos casos em que não há metástase, a indicação é a cirurgia para a remoção do tumor. Na doença metastática, a opção é o controle da doença com quimioterapia, radioterapia e imunoterapia.

Além do aumento  em todo o mundo associado à alta incidência refluxo e obesidade, há também forte associação deste câncer com o tabagismo.

Cuidados Paliativos

Na sexta-feira, o boletim médico assinado pela equipe médica responsável pelo tratamento do prefeito, dizia que o quadro era irreversível. Ele passou então a receber medicamentos analgésicos e sedativos para que se sentisse confortável e sem dor.  Diante da piora no quadro geral de saúde, os médicos optaram por interromper os protocolos de tratamento. Tal estratégia está em linha com o que é chamado de cuidado paliativo, cujo objetivo principal é evitar o sofrimento desnecessário e cuidar também dos aspectos psicológicos, sociais e espirituais que envolvem a trajetória de quem sofre de doenças graves.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),os cuidados paliativos aplicam-se já ao início do curso da doença, em conjunto com outros tratamentos destinados a aumentar a sobrevida, como quimioterapia ou radioterapia, e incluem aqueles exames necessários à melhor compreensão e controle das complicações clínicas angustiantes. As transições na linha de cuidado são um processo contínuo e sua dinâmica difere para cada paciente”, diz Sarah Ananda Gomes, Líder da Especialidade Cuidados Paliativos do Grupo Oncoclínicas.

São considerados quatro pilares do cuidado paliativo, segundo Sarah. Controle de sintomas: evitar desconfortos físicos, emocionais, espirituais e sociais estão entre os pontos centrais quando se trata de cuidados paliativos. Lidar com a dor em seus diferentes aspectos e prevenir desconfortos possíveis são prioridade. A chave está em assegurar o máximo de qualidade de vida.

Fonte:Joven Pan – Saúde e Perspectiva

Bruno Covas na UTI: o que se sabe sobre o câncer contra o qual prefeito de São Paulo luta

  • André Biernath
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

3 maio 2021

Como o prefeito de São Paulo descobriu o câncer?

Crédito, Governo do Estado de São Paulo

Legenda da foto,

Bruno Covas teve o tumor na junção entre o esôfago e o estômago diagnosticado em outubro de 2019

No último domingo (02/05), o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), anunciou que se licenciaria temporariamente do cargo para dedicar-se ao tratamento de um câncer.

Nas redes sociais, Covas publicou uma carta explicando os motivos e agradecendo o apoio e o carinho que vem recebendo:

"Nesse momento, com toda a força e foco que preciso colocar na minha saúde, fica incompatível o exercício responsável de minhas funções como Prefeito de São Paulo. Por isso, vou solicitar à Câmara de Vereadores uma licença do cargo pelo período de 30 dias para me dedicar integralmente à minha recuperação."

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O caso é tratado pela equipe de médicos do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, que divulgou um boletim com as últimas informações sobre o estado de saúde do prefeito.

Segundo o texto, Covas passou por exames de sangue, de imagem e por uma endoscopia nas últimas horas.

Os resultados mostraram a presença de um sangramento na região entre o esôfago e o estômago, local onde o tumor surgiu.

O prefeito precisou ser encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital e foi entubado para receber "as medidas adequadas de suporte clínico".

A origem do problema

O diagnóstico da doença foi feito em outubro de 2019, quando os médicos concluíram que Covas tinha um adenocarcinoma na região de transição entre o esôfago e o estômago.

"O nome adenocarcinoma significa que o tumor vem de glândulas que estão localizadas nos pulmões, nos intestinos, no estômago, no pâncreas…", explica a oncologista clínica Maria Ignez Braghiroli, coordenadora do Comitê de Tumores Gastrointestinais da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.

O diagnóstico depende de exames de laboratório, da endoscopia e da biópsia, que envolve retirar um pedacinho da região afetada para uma análise feita por patologistas.

Crédito, Divulgação

Legenda da foto,

Hospital Sírio-Libanês divulgou um boletim sobre o estado de saúde de Covas na tarde desta segunda-feira (03/05)

O tumor de Covas, infelizmente, já estava num estágio de metástase, que acontece quando as células cancerosas saem do local de origem e se instalam em outras partes do corpo.

No caso do prefeito, a enfermidade havia se espalhado para o fígado e o sistema linfático, uma rede de vasos importantíssima para o funcionamento do sistema imunológico.

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), tumores no sistema digestivo estão entre os mais frequentes na população brasileira: todos os anos, mais de 11 mil pessoas são diagnosticadas no país com câncer de esôfago e 8,7 mil delas morrem em decorrência deste problema.

Já no câncer de estômago, são 21 mil casos e 15 mil mortes por ano.

Segundo a oncologista Renata D'Alpino, coordenadora do Grupo de Tumores Gastrointestinais e Neuroendócrinos da Oncoclínicas, não há muitos fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento deste problema na região entre o esôfago e o estômago, como aconteceu com Covas.

"De forma geral, o principal fator de risco é o refluxo gastroesofágico, que costuma acometer com mais frequência pacientes obesos e sedentários", explica a médica.

O refluxo gastroesofágico é marcado pelo "retorno" de parte da comida e de ácido do estômago para o esôfago, o que provoca irritações e lesões na camada interna deste órgão.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil observam, inclusive, um aumento no número de casos de tumores gástricos nos últimos anos e suspeitam que isso tenha algo a ver com mudanças no estilo de vida.

