Música de chitãozinho e xororó

"Você lembra o tom dela, Xororó?". Da pergunta de Chitãozinho até o primeiro acorde no violão para começar a cantar foram apenas alguns segundos. Parecia até que costumam apresentar a canção frequentemente. Só parecia. O refrão entoado ali pela dupla considerada a mais importante e influente da história da música sertaneja era de "Tocando a Boiada". A composição rara, tocada em público poucas vezes pelos irmãos, é de Mário Lima, pai deles, e foi gravada pelos artistas ainda crianças, no álbum de estreia, em 1970.

Apesar de não ter tido a oportunidade de ver os filhos virarem referência da cultura brasileira, seu Marinho cumpriu com louvor a missão de apresentar a música a eles, que, além de ainda estarem com a canção do pai na ponta da língua, sempre o reverenciam como o grande responsável pela criação do "fenômeno Chitãozinho e Xororó". A dupla recebeu o g1 para uma entrevista exclusiva em Campinas (SP), onde moram há 41 anos, e o conteúdo foi dividido em partes para a série "Nascidos para cantar", sobre os 50 anos de carreira dos cantores.

Durante a conversa, Chitãozinho e Xororó revisitaram as cinco décadas de história, desde o início na infância até a consagração nacional. Além de relembrar trechos de canções, como a rara "Tocando a Boiada", os artistas ainda reforçaram a principal característica em meio século, que proporcionou a construção de um legado considerado por todas as gerações que vieram a seguir como o maior do segmento: o olhar sempre voltado à inovação e à renovação do público.

"Se você analisar bem, nós sempre procuramos modernizar a nossa carreira e a nossa música. A gente é conhecido também por isso. A cada dez ou 15 anos a gente sempre procurava gravar alguma coisa diferente para chocar, para sair da mesmice", revelou Chitãozinho.

"A gente entendeu também que a gente precisava falar com essa garotada da internet", completou Xororó.

Durante a semana, o g1 publicou as reportagens especiais da série, divididas por dia desde segunda-feira (23) até este sábado (28). No vídeo produzido acima, você pode conferir alguns momentos inéditos da entrevista e, abaixo, também com cortes em vídeo, toda a conversa com a dupla, em perguntas e respostas.

LEIA MAIS:

Chitãozinho e Xororó em entrevista ao g1 — Foto: Reprodução/g1

g1: Não tem outro jeito da gente começar essa entrevista que não seja voltar lá no Paraná. O pai e a mãe de vocês eram muito ligados à música, mas eu queria saber: como a música entra na vida de vocês? Em que momento vocês dois perceberam que seguiriam cantando juntos?

Chitãozinho: Através dos nossos pais, especialmente do nosso pai, que foi um cantor, na época solteiro, morando em São Paulo, depois mudou para o Paraná, arrumou um parceiro lá e continuou cantando. Não era a profissão dele, ele era motorista, ele sustentava a gente dirigindo caminhão. Mas ele sempre teve uma dupla e nos finais de semana estava se apresentando em algum lugar. Aí, quando ele se casou, e eu nasci primeiro, depois na sequência veio o Xororó, ele já estava cantando em casa com a nossa mãe. Ele ensinou a nossa mãe a fazer a primeira voz e nós crescemos ouvindo nossos pais.

Xororó: Foi assim que a música entrou. Porque a forma que a gente tinha de ouvir música era com nossos pais cantando, porque a gente não tinha rádio, não tinha nada. Na serraria que a gente morou, onde a gente começou a cantar, tinha um rádio, que era só no escritório da serraria, que a gente ia às vezes lá para ouvir os programas aqui de São Paulo. Estamos em Campinas, mas aqui perto de São Paulo, das músicas sertanejas da época, né? Tipo Tonico e Tinoco, Zico e Zeca, Liu e Léo, Jacó e Jacozinho, Tião Carreiro e Pardinho. Mas aprendemos mesmo foi ouvindo nossos pais.

g1: Os pais de vocês cantavam juntos, então? Ela na primeira voz e ele na segunda?

