Por que para Descartes não há dúvidas em relação ao conhecimento da própria existência?

Certamente você já ouviu a célebre expressão "Penso, logo existo", não ouviu? A origem dessa expressão está na obra do filósofo francês René Descartes (1596-1650). Por essa expressão, no entanto, é difícil avaliar a revolução iniciada por Descartes na história da filosofia. René Descartes foi o maior expoente do chamado racionalismo clássico - movimento que deu ao mundo filósofos tão brilhantes como Francis Bacon, Blaise Pascal, Thomas Hobbes, Baruch Spinoza, John Locke e Isaac Newton.

O século 17 assistiu a grandes inovações no campo da ciência e do pensamento. Marcado pelo absolutismo monárquico (concentração de todos os poderes nas mãos do rei) e pela Contra-Reforma (reafirmação da doutrina católica em oposição ao crescimento do protestantismo), essa época viu nascer o método experimental e a possibilidade de explicação mecânica e matemática do universo, que deu origem a todas as ciências modernas.

Discurso do Método

O "Discurso do Método" foi a obra em que Descartes lançou as bases do pensamento que viria modificar toda a história da filosofia. Alguns anos depois suas ideias foram retomadas nas "Meditações". O filósofo estava disposto a encontrar uma base sólida para servir de alicerce a todo conhecimento. Na época, a filosofia não se distinguia das outras ciências e o livro deveria ser uma introdução para três escritos científicos, voltados para a meteorologia, a geometria, e o estudo do corpo humano.

Ao buscar um alicerce novo para a filosofia, Descartes rompeu com a tradição aristotélica e com o pensamento escolástico, que dominou a filosofia no período medieval. A separação entre sujeito e objeto do conhecimento tornou-se fundamental para toda a filosofia moderna.

No "Discurso do método", publicado em 1637, Descartes elaborou uma espécie de autobiografia intelectual, em que conta em primeira pessoa os fatos e as reflexões que o fizeram buscar um princípio seguro para edificar as ciências. Descreve também os passos que o levaram à fundação de seu método - o percurso que vai da dúvida sistemática à certeza da existência de um sujeito pensante.

Dúvida metódica

Para fundamentar o conhecimento, o filósofo deve rejeitar como falso tudo aquilo que possa ser posto em dúvida. A dúvida é, portanto, um momento necessário para a descoberta da substância pensante, da realidade do sujeito que pensa. Através da dúvida metódica, o filósofo chega à descoberta de sua própria existência enquanto substância pensante. A palavra cogito (penso) deriva da expressão latina cogito ergo sum (penso logo existo) e remete à auto-evidência do sujeito pensante . O cogito é a certeza que o sujeito pensante tem da sua existência enquanto tal.

No fragmento abaixo, podemos observar como o filósofo explica o percurso que o levou à descoberta do cogito (a certeza que o sujeito pensante tem de sua própria existência) - base todo seu pensamento filosófico.

“A partir do momento em que desejava dedicar-me exclusivamente à pesquisa da verdade, pensei que deveria rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menor dúvida, com a intenção de verificar se, depois disso, não restaria algo em minha educação que fosse inteiramente indubitável.
Desse modo, considerando que nossos sentidos às vezes nos enganam, quis supor que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar. Por haver homens que se enganam ao raciocinar, mesmo no que se refere às mais simples noções de geometria (...), rejeitei como falsas, julgando que estava sujeito a me enganar como qualquer outro, todas as razões que eu tomara até então por demonstrações. (...)
Logo em seguida, porém, percebi que, enquanto eu queria pensar assim que tudo era falso, convinha necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. Ao notar que esta verdade penso, logo existo, era tão sólida e tão correta (...), julguei que podia acatá-la sem escrúpulo como o primeiro princípio da filosofia que eu procurava.”

