Por que podemos afirmar que a língua sempre se atualiza e por isso dá conta das necessidades de cada tempo?

OS ESTUDOS DA ENUNCIA��O E A FORMA��O DO PROFESSOR DE L�NGUAS

Kelly C. Granzotto Werner

RESUMO

Este trabalho apresenta algumas reflex�es a respeito de como os estudos da enuncia��o, principalmente da teoria da subjetividade de �mile Benveniste, podem contribuir para a forma��o de professores de l�nguas (estrangeiras). Acreditamos que no��es de l�ngua/linguagem, subjetividade e sentido podem ajudar a esses profissionais na sua pr�tica pedag�gica. O presente estudo justifica-se principalmente pela busca constante de leituras e atitudes que venham a continuar a forma��o profissional, refor�ando a forma��o reflexiva de professores de l�nguas.

A primeira condi��o para que um ser possa assumir um ato comprometido est� em ser capaz de agir e refletir. (Freire, 1983:16).

1. CONSIDERA��ES INICIAIS

Investigar... encontrar... refletir...buscar alternativas para ajudar na melhor forma��o do professor de l�ngua estrangeira foi o que moveu este estudo. Como docente num curso de forma��o de professores, inquieta��es s�o constantes a esse respeito.

Sabemos que a forma��o do professor vai al�m da aprendizagem durante o per�odo de tempo do curso de licenciatura, uma vez que n�o podemos pensar que o aluno est� pronto, soube o que deveria saber para desempenhar a profiss�o. Na verdade, neste tempo, os professores est�o legalmente e institucionalmente habilitados para lecionar. Mas, sempre h� a falta em rela��o ao conhecimento, h� a necessidade de aperfei�oamento, do estudo e da pesquisa constante, e isso n�o � apenas delegado pela ordem social. Muitos discursos confirmam que a sociedade �exige�, est� �desse jeito� e, por isso � que o professor (e n�o s� ele) precisa estar sempre se atualizando, continuando a sua forma��o. No entanto, � necess�rio reconhecer que o ser humano � incompleto, � um ser sempre �vido de desejos. Ent�o, as vontades do pr�prio indiv�duo e do meio onde se encontra determinam a natureza da forma��o.

Partindo disso � que surge a quest�o que vai nortear este trabalho: em que os estudos da enuncia��o feitos por Benveniste poderiam contribuir para a forma��o do profissional de Letras, principalmente, na �rea do ensino de l�nguas (estrangeiras)? Trabalhando com discurso e enuncia��o, essa inquietude � constante. Sendo assim, pretendo explicitar conceitos e concep��es dos estudos da enuncia��o de Benveniste que venham a contribuir positivamente para o professor de l�nguas em forma��o e refletir sobre a implic�ncia disso na pr�tica docente desses futuros professores. Acredito que os estudos da enuncia��o de Benveniste contribu�ram e contribuem significativamente n�o s� para a ling��stica moderna, mas tamb�m para a forma��o do professor de l�nguas com conceitos fundamentais como o de subjetividade (que antes fora marginalizado) e com a revis�o da no��o de l�ngua/linguagem e sentido. Desse modo, conhecer essas no��es que deram uma reviravolta nos estudos ling��sticos, mudando o modo de pensar dos ling�istas, � importante para o professor de l�nguas, uma vez que podem ajud�-lo a definir uma concep��o de l�ngua/linguagem, de sujeito, de sentido e de ensino e aprendizagem para a sua pr�tica pedag�gica.

2. A TEORIA DA ENUNCIA��O DE BENVENISTE E SUAS CONTRIBUI��ES PARA OS ESTUDOS LING��STICOS

Os estudos sobre a enuncia��o, em geral, principalmente, a teoria enunciativa proposta por Benveniste, trazem para o cen�rio das preocupa��es ling��sticas, sem desconsiderar as proposi��es estruturalistas anteriores, o sujeito, personagem tido como secund�rio pela ling��stica saussuriana. Com a no��o de subjetividade, outras tamb�m emergiram � as no��es de sentido e contexto (referente) � que juntas  possibilitaram uma nova forma de pensar a l�ngua/linguagem.