Xororó: A nossa mãe também cantava já antes de se casar com ele. Quando ele conheceu ela, ela cantava com a irmã dele, a irmã do nosso pai, a nossa tia Laurice, elas formaram uma dupla. E aí a nossa tia que apresentou a nossa mãe para o nosso pai. Falava 'você precisa conhecer, ela é muito bonita, canta muito bem'. E aí nasceu o relacionamento dos dois, se casaram, e logo veio o Chitão e eu.

Chitãozinho: Fizeram um dueto por muitos anos. Dueto e filhos.

Marinho Lima, pai de Chitãozinho e Xororó — Foto: Reprodução/EPTV

g1: A gente sabe que o marco da carreira de vocês é aquele disco com vocês dois bem novinhos, que já trás o 'Galopeira'..

Chitãozinho: Aquele disco tem uma música do nosso pai. Ela se chama 'Tocando a Boiada', foi a única música dele que nós gravamos. Foi uma homenagem para ele no primeiro disco.

Xororó: Essa foi uma das que a gente ouvia lá em casa. Eles cantando, foi uma das primeiras que a gente aprendeu.

Chitãozinho: Você lembra o tom dela, Xororó? [cantam trecho de "Tocando a Boiada"].

Xororó: Ele fez essa música, antes de ser caminhoneiro, ele foi boiadeiro, trabalhou com fazenda, mexeu com gado também. E essa é uma das memórias dele.

Chitãozinho: Mas ele tinha um dom de fazer canções. A gente só lembra dessa porque a gente só gravou essa. Tinha outras, mas a gente não se lembra mais. Porque aconteceu a história do caderno.

Xororó: Quando a gente gravou o primeiro disco, a nossa vontade já era fazer uma música sertaneja mais pop, e as músicas que ele escrevia eram mais sertanejas, eram mais raiz. Essa foi uma das que na época o nosso produtor, Geraldo Meirelles [quem batizou a dupla de Chitãozinho e Xororó], que foi o homem de rádio e televisão que lançou a gente, achou que essa caberia dentro do repertório que ele pensava em lançar.

Música de chitãozinho e xororó

Chitãozinho e Xororó contam a história do caderno rasgado que originou a dupla; assista

g1: Conta a história do caderno...

Chitãozinho: O nosso pai viaja transportando madeira a semana inteira. Aí na sexta ele voltava para a casa e pegava um caderno e escrevia todos aqueles rascunhos que ele fazia durante a semana, no pouso, na barraca onde eles dormiam. Aí ele procurou esse caderno de anotações, que tinha umas músicas que ele queria ensaiar, lembrar, melhorar a música. Aí aconteceu que a nossa irmã tinha rasgado o caderno. Ele ficou muito bravo, queria bater nela. Naquela época a gente entrava no chinelo, do pai e da mãe. Aí a nossa mãe ficou nervosa, entrou no meio, deu um clima pesado. Um de nós, não lembro se eu ou o Xororó falou "não, pai, é essa música que o senhor quer? A gente sabe cantar". Aí ele: "ué, sabe como?". "Vamos cantar".

Xororó: Aí nós falamos: a gente sabe cantar todas as músicas do caderninho do senhor. Como assim? Então canta aí. Aí nós cantamos uma delas e uma delas era a "Tocando a Boiada".

Chitãozinho: Ele falou assim: nossa, como vocês sabem fazer dueto? Aí eu falo assim: eu imito o senhor e o Durval imita a mãe, por causa do timbre da voz, né? Ele falou: então canta aí. Aí pronto. Depois ele passou a usar nós como gravadores dele. Dois gravadores ali. Os dois era um gravador só. Ele falava assim: a música tal, vamos ensaiar. Aí ensaiava. Aí começou a vir vizinho assistir. O patrão da serraria gostava muito. Ele começou a exibir a gente. Ele levava a gente para cantar na igreja, na quermece, no clube, onde tinha gente ele queria mostrar nós dois. Era o marketing que ele fazia.