René Descartes, “Discurso do Método”

Veja também

  • Biografia de René Descartes
  • René Descartes: Descartes e o gênio maligno
  • Descartes cria a geometria analítica
  • Descartes: Como o grego chegou ao plano cartesiano

René Descartes

ORIGEM

Próximo a Tours (França) (1596-1650)

CORRENTE FILOSÓFICA

Racionalismo

PRINCIPAIS OBRAS

O Discurso do Método; Geometria e Meditações; Meditações sobre Filosofia Primeira; Princípios da Filosofia; O Homem

FRASE-SÍNTESE

“Penso, logo existo.”


BIOGRAFIA

Nascido em La Haye, na França, em 31 de março de 1596, René Descartes é considerado um dos pais da filosofia moderna. Tendo estudado com os jesuítas na infância, graduou-se em direito em 1616, pela Universidade de Poitiers. Depois de uma breve passagem pela vida militar, diz a tradição que, após um sonho que teve numa viagem à Alemanha, passou a dedicar-se ao estudo de matemática e filosofia. Conhecido em sua época, suas obras foram, por uns, louvadas; por outros, condenadas como heréticas. Depois de sua morte, em 1650, na Suécia, onde trabalhava para a rainha Cristina, seus livros foram proibidos pela Igreja Católica.

“Mas imediatamente que eu observava isso, que os pensamentos de sonho se confundem com a realidade, ainda assim eu desejava pensar que tudo era falso, era absolutamente necessário que eu, quem pensa, seja algo; e enquanto eu observava que isso é verdadeiro, eu penso, logo existo, era tão certo e tão evidente que eu aceitei este como primeiro princípio de filosofia, que eu estava refletindo.”

A FILOSOFIA DE DESCARTES

Por que para Descartes não há dúvidas em relação ao conhecimento da própria existência?
René Descartes Reprodução/Reprodução

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René Descartes é responsável pelo desenvolvimento do racionalismo cartesiano, segundo o qual o homem não pode alcançar a verdade pura através de seus sentidos: as verdades residem nas abstrações e em nossa consciência, na qual habitam as ideias inatas. Diante do forte ceticismo na época do Renascimento, muitas pessoas acreditavam que os métodos científicos eram falhos, incompletos e sujeitos ao erro, de forma que seria impossível para o homem conhecer o mundo real e fazer ciência de maneira verdadeira. A missão de Descartes era justamente legitimar a ciência, demonstrando que o homem poderia conhecer o mundo real. Para encontrar uma certeza inquestionável, Descartes duvidou de tudo.

A dúvida cartesiana é justificada por três argumentos. Primeiramente, a ilusão dos sentidos, ou seja, não poderíamos confiar nos nossos sentidos, os quais são limitados e enganosos. Em segundo lugar, não sabemos distinguir o mundo externo daquilo que é produto de nossa mente (argumento dos sonhos). Em terceiro lugar, há o gênio maligno: quem diz que não há um deus ou um demônio malévolo poderoso e astuto que dedicasse todas suas energias para enganar os homens?

Nesse momento, portanto, criou-se um impasse: como Descartes poderia encontrar certezas irrefutáveis se, ao mesmo tempo, acreditava que deveria duvidar sistematicamente de tudo que se apresentasse para ele? Se, por um lado, Descartes acreditava que o ato de duvidar punha em dúvida até nossos sentidos, por outro, é impossível duvidar do pensamento: afinal, duvidar do pensamento é pensar. Mesmo a possibilidade de um deus enganador pressupõe a existência de um ser pensante que esteja nas garras desse gênio. Dessa forma, nosso pensamento e nossa existência seriam um ponto de partida inquestionável, uma certeza a partir da qual Descartes poderia edificar seu método filosófico. Nasceu então a famosa máxima cartesiana, o argumento do cogito: “Penso, logo existo” (Ego cogito ergo sum).

Porém, o problema de Descartes ainda não estaria resolvido: se a única certeza do homem é o “eu”, ou seja, seu pensamento e sua existência, como Descartes iria fazer a ponte que ligasse a certeza que residia no indivíduo à incerteza do mundo externo? Como não cair no solipsismo? Solipsismo é a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os outros entes (seres humanos e objetos) partícipes da única mente pensante, meras impressões sem existência própria.

