Qual a importância do conceito de vulnerabilidade para o profissional de saúde?

Vulnerabilidade e risco: apontamentos teóricos e aplicabilidade na Política Nacional de Assistência Social

Denis Cezar Musial1

Juliana Ferreira Marcolino-Galli2

Resumo

O artigo tem como propósito tecer reflexões sobre o termo vulnerabilidade e risco, intersecionando suas relações na política de assistência social. A reflexão encaminhada deixa ver que os termos, frequentemente utilizados nas políticas sociais, devem ser compreendidos pelo contexto histórico e social e pela importância do diálogo entre as ciências. Enfatiza-se a interdisciplinaridade dos termos em seus saberes na produção de conhecimento como prática social e rompimento de olhares endógenos para a compreensão na sua totalidade. Finalmente, propõe que os termos sejam estudados em conjunto, para a elaboração, implementação, monitoramento e avaliação de políticas sociais.

Palavras-chave

Vulnerabilidade; Risco; Assistência Social.

Vulnerability and risk: theoretical comments and applicability in the National Social Assistance Policy

Abstract

The article aims to provide reflections on the term vulnerability and risk, intersecting their relations in social assistance policy. This reflection shows that the terms often used in social policies must be understood by the historical and social context and the importance of dialogue between the sciences. It emphasizes the interdisciplinarity of terms in their knowledge in the production of knowledge as social practice and the breaking of endogenous looks for comprehension in its totality. Finally, it proposes that the terms be jointly studied for the design, implementation, monitoring and evaluation of social policies.

Keywords

Vulnerability; Risk; Social Protection.

Artigo recebido: novembro de 2018.

Artigo aprovado: dezembro de 2018.

Introdução

A vulnerabilidade social é um termo frequente nas políticas sociais na América Latina. Entretanto, esse termo está articulado ao quadro conceitual complexo, porque “provoca multiplicidade de olhares e compreensões abrangendo uma discussão que privilegia diferentes contextos sociais e políticos até as questões de fragilidade individual” (TEDESCO; LIBERMAN, 2008, p. 255). Questiona-se a apropriação desse conceito quando a “vulnerabilidade social” é descrita ou caracterizada na Política Nacional de Assistência Social (PNAS).

Pizarro (2001) aponta para essa problemática e afirma que não há um resgate dos conceitos científicos nas políticas sociais e no universo acadêmico na América Latina, bem como, tal termo, quando em sua aplicabilidade é confundido com a pobreza.

Nota-se que o autor destaca a possibilidade de uso de termos que fazem referência ao novo paradigma, mas sem nenhuma mudança conceitual. Ou seja, seria uma nova roupagem para um paradigma mais centrado no indivíduo e vinculado a questões socioeconômicas.

O presente trabalho pretende discutir como os termos vulnerabilidade social e risco foram implementados pelas políticas sociais. Essa discussão compreende a necessária articulação entre teorias e as práticas profissionais e, ainda, apresenta reflexões que podem ser utilizadas para sustentar a elaboração de diagnósticos em outras ações da gestão pública, especificadamente no campo da assistência social . A partir do aprofundamento teórico sobre vulnerabilidade social e risco, realizou-se um atravessamento na Política de Assistência Social para compreender como esses termos vêm consolidando a implantação do novo paradigma.

Esse debate é pertinente para trazer subsídios na implantação de políticas de proteção social, considerando que esses termos são estruturantes. De tal modo, tal reflexão busca romper com discursos que, apesar da utilização dos termos, não compartilham dos sentidos concebidos por outras áreas de conhecimento e podem se tornam vazios quando incorporados na prática dos profissionais.

Reflexões sobre Vulnerabilidade e Risco na PNAS

Desde a Constituição Federal de 1988, a Assistência Social ganha um ordenamento socioinstitucional do Estado, com ampliação de direitos e novos espaços de participação popular para legitimar demandas, rompendo como a cultura do favor e do individualismo. Isso significa que ela passa a ser tratada como política pública de responsabilidade estatal na sua oferta para todos os sujeitos a quem dela necessitar. Em 1993, na legitimidade desta política, surge uma Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) que assegura a diretriz constitucional da primazia da responsabilidade do Estado na gestão, financiamento e execução da assistência social nas três esferas do governo.