Música de chitãozinho e xororó

Chitãozinho e Xororó relembram participação em programa de calouros que deixou pai bravo

g1: Antes do primeiro disco, ainda como Irmãos Lima, vocês participaram de um concurso de calouros no Sílvio Santos e venceram. Como foi esse momento para vocês?

Chitãozinho: Vencemos uma vez e ficamos em segundo outra.

Xororó: Aí nosso pai ficou bravo e não levou nunca mais. Falou: vocês não vai mais cantar. Mas sabe porque? Ele tinha uma certa razão. Porque o cara que ganhou em primeiro já era quase profissional, o cara já tinha disco gravado. Aí ele falou: como é que pode botar os meninos tão pequenos para disputar com adulto. Aí ele achou desleal. Ficou bravo e não queria nem assistir mais o programa do Sílvio Santos.

g1: Uma das músicas que vocês cantaram nesse concurso foi 'Besta Ruana', do Tonico e Tinoco, conseguem lembrar um trechinho dela?

Chitãozinho: Uma não, foi a única. A outra que a gente foi para a final eu não lembro porque a gente perdeu aí eu não fiz questão de lembrar. A que a gente venceu foi ela. [cantam trecho de "Besta Ruana"]

Xororó em entrevista ao g1 — Foto: Reprodução/g1

Xororó: Essa música é uma tragédia danada na letra. Ele conta que ele foi atravessar uma represa, um atalho, no Rio Pardo, e ela enroscou, sei lá, a pata, e a mula, que é a besta, quebrou as duas pernas. E aí, como que faz quando se quebra as pernas de um animal? Sacrifica.

Chitãozinho: Eu não lembro dessa história não. Eu só cantava...

Xororó: Tem uma coisa engraçada, ele fala que ele puxou a garrucha [arma] e deu dez tiros, puxou dez vezes o gatilho. A garrucha tem no máximo dois. Ele queria matar a mula mesmo, ficou com raiva.

Chitãozinho: Antigamente a música sertaneja tinha muita tragédia né? Eu gosto muito de uma que a gente gravou com a participação do Fagner, "Cabocla Tereza", é um filme.

Xororó: Essa música eu me lembro que todos os doutores, na época, os médicos, adoravam essa música. A gente era criança, foi um baita clássico. Agora você não peça porque não vou lembrar de jeito nenhum. [cantam trecho de "Cabocla Tereza]

Chitãozinho: Essa também é bem comprida, tipo "No Rancho Fundo", é uma história.

Música de chitãozinho e xororó

Xororó conta quem foi a inspiração para conservar voz ao longo de 50 anos de carreira

g1: Xororó, você sempre foi aclamado pela qualidade vocal. Em que momento você percebeu que era de fato diferente e como você fez durante todos esses anos para manter a voz no mesmo nível?

Xororó: Isso eu preciso explicar então. Eu vivia, como todo jovem, nos meus 20 e poucos anos. Depois do show a gente saia para tomar alguma coisa, comer alguma coisa e depois a gente ia para a farra, e assim eu levava a vida. Show, depois a curtição, dormia pouco. E a voz, como na época a gente já fazia muito shows, circos, de final de semana tinha três ou quatro shows. Ia no primeiro mais ou menos, o segundo já tava mais cansado. E assim ia. E por causa da falta de dormir, a voz estava sempre rouca. Aí um dia chegamos em São José do Rio Preto, a gente ficava num hotelzinho de rodoviária. A gente deixou os violões, as roupas e a gente ia sair. A gente se encontrava ali vários artistas nesse lugar.

g1: Esse Xororó sério não foi sempre que existiu então?

