Quilombos e o direito à terra Show
2008 . Ano 5 . Edição 44 - 08/06/2008 Bárbara Oliveira Souza A questão quilombola esteve presente, do ponto de vista legal, tanto no regime colonial como no imperial.No período republicano, a partir de 1889, o termo "quilombo" desaparece da base legal brasileira e reaparece na Constituição Federal (CF) de 1988 (artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) como categoria de acesso a direitos, numa perspectiva de sobrevivência, dando aos quilombos o caráter de "remanescentes". Transcorrem assim 100 anos entre a abolição e o reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas.A Constituição de 1988 opera uma inversão de valores em comparação com a legislação colonial, uma vez que a categoria legal por meio da qual se classificava quilombo como um crime passou a ser considerada como categoria de autodefinição, voltada para reparar danos e acessar direitos. A partir do artigo 68 da CF e das legislações correlatas [artigos 215 e 216 da CF; Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); Decreto 4.887,de 2003; e Decreto 6.040,de 2007] a conceituação das comunidades quilombolas supera a identificação desses grupos sociais por meio de características morfológicas.Tais grupos, portanto, não podem ser identificados pela permanência no tempo de seus signos culturais ou por resquícios que venham a comprovar sua ligação com formas anteriores de existência. Argumentações teóricas que caminhem nesse sentido implicam numa tentativa de fixação e enrijecimento da caracterização desses grupos. Conceber as comunidades quilombolas a partir dessa perspectiva tem levantado ponderações sobre as manipulações que podem ser empreendidas pelos próprios sujeitos sociais pertencentes a essa identidade étnica.Isto é base, inclusive,para a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo Partido Democratas (DEM) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Decreto 4.887, que regulamenta a titulação de terras de quilombos e se constitui na perspectiva da autodeclaração da comunidade. Os interesses contrários aos direitos quilombolas contestam, principalmente, o direito aos territórios das comunidades que, uma vez tituladas, se tornam inalienáveis e coletivas.As terras das comunidades quilombolas cumprem sua função social precípua, dado que sua organização se baseia no uso dos recursos territoriais para a manutenção social, cultural e física do grupo, fora da dimensão comercial. São territórios que contrariam interesses imobiliários, de instituições financeiras, grandes empresas, latifundiários e especuladores de terras. Os conflitos fundiários hoje existentes em comunidades quilombolas envolvem, na maior parte das vezes, esses atores. O novo marco jurídico da Constituição de 1988 é determinante também para o estabelecimento e a organização do movimento quilombola, em nível nacional, que, a partir da construção de sua identidade étnica, reivindica o seu direito à terra. São poucas as comunidades que alcançaram esse direito.Das 3.554 comunidades quilombolas identificadas pelo governo federal (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 2006), pouco mais de 100 possuem o título, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). As dificuldades existentes para efetivar a titulação das terras das comunidades quilombolas refletem a frágil capacidade administrativa da máquina estatal. Todavia, há disputas que superam as limitações administrativas e orçamentárias. São obstáculos explícitos ou não que ajudam a reter o reconhecimento de direitos étnicos pela propriedade definitiva das terras das comunidades quilombolas.Atualmente, a principal luta dos quilombolas se volta para a implementação de seus direitos territoriais. A noção de terra coletiva coloca em crise o modelo de sociedade baseado na propriedade privada como única forma de acesso à terra, instituído desde a Lei das Terras, de 1850. Os novos marcos jurídicos sinalizam para a necessidade de reestruturação, pelo Estado, da lógica agrária a partir do reconhecimento de seu caráter pluriétnico. Bárbara Oliveira Souza é pesquisadora associada especializada na questão quilombola da Universidade de Brasília (UNB) Foi apenas na Constituição de 1988 que se assegurou às comunidades quilombolas o direito à propriedade de suas terras. Porém, até hoje, apenas 9% das comunidades quilombolas vivem em áreas tituladas. Comissão Pró-Índio Após 30 anos da Constituição Federal reconhecer, pela primeira vez, a existência e os direitos dos quilombolas contemporâneos, o título de propriedade continua a ser uma realidade distante de grande parte das mais de 3.000 comunidades existentes hoje no Brasil. Somente 265 delas possuem ao menos parte de sua terra regularizada.
