postado em 05/06/2021 06:00 Show
(crédito: CARL DE SOUZA / AFP) "Chegando com combustível para queimar. Estão todos aqui, armados", a fala é de áudio de uma indígena anunciando mais um ataque de garimpeiros na aldeia Munduruku, no Pará. Este episódio foi em 26 de maio e é só mais um dos vários ataques a aldeias indígenas que ocorreram no mês passado. Os conflitos expõem uma realidade que o Brasil não pode comemorar neste Dia do Meio Ambiente, celebrado hoje (5/6): o garimpo ilegal na Amazônia. Em meio à pandemia, a atividade cresceu, em média, 30%. Só no ano passado, a devastação provocada pela ação atingiu uma área equivalente a 500 campos de futebol no meio da Amazônia.
A defesa do garimpo em terras indígenas tem sido uma das principais pautas do presidente Jair Bolsonaro. Filho de garimpeiro, o presidente já até disse que costuma procurar ouro quando vai em algum rio. "Sempre que possível eu paro num canto qualquer para dar uma faiscada", disse, em um vídeo de 2018, antes de ser presidente.
Segundo especialistas, esta defesa indiscriminada da atividade é um dos principais fatores que fez o garimpo ilegal ter aumentado. "Quando o governo sinaliza o interesse de legalizar o garimpo ilegal, esse discurso para a sociedade civil de violação de direitos dos índios, isso gera uma mensagem de 'invadam essas terras, comecem essas atividades ilegais que vocês serão legalizados'", destaca Antonio Oviedo, analista de pesquisa no Instituto Socioambiental (ISA). A análise é corroborada por números. Entre 2019 e 2020, houve um aumento de 56% nas ocupações irregulares dentro de áreas protegidas, segundo levantamento do Instituto Socioambiental (ISA). São mais de 10,6 milhões de hectares ocupados de forma irregular. "O aumento está relacionado a uma 'sensação psicológica' por parte dos garimpeiros de que agora pode tudo, haja vista o flagrante desmonte e reformulações de orientações internas dos órgão ambiental estatais, principalmente, o ICMBIO. Na prática, a boiada está passando", destaca o professor de geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Nelcioney José de Souza Araújo. indígenas yanomamis (foto: Nelson Almeida/ AFP )
Além disso, Antonio, que é pós-doutor em políticas públicas e gestão ambiental pela Universidade de Brasília (UnB), destaca que é uma minoria dos indígenas que compactua com atividade ilícita. "O recurso financeiro gera um impacto na vida das pessoas, então, existem processos de aliciamento por grupos organizados que invadem essas terras. Alguns indígenas podem fazer este papel de proteção do grupo criminoso, mas a porcentagem dos que são favoráveis é muito pequena. São indivíduos, não uma organização", afirma. "A população ali em sua maioria é contra o garimpo, tem dois ou três que se aproximam e tem algum tipo de benefício que acaba gerando este estímulo para ele trabalhar com garimpeiros", completa. "Vários indígenas estão sendo aliciados, criando conflitos e dando uma falsa aparência de que os indígenas estão interessados em garimpar", completa Marcelo Oliveira, do WWF Brasil. indígenas yanomamis em Alto Alegre, Roraima (foto: NELSON ALMEIDA / AFP)O afrouxamento das normas
O interesse econômico em relação a estas áreas é grande. Em meio a pandemia, o ouro alcançou os maiores patamares em duas décadas. "Vários fatores que fizeram isso ocorrer, com a pandemia o outro se tornou um ativo mais seguro, os preços disparam e isso, logicamente, aumenta a demanda", destaca Marcelo Oliveira, especialista em Conservação do WWF-Brasil. "No ano passado, por causa da crise, o preço do ouro foi às alturas. Provocou uma corrida do ouro na Amazônia. Boa parte do ouro no Brasil é extraído de forma ilegal e não tem controle. São muitos agentes envolvidos", completa Luísa Molina, antropóloga da Universidade de Brasília (UnB). Mas ela lembra que esta não é a primeira vez que a região enfrenta uma corrida pelo ouro. "Não é um aumento inédito. A gente vê na narrativa dos ianomâmis. Mas, nos últimos 10 anos, a tecnologia mudou muito. Então, o estrago é maior”, diz. Defensor da regulamentação, em entrevista ao Correio, o deputado federal Edio Lopes (PL-RR), presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, afirmou que os ataques são provocados por organizações criminosas infiltradas e que é possível fazer um garimpo mais sustentável. "Que tenha equilíbrio, que respeite o meio ambiente, que respeite as comunidades indígenas, que respeite o poder público", disse. Essa ideia de um garimpo sustentável, porém, só existe na teoria, segundo Nelcioney Araújo, que é doutor em geografia. "Na realidade, não acredito nessa legalização pois, no atual momento político, não teríamos nenhuma chance dessa proposta ser viável ambientalmente. Tem inúmeras questões que antecedem essa questão. Dentre elas, a venda do ouro, pois é monopólio do Estado comprar. Só na teoria, pois na prática esse ouro é desviado e vendido para inúmeras pessoas e até exportado ilegalmente. Só indígenas iriam perder com essa legalização”, destaca.