Xororó: Não, não tinha não. É aquela história: passarinho que acompanha morcego amanhece de ponta cabeça. Eu tinha alguns morcegos que eu acompanhava na época, tipo Chitão, tipo Roberto e Mineirinho, Moracy, Dalvan, e assim era. Ai falaram para a gente: olha, o Tonico e Tinoco estão ali no bar da rodoviária tomando leite. Acabaram de chegar, acabaram de entrar lá no bar, aí nós fomos lá pra conversar com eles e convidar para tomar essa canja que a gente ia tomar, e encontrar com outros amigos que já tava marcado. Aí o Tinoco falou: 'Não, rapaz. Nós estamos aqui tomando esse leite quente porque agora a gente vai dormir, porque amanhã tem que acordar cedo. Ai eu falei: mas vocês nunca saem pra comer nada, tomar nada depois do show? Aí ele falou, não, Xororó, a nossa voz é a nossa enxada. E a voz precisa de descanso, tem que dormir para ter a voz boa no outro dia. E ele já estávamos com 50 anos de carreira. Eu falei: meu deus, que exemplo.

Chitãozinho: E nós seguimos o conselho dele, Xororó seguiu, e hoje nós estamos fazendo 50.

Xororó: Pois é, aí eu falei: vou pro hotel, fui pro hotel e nunca mais saí. Eles estavam com 50 anos de carreira e cantando super afinados e sem perder o tom. Se eu quero ser assim eu tenho que parar com a bagunça. E foi esse o exemplo de vida que eu sigo até hoje.

Música de chitãozinho e xororó

Chitãozinho e Xororó contam história por trás do sucesso 'Fio de Cabelo'

g1: Como foi o processo de produção musical para escolher grandes hits da carreira de vocês, como "Fio de Cabelo" e "60 dias", por exemplo?

Chitãozinho: A gente deve muito a ajuda de escolher o que gravar a um produtor musical que se chama José Homero Bettio, foi o primeiro cara que entendeu o que a gente queria e trouxe pra nós, o instrumental que a gente queria e da forma que a gente procurava. Aí o segundo, você falou de dois discos, "60 dias apaixonado" e "Fio de Cabelo". O compositor Darcy Rossi, quando a gente conheceu o Darcy, a gente estava gravando um disco depois do "Doce Amada", uma música que se chama "Querida", aí a gente começou a montar o repertório para o disco "60 dias apaixonado". Ali tem sete ou oito músicas do Darcy, começou ali. Durante alguns anos, a gente permaneceu gravando músicas do Darcy. E nisso veio Fio de Cabelo, que foi outra música que ele mandou.

Xororó: Eu acho que "Fio de Cabelo" foi feita aqui em Campinas, porque o Darcy já morava aqui. Eu me casei em 81, a gente gravou ela em 82, então a gente já morava aqui. O Darcy fez Fio de Cabelo em Campinas. E ele morava aqui também, ele morava no Taquaral. A gente estava mudando pra cá, a gente mudou pra cá em 1981, por aí, foi antes de Fio de Cabelo.

Música de chitãozinho e xororó

Chitãozinho e Xororó recordam sucessos que escaparam da dupla

g1: Existe alguma música de vocês que quase escapou do repertório e, por outro lado, alguma música de outro artista que quase foi de vocês?

Xororó: Eu achei depois uma fita cassete, que na época a gente recebia as fitas cassete e nós ouvíamos todas. Aí um dia eu estava mexendo num escritório que eu tinha aqui perto do Guarani, já fazendo Sandy e Junior, já produzindo eles, e encontrei uma fita cassete com uma música que era um baita de um hit. Eu não lembro se a gente chegou a ouvir antes. Eu acho que não, porque acho que essa não escaparia, a música "Temporal de Amor", que foi um grande sucesso de Leandro e Leonardo. Então, essa aí, se ela escapou foi por falta de ouvir, mas acho que ela não escaparia não porque era muito a nossa cara também.