2.1. A no��o de l�ngua/linguagem

A perspectiva de entendimento de l�ngua de Benveniste se diferencia da de Saussure, uma vez que a v� como essencialmente social, concebida no consenso coletivo. Para o te�rico da enuncia��o (1989, p. 63), �(...) somente a l�ngua torna poss�vel a sociedade. A l�ngua constitui o que mant�m juntos os homens, o fundamento de todas as rela��es que por seu turno fundamentam a sociedade.� O fundador da ling��stica moderna pensava na l�ngua como um c�digo fechado em si mesmo, estruturado por signos. A forma como Benveniste pensa a l�ngua adv�m do seu entendimento de signo. Considerando sua forma de significa��o, prop�e dois planos de sentido: o semi�tico e o sem�ntico. No primeiro, que confere com o pensamento de Saussure, est� o signo significando no sistema e, no segundo, h� a express�o do sentido resultante da rela��o do signo com o contexto, ou seja, o modo de significar do enunciado (discurso). Para o autor, essa forma de significar � a l�ngua como trabalho social. Assim, Benveniste v� a l�ngua no seio da sociedade e da cultura porque, para ele, o social � da natureza do homem e da l�ngua.

O entendimento de l�ngua, mostrado por Benveniste, tamb�m vai refletir na concep��o de linguagem que defende. Esta n�o � entendida como aquela que serve de instrumento de comunica��o ao homem. Em seu estudo Da subjetividade na linguagem, Benveniste (1991, p.85) questiona e critica essa no��o de linguagem dizendo que �Falar de instrumento, � p�r em oposi��o o homem e a natureza�, mostrando que n�o se pode mais conceber a linguagem e o indiv�duo dessa forma porque �n�o atingimos nunca o homem separado da linguagem e n�o o vemos nunca inventando-a�. Na verdade, essa concep��o deixa o indiv�duo � margem da linguagem. O que prop�e ent�o � uma id�ia de linguagem que d� ao indiv�duo o status de sujeito e assim deve ser porque �� um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a pr�pria defini��o do homem�.

Dessa forma, a linguagem ser� o lugar onde o indiv�duo se constitui como falante e como sujeito. Essa no��o est� desenvolvida na teoria da enuncia��o postulada por Benveniste, a qual direciona os estudos sobre a linguagem para uma nova situa��o.

2.2. A no��o de subjetividade

Benveniste, em seus estudos sobre a enuncia��o, n�o pretendia fazer uma teoria do sujeito, como j� � sabido, mas sim se preocupava com a significa��o. Apesar disso, sua maior contribui��o para a ling��stica moderna � a quest�o da subjetividade. Ela veio � tona porque � inevit�vel sua presen�a quando se estuda a linguagem e o sentido. Sendo assim, o sujeito � o cerne da sua teoria da enuncia��o.

Segundo Benveniste (1991, p.288), a subjetividade � entendida como �a capacidade do locutor para se propor como �sujeito�. Essa proposi��o como sujeito tem como condi��o a linguagem. �� na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque s� a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que � a do ser, o conceito de ego�. Assim sendo, essa propriedade da subjetividade � determinada pela pessoa e o seu status ling��stico. Al�m disso, para o referido autor, a subjetividade � percebida materialmente num enunciado atrav�s de algumas formas (d�ixis, verbo) que a l�ngua empresta ao indiv�duo que quer enunciar; e quando o faz transforma-se em sujeito. Classifica essas marcas ling��sticas, que t�m o poder de expressar a subjetividade, os pronomes e o verbo, integrando essas duas classes de palavras na categoria de pessoa, proposta em 1946.