Partindo desse processo, várias normativas e regulações vêm sendo acopladas à política de assistência social, ganhando força e corpo em seu processo de implantação. Destacam-se as deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, em 2003, entendendo a assistência social como uma política social inserida no campo da Seguridade Social, que assegura proteção social as famílias em situação de vulnerabilidade social, tendo como manifestação a PNAS.

Neste processo de construção, a PNAS normatizou um Sistema Único de Assistência Social (SUAS) voltado à articulação em todo o território nacional de um sistema de serviços, benefícios, programas e projetos de assistência social, que ganhou corpo de lei federal, sob nº 12.435, de 06 de julho de 2011, garantindo proteção social, vigilância social e defesa dos direitos (BRASIL, 2011).

Deve-se levar em conta nesse processo histórico, que a política de assistência social está em processo de construção, com nuances que devem ser explorados e discutidos para o aprimoramento desta política pública, em especial, discussões conceituais sobre vulnerabilidade e resiliência na PNAS.

O termo vulnerabilidade, na área da saúde, está estreitamente articulado ao risco e às propostas de prevenção e superação do risco (MEYER et al., 2006). A partir da década de 1990, diante da pandemia da AIDS, a vulnerabilidade foi visualizada nas políticas sociais brasileiras como:

Os termos “vulnerável” e “vulnerabilidade” são usados cada vez com mais frequência nas áreas de pesquisa em ciência social e prevenção da AIDS. Por exemplo, nada menos que 337 resumos de trabalhos apresentados na última Conferência Mundial sobre a AIDS (julho de 1998) em Genebra continham a palavra “vulnerável” e “vulnerabilidade”. Isso foi próximo a 10% do total de resumos apresentados nas faixas C (Epidemiologia, Prevenção e Saúde Pública) e D (Ciências Sociais e Comportamentais, Impacto Social e Resposta). Esses resumos focaram em todos os tipos de público e cobriram todos os continentes (DELOR, HUMBERT, 2000, p. 1557-1558)4.

A visibilidade da AIDS na década de 1980 e seus modelos de intervenções tradicionais, pautados no risco individual começaram a ser questionados (NICHIATA et al., 2008). Isso porque, os métodos de intervenção voltados somente para a esfera individual, como os grupos de risco, não respondiam à complexidade do problema, esvaziando o tema sem uma análise de conjuntura das relações sociais, seu contexto histórico, político, econômico, cultural e suas normas institucionais. Assim, a intervenção individual não garantia promoção e proteção social3. A partir dos anos 1980, essa problematização entre individual e coletivo impulsionou um movimento de reconceituação, rompendo com a visão unilateral e singularizada da doença, incorporando novas vertentes de olhares e rompendo com estudos “absolutos”. Dessas discussões, o foco se desloca do indivíduo e avança em direção a outros fatores que permeiam a vulnerabilidade e suas significações no território e no tempo (SÃNCHEZ; BERTOLOZI, 2006).

Neste contexto, o termo vulnerabilidade ganha uma força expressiva de discussões acadêmicas, sendo necessário compreender as interações entre vulnerabilidade individuais, vulnerabilidade social e vulnerabilidade programática (BERTOLOZZI et al., 2009). Isso significa que, desde esse período, o termo ganha proporção multifacetada e complexa no universo das políticas sociais.

Ayres et al. (2003) esclarecem que a hermenêutica do termo vulnerabilidade se legitima, primordialmente, o contexto lócus de vulnerabilidade, alimentando a susceptibilidade a infecção e adoecimento, restringindo não apenas para aspectos individuais, ou seja, estendendo-se aos aspectos coletivos e considerando sua conjuntura.