Chitãozinho: Uma música que a gente queria, ele não autorizou na primeira conversa foi "É o Amor", do Zezé. O Zezé vinha muito jogar bola aqui na minha chácara aqui em Jaguariúna e foi exatamente na época que ele estava trazendo o Luciano para formar a dupla. E a gente cantava muito lá, eu, Xororó, Zezé, o Zezé tocava sanfona. Aí eles cantaram "É o Amor". E o Zezé estava sempre mostrando música para a gente gravar. Aí eu falei: Zezé, de todas que você cantou, eu gostei mais dessa aqui. Aí ele: Qual? É o Amor. Ele falou assim: "essa é a única que eu não posso dar". Aí ele gravou e virou esse sucesso todo.

Xororó: Teve uma música que a gente recebeu, ouviu, adorou, mas a gente havia gravado "Fogão de Lenha", um pouco antes. A música estava fazendo muito sucesso e a gente achou que não deveria gravar. O Joel Marques era muito amigo nosso, compunha muito para a gente, e ele trouxe "No Dia que sai de casa, minha mãe me disse: filho, vem cá" (cantarola).

Música de chitãozinho e xororó

Chitãozinho e Xororó contam história da música 'Nuvens de lágrimas'; veja vídeo

Chitãozinho: Verdade, a gente adorou, mas a gente já tinha cantado uma música parecida, porque você não sabe se a música vai ser sucesso. O tema era muito parecido com a Fogão de Lenha. É o mesmo tipo de história. Lembrei de outra música, quando nós conhecemos o compositor Paulo Debétio. Ele foi compositor e produtor nosso acho que de um ou dois discos. Ele veio do Rio e assistiu um show nosso no Olímpia. Ele viu a multidão cantando "Fio de Cabelo", aquilo deu uma inspiração e ele falou: eu vou fazer uma música na levada do "Fio de Cabelo". E ele tem um parceiro lá no Rio, que é maravilhoso, chama Paulinho Resende, que é maravilhoso, o cara é um gênio, é um poeta maravilhoso. Aí eles começaram a fazer, trouxeram para nós. Música linda e tal, mesma história, mas nós já gravamos "Fio de Cabelo", para nós não ia somar muito gravar essa. A gente não queria gravar a música, queria dar um tempo. Aí nisso um produtor levou pra Fafá de Belém, aí ela ligou para a gente cantar com ela. É "Nuvem de Lágrimas". Então a gente gravou primeiro no disco da Fafá, depois que a gente gravou no nosso.

Xororó: Mas essa a gente não perdeu porque talvez se a gente tivesse gravado só nós primeiro ela não teria acontecido tanto como aconteceu com a Fafá. [cantam trecho de "Nuvem de Lágrimas"]

Música de chitãozinho e xororó

Chitãozinho e Xororó explicam corte de cabelo que fez sucesso na década de 1980

g1: Não tenho como fugir de alguns clichês da carreira de vocês, como por exemplo o cabelo. Aquele penteado dos mullets. Como aquilo surgiu? Foi pensado para ser uma marca de vocês ou foi por acaso?

Chitãozinho: A gente estava no auge do sucesso com "Fio de Cabelo". O nosso irmão Tiãozinho foi para o Rio de Janeiro e voltou com aquele corte. A gente só era cabeludo.

Xororó: Nos 60 dias [60 dias apaixonado, álbum lançado em 1979], meu cabelo era longo. Era cabelo de roqueiro mesmo, porém não tinha o corte. Dali que, quando o Tião chegou do Rio com esse corte de cabelo, eu falei: nossa, Tião, estava querendo cortar meu cabelo justamente igual você cortou. Aí fui na cabeleireira, de bairro, que a gente morava ainda lá no Jardim do Lago, falei para ela, ela entendeu o corte e fez o meu. A gente estava com um programa de televisão na época no SBT com o Sílvio Santos.