Nesse texto de 1946, Benveniste, ao instaurar a categoria de pessoa, define as pessoas do discurso. Considera eu/tu como as aut�nticas pessoas em oposi��o a ele � a n�o-pessoa. As pessoas eu/tu se caracterizam como categorias de discurso que s� ganham plenitude quando assumidas por um falante, na inst�ncia discursiva. Essa tomada � sempre �nica, m�vel e revers�vel, representando a (inter)subjetividade na linguagem. A terceira pessoa (a n�o-pessoa, ele), ao contr�rio, � um signo pleno, uma categoria da l�ngua, que tem refer�ncia objetiva e seu valor independe da enuncia��o, declarando, portanto, a objetividade. A oposi��o entre os participantes do di�logo e os n�o participantes resulta em duas correla��es: personalidade e subjetividade. A correla��o de personalidade op�e a pessoalidade, presente em eu/tu, e a n�o pessoalidade, presente em ele; j� a correla��o de subjetividade descreve a oposi��o existente entre o eu (pessoa subjetiva) e o n�o-eu (pessoa n�o-subjetiva). Tais correla��es se estendem aos pronomes no plural que, nessa teoria, significam mais que pluraliza��o. Ent�o, Benveniste inova ao dizer que os pronomes pessoais no plural n�o expressam somente plural. � o caso de n�s e v�s. Somente �eles� � por n�o ter marca de pessoa � indica verdadeiro plural. Ainda, define o n�s como inclusivo (uni�o de um eu, pessoa subjetiva, a um tu/v�s, pessoa n�o subjetiva) e como exclusivo (eu, pessoa + ele(s), n�o pessoa). N�o podem significar plural porque n�o demonstram a repeti��o da mesma pessoa. No caso do n�s, n�o h� soma de diferentes pessoas e n�o h� repeti��o de �eus�; no caso do v�s, no sentido coletivo ou de cortesia, n�o h� soma de v�rios �tus�. Ent�o, o fato a que chama aten��o Benveniste � que os pronomes n�o devem ser mais considerados, e o s�o habitualmente, como uma �classe unit�ria� quando se refere � forma e � fun��o, diferenciando o aspecto formal dos pronomes, pertencente � parte sint�tica da l�ngua, do funcional, considerado caracter�stico da inst�ncia do discurso, ou seja, da enuncia��o. Quer dizer, os pronomes se configuram numa classe da l�ngua que opera no formal, sint�tico, e no funcional, pragm�tico. Sendo assim, os pronomes devem ser entendidos tamb�m como fatos de linguagem, pertencentes � mensagem (fala), �s categorias do discurso e n�o apenas como pertencentes ao c�digo (l�ngua), �s categorias da l�ngua, como considerava Saussure. Essa vis�o dos pronomes, tamb�m como categoria de linguagem, � dada pela posi��o que nela ocupam.

Desse modo, acredita-se que, para encontrar e tentar entender o sujeito e suas representa��es na teoria enunciativa de Benveniste, � necess�rio partir da categoria de pessoa. De acordo com Gomes (2004), �A subjetividade � vista como uma propriedade da l�ngua realiz�vel pela categoria de pessoa�. Da mesma forma, Santos (2002, p.25), afirma que

O fundamento da subjetividade repousa sobre a categoria de pessoa presente no sistema da l�ngua; todavia essa subjetividade depende da inversibilidade do par eu-tu, a qual assegura um fator fundamental na atribui��o de sentido � categoria de pessoa - a intersubjetividade.

Segundo Benveniste (1989, p.87), �o que caracteriza a enuncia��o � a acentua��o da rela��o discursiva com o parceiro, seja este real ou imagin�rio, individual ou coletivo�. Isso determina a estrutura do quadro figurativo da enuncia��o, o do di�logo, que tem obrigatoriamente um eu e um tu. Os dois participantes alternam as fun��es, caracterizando-se como parceiros e protagonistas na situa��o de enuncia��o. Isso, na verdade, vai criar uma rela��o intersubjetiva entre as pessoas do enunciado.

3. POSS�VEIS CONTRIBUI��ES DA TEORIA ENUNCIATIVA DE BENVENISTE PARA A FORMA��O DO PROFESSOR DE L�NGUA

Freire (1982, p.42) afirma que �Toda pr�tica educativa implica numa concep��o dos seres humanos e do mundo�. Dessa forma, o professor de l�ngua (estrangeira) tamb�m deve ter concep��es claras sobre l�ngua/linguagem, sujeito e o pr�prio processo de ensino-aprendizagerm, uma vez que o modo como s�o entendidos tais aspectos refletir� na sua pr�tica pedag�gica e na educa��o.

Retomando o pensamento de Benveniste sobre a concep��o de l�ngua e linguagem, percebemos que � entendida como o lugar e o fundamento da subjetividade, e esta, por sua vez, � percebida e tem valor numa rela��o dial�gica, intersubjetiva. Os sujeitos, via l�ngua, constroem sentidos interativamente no discurso.