[...] a vulnerabilidade de um grupo à infecção pelo HIV e ao adoecimento é resultado de um conjunto de características dos contextos político, econômico e socioculturais que ampliam ou diluem o risco individual. Além de trabalhar essas dimensões sociais (vulnerabilidade social), é um desafio permanente e de longo prazo sofisticar os programas de prevenção e assistência abrindo espaço para o diálogo e a compreensão sobre os obstáculos mais estruturais da prevenção e sobre o acesso e para as experiências diversas com os meios preventivos disponíveis (vulnerabilidade programática), para que, no plano das crenças, atitudes e práticas pessoais (vulnerabilidade individual), todos, significando cada um, possam de fato se proteger da infecção e do adoecimento (BUCHALLA; PAIVA, 2002, p. 2).

Compreende-se que as múltiplas vulnerabilidades possuem particularidades variáveis, e, por isso, não podem ser vistas de forma isolada e sem interlocuções com os contextos sociais e inseridas nas políticas sociais, isto é, seus movimentos de discussão não são “congelados” e “únicos”, devem possui parâmetros flexíveis e abertos a novos diálogos em outros campos.

A vulnerabilidade individual consiste em compreender a capacidade do sujeito em organizar as informações das situações-problemas e, que tragam mudanças positivas e de proteção ao sujeito. Trata-se, portanto, de pensamentos, ideais, projetos e aquisições individuais que o sujeito dispõe e forma de empregá-los (PAZ; SANTOS; EIDT, 2006).

A vulnerabilidade social está associada às informações que se acolhe do meio social e, como acessamos os serviços públicos para assegurar os direitos sociais, tais como, educação, trabalho, saúde, moradia, participação, dentre outros, rompendo com normas violentas e buscando qualidade de vida e bem-estar social. A partir disso, é pertinente destacar o contexto histórico-social-cultural, considerando suas subjetividades e percepções que cada sujeito constrói sobre direitos (PAZ; SANTOS; EIDT, 2006).

A vulnerabilidade programática considera a existência de serviços institucionalizados, como esses serviços são organizados, em especial, no SUAS para a garantia de seguranças sociais aos usuários, o trabalho social que necessita ser feito com o usuário, a relação que o trabalhador deve ter com o usuário, a provisão de serviços e os recursos disponíveis para oferecer esses serviços (BERTOLOZZI et al., 2009).

Vejamos como vulnerabilidades se apresentam na PNAS e a intensidade da apropriação destes termos no documento. A PNAS foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e normatizada pela resolução nº 145/2004. A PNAS apresenta o termo vulnerabilidade, na maioria das vezes, assimilados ao termo risco, tornando visões hipotéticas de um sinônimo. Nota-se a ausência de definição do termo no documento, distanciando-o como atributo complexo em seu emprego nos diversos contextos sociais.

Por outro lado, documentos norteadores são publicados para responder a essa lacuna da PNAS, avançando no rompimento de visões reducionistas no adotar o termo vulnerabilidade não apenas por questões individuais e econômicas, indo além dessa condição:

[...] para além das condições socioeconômicas, as vulnerabilidades devem ser entendidas como um somatório de situações de precariedade entre as quais se incluem a composição demográfica da família, os agravos à saúde, a gravidez precoce, a exposição à morte violenta e as próprias condições de vida (SÃO PAULO, 2004, p.12; grifos nosso).

Destaca-se que a vulnerabilidade é caracterizada por um “somatório de situações”, deixando certa vagueza no texto, sem esclarecimentos, sendo necessário o aprofundamento desses termos que foi tomando proporção no uso pelos trabalhadores, gestores, usuários e conselheiros de assistência social. Sobre isso, afirma:

Risco e vulnerabilidade foram usadas na PNAS vinte vezes cada um, mas eles nos chamaram a atenção não só pelo número em que aparecem no decorrer do texto, mas principalmente pela centralidade deles na estruturação da política: estão associados às situações as quais os sujeitos estão expostos e aos próprios sujeitos demandatários da assistência social. São fundamentais para definir o público da assistência social, as situações que competem à área e o nível de atenção em que o sujeito está inserido. Todavia [...] possibilitando uma série de indagações: Qual a origem dos vocábulos? Porque foram introduzidos no PNAS? O que significam no interior do PNAS? Seriam os termos riscos e vulnerabilidades sinônimo de pobreza? (ALVARENGA, 2012, p. 28).