Chitãozinho: A gente tinha uma audiência muito grande, aí o público começou a copiar o nosso cabelo, via a gente na televisão e as roupas que a gente usava. Virou moda. Roupas de franja. Então, nós tivemos uma grife durante muitos anos e o nosso corte de cabelo virou referência: corta igual o Chitãozinho e Xororó. Todo mundo pedia.

Xororó: A gente começou a ir muito para os Estados Unidos e essas roupas a gente trazia de lá. Calça rasgada, é uma mistura do que a gente curtia da música country, do rock, influências de coisas lá de fora.

Chitãozinho: A gente sempre assistiu muito as bandas de rock também. Eu sempre gostei do rock, daquela energia, e eu gostava muito também do estilo de cabelo e de roupa. Esses dinossauros todos que você conhece a gente já assistia, ouvia e gostava.

Chitãozinho em entrevista ao g1 — Foto: Reprodução/g1

g1: Vocês têm alguns 'divisores de águas'. Tem o começo difícil, do circo, tem o estouro de 'Fio de Cabelo', mas eu queria falar de um divisor mais recente. Em 2010, surge uma nova geração do sertanejo, que naquela época ficou conhecida como sertanejo universitário. O público também se renovou e talvez tenha demorado a olhar um pouco para vocês. Aí, em 2010, vocês gravam um DVD com a nova geração e explodem também com esse público jovem, que faz Evidências virar o que virou. Como foi assumir o risco de falar para um público que não olhava para vocês na época?

Chitãozinho: Se você analisar bem, nós sempre procuramos modernizar a nossa carreira e a nossa música. A gente é conhecido também por isso. A cada dez ou 15 anos a gente sempre procurava gravar alguma coisa diferente para chocar, para sair da mesmice. E em 2010 a gente estava comemorando 40 anos de carreira. Era um disco comemorativo. Foi a oportunidade que nós tivemos de chamar essa nova geração, porque a gente se encontrava muito na estrada por aí e todos eles agradeciam a gente por ter aberto a estrada e nós viramos amigos.

Xororó: Outro motivo também, Chitão: a gente começou a perceber que eles cantavam muito nosso repertório nos shows porque eles estavam começando a fazer sucesso e não tinha ainda um show inteiro para cantar um repertório de sucesso, então regravavam um monte de coisa nossa. Quem não estava bem informado achava que aquela música era sucesso daquele artista, então a gente falou: espera aí, é a hora da gente mostrar da onde vem, onde é essa fonte aí.

Chitãozinho: Mas o que a gente acertou muito foi que alguns anos depois desses discos comemorativos a gente chamou o Fernando, do Fernando e Sorocaba, para produzir um álbum nosso que acabou sendo gravado ao vivo no Woods Bar, em São Paulo, e acabou virando um DVD. Porque a gente colocou várias câmeras só para gravar para internet e ali a gente modernizou mais ainda os arranjos das nossas músicas antigas. Elas se renovaram mais através dos arranjos que o Fernando colocou para nós.

Xororó: Foi ali também que a gente entendeu que a gente precisava falar com essa garotada da internet e a gente não tinha conteúdo novo. Então, qual foi a ideia? Gravar aquele show para a gente gerar conteúdos para a internet. Aí nós colocamos acho que oito câmeras, gopro, as coisas que usavam na época para gente ter esse registro pra internet. Mas aí foi tão emocionante o show, a gente sentiu aquela energia, aquela garotada cantando, era um público muito bonito, muito jovem. Era o público deles, não era o nosso. Aí a gente achou demais aquela energia e falamos: espera aí, não dá para lançar só um material para internet, vamos lançar um DVD com esse material aqui, aí nós fomos ouvir e vimos que estava legal mesmo.