Na vizinha Venezuela, este é o caminho que o governo tem seguido também. O presidente Nicolás Maduro ampliou a superfície de extração do Arco Minerador do Orinoco e autorizou a exploração em seis rios. A medida fez com que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) emitisse, em 2020, um relatório que denuncia uma série de direitos humanos que estão sendo violados na região. Entre as violações estão exploração trabalhista, sexual e infantil, aumento de doenças e dano ambiental. Os danos ao meio ambienteNão dar para saber qual a extensão do garimpo ilegal no país. Estimativas apontam que entre 80 mil e 800 mil pessoas trabalham dessa forma no Brasil. Só nas terras ianomâmis, em torno de 20 mil garimpeiros exploram a área de forma irregular. "O aumento é notável. A terra indígena do Munduruku esteve no ano passado entre as áreas mais desmatadas do país. E sabemos que lá no alto do Tapajós não tem outra atividade expressiva que pode ter provocado um desmatamento como esse”, salienta Luísa Molina, que há anos pesquisa os impactos da destruição no Tapajós para os povos Munduruku. O desmatamento provocado pelo garimpo vem crescendo ano a ano. Segundo dados do sistema de monitoramento do Inpe, em 2019, houve um aumento de 107% em relação a 2018 nos alertas de desmatamento provocados pelo garimpo. “Tem um impacto na perda da biodiversidade, nos recursos hídricos, degradação do curso d’água, eles mudam o curso do rio, abrem lagoas artificiais, utilizam o mercúrio”, analisa Antonio. Um laudo da Polícia Federal, de 2018, mostrou que o garimpo de ouro despeja o equivalente ao rompimento da barragem de Mariana (MG) a cada 11 anos, só no Pará. Segundo a PF, são lançados 7 milhões de toneladas de sedimentos no Rio Tapajós todos os anos. Além da agressão ao meio ambiente, o garimpo traz outro problema para estas regiões. O aumento de casos de malária entre indígenas. Os buracos deixados pelo garimpo são terrenos férteis para a proliferação do mosquito Anopheles, hospedeiro da doença. De acordo com nota técnica da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), quase 67% de toda a população Yanomami foi infectada pela malária em 2020. Ao todo, foram registrados 19 mil casos em uma população de 28.141 pessoas. Antes da pandemia, a média anual era de 4,1 mil casos. Só em 2021, já foram contabilizados 5,1 mil casos entre os indígenas. Só na as aldeias Munduruku, no Pará, foram registradas cinco vezes mais casos de malária entre 2018 e 2020, segundo dados do estudo O cerco do ouro, do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Indígena yanomami tenta colocar a máscara em Alto Alegre, Roraima (foto: NELSON ALMEIDA / AFP)
A exposição ao mercúrio pode provocar danos no sistema nervoso central e nos rins, além de ser muito tóxico para os organismos aquáticos, a principal fonte de subsistência dos povos nativos. O impacto para as crianças tem sido devastador. No último mês, uma imagem que circulou nas redes sociais de uma criança desnutrida em uma aldeia yanomami chocou o Brasil. A menina representa uma situação crítica que atinge oito em cada dez crianças yanomamis com menos de cinco anos, segundo estudo do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef). “É um problema para segurança alimentar. A principal fonte de proteínas para esses povos é o peixe e o peixe está sendo contaminado”, destaca Marcelo Oliveira. Criança yanomami com malária e desnutrida dorme em rede na aldeia Maimasi, em Roraima (foto: Divulgação )
— Dário Kopenawa Yanomami (@Dario_Kopenawa) March 25, 2021 Guardiões da FlorestaEm maio, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou oito pessoas que atuavam em quatro garimpos na Terra Indígena Munduruku e na Floresta Nacional do Crepori. Pelas estimativas dos investigadores, os invasores já causaram pelo menos R$ 73,8 milhões em danos ambientais na região de Jacareacanga. “A primeira e mais importante é a fiscalização: garimpo ilegal é contra a lei. Em tempos de pandemia, você tem fiscais idosos que não podem fazer trabalho de campo, então precisa ter uma suplementação”, afirma Antonio. Ele também cobra uma postura diferente da adotada pelo governo. “É preciso ter um discurso que preserve a lei, se posicionando contra atividades ilegais. A porteira está aberta para passar a boiada”, completa.
Quais foram as principais consequências Pará os povos indígenas?Desde 1500, com a chegada dos colonizadores, os indígenas brasileiros sofrem com o preconceito, a invasão e exploração de suas terras. Mesmo com a criação de órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai) , a violência contra esses povos continua.
Como se apresenta a relação entre indígenas e garimpeiros no Brasil?Também são comuns relatos de desvio de medicamentos reservados para os indígenas pelos garimpeiros ilegais. A ocupação de parte do território por garimpeiros, associada ao desmatamento da floresta, tem, segundo os Yanomami, contribuído para a explosão do número de casos de malária nas comunidades.
Quais foram as consequências da invasão das terras indígenas Pará esses povos?Consequências e impactos
O Cimi adverte que, dentro dos territórios, os grupos de invasores além de causarem todo o tipo de devastação ambiental, também rompem com o modo de ser, os costumes e a cultura dos povos indígenas. Além de causarem a migração forçada de algumas etnias.
Quais são os principais conflitos envolvendo terras indígenas?A posse de terra é, segundo a Pesquisadora Melissa Volpato, a principal causa de conflitos nas comunidades. Muitas terras indígenas são invadidas e têm seus recursos naturais explorados ilegalmente. Aproximadamente 85% das terras indígenas sofrem algum tipo de invasão, sendo essa estimativa aceita pela Funai.
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