Poema sobre morte Carlos Drummond de Andrade

A Cyro Novaes

Há pouco leite no país
É preciso entregá-lo cedo
Há muita sede no país
É preciso entregá-lo cedo
Há no país uma legenda
Que ladrão se mata com tiro
Então o moço que é leiteiro
De madrugada com sua lata
Sai correndo e distribuindo
Leite bom para gente ruim
Sua lata, suas garrafas
E seus sapatos de borracha
Vão dizendo aos homens no sono
Que alguém acordou cedinho
E veio do último subúrbio
Trazer o leite mais frio
E mais alvo da melhor vaca
Para todos criarem força
Na luta brava da cidade

Na mão a garrafa branca
Não tem tempo de dizer
As coisas que lhe atribuo
Nem o moço leiteiro ignaro
Morador na Rua Namur
Empregado no entreposto
Com 21 anos de idade
Sabe lá o que seja impulso
De humana compreensão
E já que tem pressa, o corpo
Vai deixando à beira das casas
Uma apenas mercadoria

E como a porta dos fundos
Também escondesse gente
Que aspira ao pouco de leite
Disponível em nosso tempo
Avancemos por esse beco
Peguemos o corredor
Depositemos o litro
Sem fazer barulho, é claro
Que barulho nada resolve

Meu leiteiro tão sutil
De passo maneiro e leve
Antes desliza que marcha
É certo que algum rumor
Sempre se faz: Passo errado
Vaso de flor no caminho
Cão latindo por princípio
Ou um gato quizilento
E há sempre um senhor que acorda
Resmunga e torna a dormir

Mas este acordou em pânico
(Ladrões infestam o bairro)
Não quis saber de mais nada
O revólver da gaveta
Saltou para sua mão
Ladrão? Se pega com tiro
Os tiros na madrugada
Liquidaram meu leiteiro
Se era noivo, se era virgem
Se era alegre, se era bom
Não sei
É tarde para saber

Mas o homem perdeu o sono
De todo, e foge pra rua
Meu Deus, matei um inocente
Bala que mata gatuno
Também serve pra furtar
A vida de nosso irmão
Quem quiser que chame médico
Polícia não bota a mão
Neste filho de meu pai
Está salva a propriedade
A noite geral prossegue
A manhã custa a chegar
Mas o leiteiro
Estatelado, ao relento
Perdeu a pressa que tinha

Da garrafa estilhaçada
No ladrilho já sereno
Escorre uma coisa espessa
Que é leite, sangue... Não sei
Por entre objetos confusos
Mal redimidos da noite
Duas cores se procuram
Suavemente se tocam
Amorosamente se enlaçam
Formando um terceiro tom
A que chamamos aurora

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

 se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

 lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

 a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

 Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

 pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

 toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

 Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

 e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

 convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

 assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

 a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de

 teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

 olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

 essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

 se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

 As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

 distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

 e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

 no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

 e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;

 e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

 tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

 Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

 a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

 como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

 que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

 passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

 em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

 baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

 A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

 se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mão pensas.

Como encarar a morte Carlos Drummond de Andrade?

Promete riquezas, prêmios, mas eis que falta curiosidade, e todo ferrão de desejo. de resina e lótus e sons.

Qual é o poema mais bonito do mundo?

Foi difícil, mas conseguimos reunir alguns dos poemas mais lindos e marcantes da literatura nacional..
Soneto da Fidelidade (Vinicius de Moraes) ... .
Via Láctea (Olavo Bilac) ... .
Canção do Exílio (Gonçalves Dias) ... .
José (Carlos Drummond de Andrade) ... .
Amor (Álvares de Azevedo) ... .
Timidez (Cecília Meireles).

Qual a frase mais famosa de Carlos Drummond de Andrade?

Frases de amor de Carlos Drummond de Andrade “Não importa a distância que nos separa, se há um céu que nos une.” “Se você sabe explicar o que sente, não ama, pois o amor foge de todas as explicações possíveis.” “O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.

Quais são os poemas mais famosos de Carlos Drummond de Andrade?

Entre suas principais obras, destacam-se: “Brejo das Almas” (1934), “Os Ombros Suportam o Mundo” (1935), “Elegia” (1938), “Sentimento do Mundo” (1940), “José” (1942), “A Rosa do Povo” (1945), “Claro Enigma” (1951), “Fazendeiro do Ar” (1954), “Lição de Coisas” (1962), “Boitempo” (1968), “Discurso de Primavera e Algumas ...