O cenário atual não permite otimismo quanto ao avanço das titulações. São 1.696 processos tramitando no Incra, 44% deles abertos há mais de 10 anos. A maior parte dos processos (85%) não conta sequer com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, fase inicial que identifica os limites do território quilombola a ser titulado. Direitos Quilombolas na Constituição A Constituição Brasileira de 1988, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), consagra às comunidades de quilombolas o direito à propriedade de suas terras. Diz textualmente o artigo 68: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. A proposta foi trazida aos debates da Assembleia Constituinte por entidades do movimento negro responsáveis também pela inclusão de dispositivo semelhante em algumas constituições estaduais, como as do Pará, Maranhão e Bahia. A proposta foi formalizada pelo, então, Deputado Carlos Alberto Caó (PDT-RJ) e apresentada sob a rubrica de Emenda Popular em 20 de agosto de 1987. Enquanto os direitos dos índios à posse de suas terras foram garantidos em todas as Constituições brasileiras desde a de 1934, foi apenas na Constituição de 1988 que os quilombolas tiveram direitos reconhecidos. A inclusão deste preceito constitucional repara uma injustiça histórica cometida pela sociedade escravocrata brasileira contra o povo negro. Uma reparação que se concretiza através do reconhecimento dos direitos das comunidades de descendentes dos antigos escravos possibilitando-lhes, finalmente, o acesso à propriedade de suas terras. As comunidades quilombolas tiveram também garantido o direito à manutenção de sua cultura própria através dos artigos 215 e 216 da Constituição. O primeiro dispositivo determina que o Estado proteja as manifestações culturais afro-brasileiras. Já o artigo 216 considera patrimônio cultural brasileiro, a ser promovido e protegido pelo Poder Público, os bens de natureza material e imaterial (nos quais incluem-se as formas de expressão, bem como os modos de criar, fazer e viver) dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, entre os quais estão, sem dúvida, as comunidades negras. O lento caminho das titulações A primeira titulação de uma terra quilombola deu-se somente sete anos após a promulgação da Constituição, em novembro de 1995, quando o Incra regularizou as terras da Comunidade Boa Vista, em Oriximiná, Pará. A lentidão na condução os processos e o número reduzido de titulações marcam todos os governos desde então. Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2002) Luís Inácio Lula da Silva (2003 – 2010) Dilma Rousseff (2011 – maio 2016) Michel Temer
(maio 2016 – setembro 2018) As 39 terras tituladas por órgãos do governo federal (Incra, Fundação Cultural Palmares e Secretaria do Patrimônio da União) representam apenas 18% (186.405,9648 hectares) da dimensão total regularizada para comunidades quilombolas no País. O restante das titulações (139 terras somando 825.718,6468 hectares) foi assegurado por governos estaduais que também conduzem procedimentos para a titulação de terras quilombolas seguindo legislações próprias. Observe-se três terras quilombolas foram tituladas uma parte pelo governo federal e outra pelo governo estadual. Os governos do Pará e do Maranhão foram os que mais titularam terras quilombolas no país: 55 e 54 terras, respectivamente. Além destes, os estados da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Piauí concederam títulos a comunidades quilombolas. O andamento dos processos permanece lento e não há indicativo que o cenário de baixa efetividade na garantia dos direitos territoriais das comunidades quilombolas possa ser revertido a médio prazo. Pelo contrário, os sucessivos cortes no orçamento do Incra tendem a agravar a situação. Enquanto em 2010 o orçamento para a regularização de terras quilombolas somava 64 milhões para o ano de 2018 a previsão é de apenas R$ 2.345.239,00. Enquanto as titulações não acontecem, os quilombolas ficam mais vulneráveis a uma série de ameaças à sua existência, ao seu modo de vida e seus territórios. Refletindo um cenário nacional, a violência contra os quilombolas vem crescendo. Pesquisa divulgada recentemente indica que o número de assassinatos de quilombolas no Brasil saltou de 4 para 18 de 2016 a 2017 (CONAQ e Terras de Direitos, 2018). Fontes: Andrade, L M. M. de & Trecanni, Girolamo. “Terras de Quilombo” In: Raimundo Laranjeira (org.) Direito Agrário Brasileiro, LTr, São Paulo, 2000. Comissão Pró-Índio de São Paulo Observatório Terras Quilombolas Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas e Terra de Direitos, Racismo e violência contra quilombos no Brasil, Curitiba: Terra de Direitos, 2018. Cunha, Manuela Carneiro da. Os Direitos dos Índios, ensaios e documentos, Brasiliense/Comissão Pró-Índio de São Paulo, São Paulo, 1987. – Foto: Lúcia Andrade O que a Constituição brasileira de 1988 concedeu aos quilombolas?A Constituição Brasileira de 1988, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), consagra às comunidades de quilombolas o direito à propriedade de suas terras.
Quais são os direitos dos quilombolas conforme a Constituição Federativa do Brasil?Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos".
Quais são os direitos das comunidades quilombolas no Brasil?BRASIL. Decreto nº 4.887 de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Porque a Constituição garantiu as comunidades quilombolas a posse das terras que ocupavam Brainly?68 do ADCT garantiu às comunidades quilombolas o direito às terras por eles ocupadas mais àquelas necessárias ao desenvolvimento físico e cultural do grupo étnico-racial.
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