Assim sendo, considerar tais id�ias da teoria enunciativa benvenistiana contribui, com certeza, para a forma��o do professor de l�ngua e para o momento de ensino-aprendizagem porque este processo tamb�m ser� entendido como social, interativo, intersubjetivo e constru�do entre um eu (professor) e v�rios tus (alunos). Quer dizer, o ensinar e o aprender s� acontecem quando s�o constru�dos socialmente. N�o h� como separar os dois p�los e pensar que algu�m ensina e outros aprendem. Conforme Freire (1982, p.28), �Ningu�m educa ningu�m� porque cada indiv�duo � sujeito de sua educa��o e isso se caracteriza por um a rela��o dial�gica e interdependente. A partir disso, � necess�rio considerar o saber do aluno, muitas vezes, emp�rico com o saber cient�fico que traz o professor, amalgamando-os, a fim de que o processo educativo seja constru�do pela rela��o social estabelecida na sala de aula. Isso ser� poss�vel se o professor valorizar as subjetividades, o di�logo; se tiver um entendimento de que essas subjetividades t�m como condi��o necess�ria de exist�ncia a intersubjetividade, expressada via l�ngua, e que, nessa situa��o, constroem o sentido de educa��o m�tua.

Portanto, acreditamos que a teoria da enuncia��o, caracterizada uma teoria da subjetividade na linguagem, pode contribuir significativamente na forma��o do professor de l�ngua (estrangeira), pois pode ajudar na sua concep��o de l�ngua, linguagem, de sujeito, de sentido. Lastimavelmente, a teoria da enuncia��o, especificamente a teoria subjetiva de Benveniste, n�o � leitura freq�ente nos cursos de gradua��o em Letras.

4. ALGUMAS CONSIDERA��ES FINAIS

Este trabalho buscou apontar no��es relevantes dos estudos sobre a enuncia��o, especificamente de Benveniste, para a forma��o do professor de l�ngua (estrangeira). Julgamos que o entendimento de l�ngua e linguagem, de sujeito e de sentido apresentados s� podem contribuir positivamente para o professor e para a sua pr�tica pedag�gica. Queremos concluir estas reflex�es, com o pensamento do in�cio deste trabalho: buscar o conhecimento, continuar a forma��o, refletir sobre a profiss�o. Isso deve ser a constante preocupa��o do homem, independentemente de sua �rea de atua��o. Refletir sobre a teoria da enuncia��o benvenistiana na forma��o do professor e no ensino de l�ngua foi o objetivo deste trabalho.

BIBLIOGRAFIA

BENVENISTE, E. Estrutura das rela��es de pessoa no verbo. In: Problemas de Ling��stica Geral I. 3 ed. S�o Paulo: Pontes, 1991.

___.O aparelho formal da enuncia��o. In: Problemas de Ling��stica Geral II. 3 ed. S�o Paulo: Pontes, 1989.

___.A natureza dos pronomes. In: Problemas de Ling��stica Geral I. 3 ed. S�o Paulo: Pontes, 1991.

___.Da subjetividade na linguagem. In: Problemas de Ling��stica Geral I. 3 ed. S�o Paulo: Pontes, 1991.

FREIRE, P. Educa��o e mudan�a. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

______. A��o cultural para a liberdade e outros escritos. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

SANTOS, Elis�ngela Rosa. Sintaxe e significa��o: um estudo enunciativo das ora��es relativas no portugu�s. URFRGS, 2002. Disserta��o (Mestrado em Letras)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002.

Porque a língua muda com o passar do tempo?

As variações linguísticas acontecem porque vivemos em uma sociedade complexa, na qual estão inseridos diferentes grupos sociais. Alguns desses grupos tiveram acesso à educação formal, enquanto outros não tiveram muito contato com a norma culta da língua.

Como é o processo de mudança de uma língua?

As mudanças lingüísticas não são casuais nem desconexas. Seguem uma diretriz; há uma corrente nas mudanças. O conceito é neutro: a língua não melhora nem piora; apenas constata-se que ela muda. Várias são as razões dessa mudança, mas a principal situa-se na relação que se estabelece entre língua e cultura.

Que fatores podem ter influenciado essas mudanças na língua?

Ao estudar variações de origem socioeconômica, gênero, faixa etária, nível de escolaridade e região, é possível perceber esse dinamismo. Cada grupo social é capaz de modificar o falar e o escrever, mas em geral, a população mais jovem é disparadora das mudanças.

Por que a variação linguística acontece?

Ela existe porque as línguas possuem a característica de serem dinâmicas e sensíveis a fatores como a região geográfica, o sexo, a idade, a classe social do falante e o grau de formalidade do contexto da comunicação.