Chitãozinho: Você pode ver que nesse projeto não tem "Fio de Cabelo", não tem no Rancho Fundo, alguns clássicos não estão ali. Era só mais a música pop. E nisso entrou "Evidências" que a gente cantou no final e a nossa voz nem aparecia direito de tanto que o povo cantava. "Evidências" já estava vindo bem nos karaokês, aí a gente se abaixou no final para agradecer e começamos a fazer a capela, e o povo continuou cantando. Foi tão emocionante que está no nosso show até hoje nesse mesmo formato.

Música de chitãozinho e xororó

Chitãozinho e Xororó revelam o que gostam de fazer e ouvir no tempo livre

g1: Vamos agora falar de tudo, menos de Chitãozinho e Xororó? O que vocês têm feito fora a música, no lazer de vocês? Chitão continua pescando?

Chitãozinho: Sim, nessa pandemia mais ainda. Porque a gente só fez aí algumas lives. Ficamos fora do palco por dois anos e está sendo muito gostoso e emocionante com o show de 50 anos, a gente está muito feliz. É um show longo e a gente não vê o tempo passar. De tanto prazer que a gente tem de estar no palco novamente e reencontrar os nossos fãs. Mas eu hoje fico em casa vendo série. Vejo todas, os Vikings eu assisti todos. Eu gosto muito de sair com os amigos, a gente não podia sair, aí quando eu tinha condição eu ia para a fazenda. E vou até hoje. A pescaria no Araguaia para mim é uma coisa que eu adoro fazer. É um rio maravilhoso. Eu acabei virando embaixador do Rio Araguaia de tanto que eu gosto de frequentar lá. Então, eu tenho muitos amigos que têm casas, ranchos e pousadas lá na beira do Rio Araguaia, então ultimamente tem sido meu lugar preferido para o meu lazer. E o gado, né? Eu tenho um plantelzinho lá que eu cuido com maior carinho, então eu adoro ficar lá uns dias vivendo esse mundo rural, que me conforta e me dá energia para seguir na carreira de música.

g1: Xororó está focado nos netos, consertando brinquedo...

Xororó: Eu continuo consertando brinquedo. Virei o vô Gepeto. Fiz músicas, muitas músicas nessa pandemia, a gente acabou fazendo alguns projetos e um deles, sem pretensão nenhuma, a gente conseguiu ganhar nosso quinto Grammy Latino. Foi feito desta forma bem remota. Cada um na sua casa, eu gravando meus instrumentos. Voz, depois o Chitão gravando a voz dele.

Chitãozinho: O disco se chama "Tempo de Romance" porque é o tempo que a gente estava em casa.

Xororó: O tempo de namorar mesmo, de ver filme, televisão, de brincar na marcenaria, fui para a fazenda também algumas vezes, acho que duas vezes, mas fiquei muito em casa. A gente ficou muito assustado com essa pandemia. E as poucas lives que a gente fez a gente acabou criando um formato também, usando a tecnologia hoje, a gente fez uma banda digital. Cada músico gravou da sua casa, num fundo verde o seu instrumento tocando em cima do arranjo, e a gente montou numa fita a banda inteira virtualmente. E os dois com um acrílico no meio, separando, e os músicos recebendo em casa. Quando a gente foi convidado pelo Boninho para fazer um Big Brother, aí veio a ideia de fazer esse material só nós dois, mas a banda gravando de casa.

g1: E playlist? O que toca na playlist de vocês? O que vocês vieram ouvindo pra cá?

Chitãozinho: Então, quando eu estou na estrada eu coloco no música e no Shuffle, fica no aleatório, então tudo o que eu tenho ali na minha biblioteca vai tocado aleatoriamente. Então eu tenho samba, rock, bastante sertanejo, pop e muito country.

