No começo de maio o relator da CPI da Funai e do Incra Nilson Leitão apresentou um relatório pedindo o indiciamento de mais de 100 pessoas por supostas fraudes em processos de demarcação, além de acusar lideranças do movimento indígena de serem “falsos índios”. O teor do relatório já era esperado por conta de ser uma CPI dominada pela bancada ruralista? Qual deve ser o impacto desse relatório?O resultado da CPI de forma alguma surpreendeu porque a gente sabia que independente do que acontecesse eles já estavam com o resultado pronto, que seria a condenação dos estudos feitos pela Funai no sentido tanto de inviabilizar novas demarcações como tentar rever terras já demarcadas alegando que houve estudos inadequados. Eles já vinham dizendo tudo isso. Agora o indiciamento das pessoas foi o que causou certa surpresa. O que eles querem com isso? Só reforça mais ainda esse interesse dos ruralistas de querer desqualificar nossa luta, desqualificar a Funai, para poder fragilizar tudo isso. É claro, a gente considerou esse resultado todo muito abusivo e muito induzido para chegar no ponto que atendesse ao interesse da bancada ruralista. Das pessoas que eles pedem que sejam indiciadas 36 são indígenas. Eles não têm prova nenhuma. Quando você vai atrás, vê que todas as acusações são contra pessoas que lutam em defesa dos territórios. Show E há um discurso preconceituoso muito forte. O próprio Nilson Leitão fala que a Funai e o Cimi ficam inventando índio. ‘Como é que pode existir índio de olhos azuis, louro?’, eles dizem. Estão com esse discurso preconceituoso de achar que índio hoje é igual ao que era em 1500. E não consideram tudo o que foi de estupro, de abuso, da violência do passado para poder ter a miscigenação que teve. Não se olha indígena e diz que é pela cara, pelo cabelo, pela cor, mas pela própria identidade, sua origem, sua autoafirmação. Há alguns anos que movimentos e organizações indigenistas vêm denunciando a escalada da violência contra os povos indígenas no país, mas após o ataque contra os índios Gamela no Maranhão no final de abril essa violência parece ter atingido um novo patamar. Essa leitura é correta?Infelizmente a violência é uma rotina que acontece no Brasil todo. Esse ataque foi no Maranhão, mas em Mato Grosso do Sul isso é uma rotina, o tempo todo. E agora teve chacina no Mato Grosso, teve agora outra morte no Pará, de pessoas que são lideranças ligadas à luta pelos territórios, que no caso não são indígenas, mas que são pessoas que lutam pela terra. Esses ataques contra todas as pessoas que lutam pelo território estão aumentando muito. Eles fazem isso porque se sentem respaldados pela política atual que esse governo está expressando, que é de reduzir terras, de mudar leis para alterar o processo de demarcação. As vítimas felizmente estão se recuperando bem, parece que não tem mais nenhum em estado grave, mas claro a tensão fica, a memória fica marcada para a vida toda com esse ataque brutal. E estão todos muito apreensivos com medo de novos ataques, apesar da repercussão que teve e tudo, mas fica uma situação de insegurança. Os últimos dados apresentados pelo Cimi relativos ao ano de 2015 apontam uma explosão da violência contra os povos indígenas, com 54 assassinatos naquele ano. A que vocês atribuem essa escalada da violência?Um dos motivos é essa questão da insegurança jurídica dos territórios, porque com essas medidas tramitando no Congresso Nacional, muitos invasores das terras indígenas estão se sentindo muito empoderados, muito respaldados, na certeza de que essas medidas vão ser aprovadas. Então eles já partem para cima com muita agressividade na certeza de que os ruralistas que estão no Congresso Nacional vão garantir que essas leis sejam aprovadas. Confiando nisso, eles matam, expulsam, queimam sem nenhum pudor. Essas medidas tramitando causam muita insegurança e conflitos no campo. O próprio Nilson Leitão o tempo todo fica querendo mostrar que a gente é dominado por organizações que nos manipulam. Então, de alguma forma, eles querem enfraquecer as entidades de apoio e, com isso, estão enfraquecendo diretamente os indígenas. O ministro da Justiça, também ruralista, Osmar Serraglio, relator da PEC 215 [que transfere para o Congresso a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas], está ali com o objetivo óbvio de inviabilizar toda e qualquer demarcação de terra, qualquer procedimento que seja. E também tem adotado esse discurso muito retrógrado e ofensivo, que ‘terra não enche barriga de ninguém’, ‘tem que integrar os indígenas’. Esse conjunto de discursos de pessoas públicas tem excitado muito a sociedade a ter comportamento violento contra os povos indígenas. A certeza da impunidade tem aumentado muito a violência. |