Descartes, então, cria uma ponte entre o pensamento subjetivo e a realidade objetiva. Dessa forma, o filósofo afirmou que o pensamento, sua única certeza, seria composto por ideias. Uma ideia seria válida na medida em que fosse clara e distinta o suficiente para diferenciá-la das outras. Haveria, para ele, três tipos de ideias: as ideias inatas (naturais, que se encontram no indivíduo desde o nascimento, de modo que não adquirimos pela nossa experiência), as ideias adventícias (ou seja, empíricas, que formarmos ao longo de nossa vida, a partir da experiência, estando sujeitas  à dúvida) e as ideias factícias ou da imaginação (que formamos na nossa mente a partir das outras ideias).

É a partir das ideias inatas que Descartes fundamentou sua prova da existência de Deus. A ideia de Deus, presente em nossa mente, é a ideia de uma entidade perfeita. O homem por si só seria incapaz de chegar à clara e distinta ideia de perfeição, já que não haveria nenhuma correspondência desse ideal no mundo concreto. Assim, a ideia de perfeição seria inata, colocada no homem por Deus, a grande marca do criador em sua obra.

Se Deus existe, fica provado que o mundo por ele criado também existe. Assim, note que Descartes provou que o “eu” existe e, por meio do raciocínio dedutivo, provou também, a partir das premissas anteriores, que Deus e o mundo existem. Eis a ponte entre o pensamento subjetivo e a realidade objetiva, isto é, a prova de que “o eu e o mundo” existem.


VIDEOAULA: A DÚVIDA METÓDICA DE DESCARTES

Descartes hoje

Descartes mostrou, a partir do pensamento dedutivo, a existência do homem e de Deus. Desde então, o pensamento cartesiano foi associado a uma visão extremamente racionalista do homem e do mundo. É cartesiana, por exemplo, a visão de que o homem e o universo seriam máquinas: para Descartes, tal qual um relógio, o ser humano poderia ser compreendido (e, eventualmente, “consertado”) a partir das partes que o compõe.

O filme Ponto de Mutação e o livro homônimo de Fritjof Capra colocam em questão essa visão cartesiana de mundo: o homem e o universo são perfeitamente racionalizáveis, isto é, podem ser entendidos a partir dos elementos físico-químicos que os compõem? A visão de Capra, conhecida como holística, em contraposição ao pensamento cartesiano, crê que o homem deve ser compreendido em sua totalidade – todas as partes de seu corpo e mente estariam absolutamente integradas. Quando a medicina holística hoje, por exemplo, acredita que um problema em determinado órgão pode estar relacionado a uma questão de ordem emocional, são esses paradigmas filosóficos que estão em questão. Eis uma questão fundamental para o pensamento contemporâneo.

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Como Descartes prova a própria existência?

A prova é magistralmente simples. Ela consiste em mostrar que, porque existe em nós a simples ideia de um ser perfeito e infinito, daí resulta que esse ser necessariamente tem que existir. Descartes conclui que Deus existe pelo facto de a sua ideia existir em nós.

Por que para Descartes A dúvida é importante?

Descartes defende pois que, para chegar à verdade, temos de duvidar de tudo. Todas as coisas em que aparecer a menor dúvida devem ser tomadas por falsas. Assim temos que duvidar das coisas sensíveis, pois os sentidos muitas vezes erram.

Por que Descartes duvidava de tudo e qual a importância da dúvida para a produção do conhecimento?

A FILOSOFIA DE DESCARTES A missão de Descartes era justamente legitimar a ciência, demonstrando que o homem poderia conhecer o mundo real. Para encontrar uma certeza inquestionável, Descartes duvidou de tudo.

O que é o conhecimento verdadeiro para Descartes?

Descartes acreditava que o verdadeiro conhecimento é obtido somente por meio da aplicação da razão pura.