Xororó: Olha o que eu tenho ouvido ultimamente, não sei se você conhece [mostra o celular aberto no aplicativo de música com a banda Shaed]. É bem pop esse grupo . Eu ouço John Mayer muito, eu ouço Ben Harpper muito. Esse grupo aí é super pop mesmo. Meu filho apresentou, eu tenho ouvido bastante. Fazendo exercício eu ouço muito eles. Eu procuro diversificar porque acaba tendo influências, eu estou compondo agora coisas mais pop, então eu estou ouvindo essas coisas para poder entender mais esse universo.

g1: Estava tocando uma Paula Fernandes ali também...

Xororó: Você sabe o que é isso aqui? Eu estava ouvindo hoje para relembrar algumas coisas e acabou caindo na lista, mas o Chitão ouve bem mais sertanejo que eu. Eu estou há um certo tempo mais para o lado do pop porque para trazer as influências para o nosso universo a gente tem que ouvir. Ouço muito Beatles também, assisti agora o documentário, que conta a história real deles, eles no estúdio criando tudo aquilo que a gente conhece, eu fiquei enlouquecido, era difícil desligar, já era madrugada, eu e a minha mulher ali assistindo. Assisti também os Bee Gees, achei maravilhoso, a gente teve o privilégio de cantar com eles.

Música de chitãozinho e xororó

Chitãozinho e Xororó pretendem continuar em Campinas: 'essa cidade nos recebeu'

g1: Vocês moram em Campinas desde 1981, gostam da cidade, já fizeram muita coisa aqui. Mas dá para aproveitar a cidade? A gente sabe que é difícil sair sem passar despercebido. O que vocês gostam de fazer aqui?

Chitãozinho: Eu vou muito para restaurante. Eu saio muito mais que ele, sempre saio para jantar, para almoçar com meus amigos, gente que está passando por aqui e me telefona. Eu gosto muito de sair. Agora, principalmente que a gente está tendo essa liberdade, eu não perco essa chance. Mas eu conheço bastante a cidade, eu faço o que eu quero, quando eu preciso ir no shopping buscar alguma coisa ou comprar alguma coisa eu vou, sem problema nenhum. Só que eu ando rápido, faço o que eu tenho que fazer, tiro as fotos que as pessoas pedem e já vou para o meu canto. Mas eu gosto muito da cidade. Eu acho que Campinas oferece uma qualidade de vida maravilhosa. Estrategicamente é muito importante, porque nós estamos perto do aeroporto. E é muito fácil morar aqui e fazer outras coisas em outras cidades.

Xororó: Eu também, eu não saio tanto quanto o Chitão, mas são os mesmos programas. Restaurante, às vezes comprar algumas coisas de marcenaria, vou muito no cinema. Eu vou sempre, eu adoro cinema. Mas aquele esquema, a gente tem um lugar mais especial para entrar, já conhece todo mundo. Porque também atrapalha. Não é que a gente pede para fazer, mas acaba atrapalhando as pessoas na fila. Então a gente faz um esquema diferente. Mas eu vou muito com a minha família no cinema. Comprar umas madeiras, parafusos essas coisas de marcenaria. Quando eu preciso, tem umas coisas especificas, às vezes eu não sei o que eu preciso, aí você vai lá e olhando você tem ideias. Compro ferramentas. Agora com a internet ficou mais fácil.

Chitãozinho: A gente gosta muito de Campinas, porque essa cidade nos recebeu há muitos anos. Eu não esqueço o primeiro show que nós fizemos aqui, para uma plateia grande, foi no Ginásio do Guarani. A gente ainda trazia o palco, a EPTV [afiliada da TV Globo] fez uma matéria com a gente naquele show e todos os shows que a gente faz aqui em Campinas sempre têm um grande público e o povo nos recebeu também de braços abertos. Somos cidadãos campineiros com muito orgulho. Adoramos essa cidade, nossos filhos nasceram aqui e a gente vai continuar aqui.

Chitãozinho & Xororó na capa do primeiro álbum, de 1970 — Foto: Reprodução / Capa de disco

VÍDEOS: saiba tudo sobre Campinas e Região