Vale ressaltar, no entanto, que essas são informações genéricas e não se sabe se o prefeito sofria de refluxo ou se o câncer que ele desenvolveu tem realmente algo a ver com isso.

Tentativas de controle

Após o diagnóstico, Covas foi submetido a sessões de quimioterapia, uma das alternativas terapêuticas mais utilizadas na oncologia.

"Em resumo, esses remédios danificam o DNA de células que se replicam mais rápido no corpo. O objetivo é destruir justamente as células do tumor", conta D'Alpino.

Geralmente, os médicos utilizam dois ou até três tipos de remédios dessa classe farmacológica para ampliar o efeito e diminuir o tamanho das lesões.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

O câncer de Covas se desenvolveu na junção entre esôfago e estômago, no sistema digestivo. No detalhe à direita, é possível observar onde os dois órgãos (esôfago na parte superior e estômago na porção inferior) se unem

E foi justamente isso que aconteceu com o prefeito paulista: após quatro meses de tratamento, houve uma diminuição considerável da doença em seu local de origem (na fronteira entre esôfago e estômago) e na metástase que acometia o fígado.

O quadro, porém, permaneceu inalterado e preocupante no sistema linfático.

Foi aí que os especialistas decidiram apelar para um outro tipo de tratamento: a imunoterapia.

Com pouco mais de dez anos de existência, esses remédios revolucionaram a oncologia e conseguiram ampliar consideravelmente a expectativa de vida de muitos pacientes.

Ao contrário das demais ferramentas, os imunoterápicos estimulam as próprias células de defesa do organismo a atacar o tumor.

"Não são todos os tipos de câncer que respondem bem à imunoterapia e sempre precisamos fazer uma série de análises para saber se o paciente vai ter algum benefício com essa opção", pondera D'Alpino.

Pelo que se sabe, Covas tinha as condições de receber esses fármacos: tanto que, em abril de 2020, as lesões no organismo dele pareciam estar bem controladas.

O prefeito conseguiu permanecer no cargo, apesar de todas as exigências e demandas da pandemia de covid-19.

Entre outubro e novembro de 2020, ele até participou ativamente da campanha eleitoral e venceu a disputa para permanecer à frente da capital paulista em mais um mandato.

Passos para trás

Em fevereiro de 2021, porém, o quadro teve uma recaída: Covas precisou passar por uma nova rodada de quimioterapia para combater um nódulo que havia sido detectado em seu fígado.

Segundo D'Alpino, esse tipo de evolução é esperada quando o diagnóstico da doença ocorre num estágio mais avançado.

"No câncer metastático, é difícil pensar em cura. Por um tempo, o tratamento pode até controlar. Mas chega um momento em que as próprias células cancerosas se tornam resistentes e não são mais afetadas pelos remédios", descreve.

Crédito, Divulgação/Hospital Sírio-Libanês

Legenda da foto,

Covas está internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo

No último mês de abril, o quadro regrediu mais um pouco: novos focos do tumor foram encontrados no fígado e nos ossos.

A situação fez os especialistas modificarem o esquema terapêutico: se antes eles usaram primeiro a quimioterapia e só depois a imuno, agora vão utilizar as duas opções juntas, ao mesmo tempo.

"Essa é uma tentativa que tem se mostrado promissora nos estudos e busca trazer uma melhor resposta e um controle da doença", interpreta Braghiroli.

Foram justamente essas sessões de tratamento que levaram o prefeito a pedir o afastamento temporário do cargo para dedicar-se à recuperação durante este mês de maio.

Porém, o agravamento do quadro nos primeiros dias de maio, com o aparecimento de sangramento e necessidade de internação em UTI e intubação, inviabilizou por ora a realização das terapias medicamentosas contra o câncer.

"O tumor na região do estômago é como se fosse uma ferida aberta. Se ela estiver descontrolada, isso leva a sangramentos", contextualiza Braghiroli.

Embora tenha permanecido intubado apenas até terça-feira (4/05), Covas precisará de cuidado intensivo pelos próximos dias para que consiga se recuperar e, assim, possa continuar o tratamento contra os tumores.

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Por que Bruno Covas foi sedado?

O prefeito segue internado. O quadro é considerado irreversível, segundo a equipe médica, e ele está sedado. Bruno Covas trata um tumor na cárdia, região de transição entre o esôfago e o estômago, desde 2019.

Onde é o câncer de Bruno Covas?

Covas está internado desde domingo (2). Na ocasião, anunciou que se licenciaria do cargo por 30 dias para se dedicar ao tratamento. Ele luta contra um câncer no aparelho digestivo desde 2019, quando recebeu o diagnóstico de adenocarcinoma entre esôfago e estômago, com lesões no fígado e nos linfonodos.

Como as pessoas descobrem o câncer?

Um dos primeiros registros de câncer existentes é um papiro egípcio do século 7 a.C. O documento, traduzido em 1930, contém os ensinamentos do grande médico Imhotep: são relatos de enfermidades que assolavam a população, entre as quais “massas salientes no peito (...) que se espalham”.

O que causa o câncer na cárdia?

Obesidade. Ser obeso é uma possível causa de câncer de cárdia (parte superior do estômago, próxima ao esôfago), mas essa ligação ainda não está clara. Cirurgia prévia do estômago.