Ao caracterizar o usuário atendido na política de assistência social, encontra-se a seguinte afirmação:

[...] cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade, ciclos de vida, identidades estigmatizadas em termo étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultantes de deficiências, exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas, diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal, estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social (BRASIL, 2005, p. 33).

Nota-se que a vulnerabilidade social é exemplificada, como pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivo-relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiência, dentre outras). Destacamos a fragilidade citada e, podemos notar que ela abrange todo e qualquer sujeito, pois implica em adentrar em contextos em que está inserido, tempo e histórias de vidas. Por exemplo, o fato de ser mulher em um ambiente ou profissão predominante do sexo masculino pode favorecer questões significativas das diferenças de gêneros e a fragilidade da mulher neste contexto específico. É o reconhecimento de que a vulnerabilidade que pode ser interpretada como fragilidade, sendo tal ponto de vista da Psicanálise.

Desta forma, a fragilidade é um constructo móvel e complexo no sistema, identificando muitos fatores que representa para o sujeito: momentos e contextos de intervenção, bem como, acesso a promoção de medidas de seguranças sociais como responsabilidade pública da assistência social. Essas medidas estão relacionadas com o fortalecimento desse sujeito.

O enfoque posto neste artigo do termo vulnerabilidade traz consigo em seu movimento de construção um leque de determinantes e possibilidade de acesso, projetados aqui como políticas sociais nos territórios numa perspectiva de direitos, tomando como estratégias para a proteção para o acesso as famílias num conjunto de elementos de forma ex ante e ex post (prevenção, mitigação e superação), de recursos tagíveis e intangíveis, de estratégias de respostas, estruturas de oportunidade e unidades em análise (BRONZO, 2009).

O que está sendo argumentado é uma mudança de ótica da prática destacando as bases de apoio que são intimamente relacionadas aos recursos familiares e comunitários, oferecendo às famílias espaços de acolhida de suas vulnerabilidades, possibilidades de participação de atividades que contribuam para o seu desenvolvimento em diversas esferas, especialmente em seus territórios. Além disso, é importante destacar que os serviços públicos ofereçam esse caráter de apoio, pactuando com as famílias esse acesso sistemático e planejado, bem como, mapeando os recursos disponíveis para essa família na comunidade. Na mesma oportunidade, destaca-se que essa superação demanda apenas a responsabilização de uma instituição, mas o envolvimento do conjunto: Estado, família e sociedade.

Nesse sentido, é necessário transcender o olhar do termo vulnerabilidade, considerando as especificidades, propondo renovar as metodologias de intervenção para atender as necessidades do indivíduo e da coletividade. Isso permite rever práticas tradicionais, repensando uma abertura de novos caminhos de intervenção na comunidade, considerando seus processos históricos e sociais e contribuindo na potencialização dos sujeitos sociais. Nesse ponto de vista, Ayres (2001, p. 71) destaca que “[...] a atitude de cuidar não pode ser apenas uma pequena e subordinada tarefa parcelar das práticas de saúde. A atitude ‘cuidadora’ precisa se expandir mesmo para a totalidade das reflexões e intervenções no campo da saúde”.

O enfoque da vulnerabilidade está intimamente relacionado aos fatores de risco e de proteção, mencionados e articulados frequentemente pelas políticas sociais. Cecconello (2003) aponta a necessidade de um estudo minucioso para identificar se o sujeito está sendo resiliente ou vulnerável diante de uma situação estressante em determinado momento de sua vida, considerando seus fatores de risco e proteção em interação, ou seja: traz uma interseção entre o sujeito vulnerável com as situações de riscos, compreendendo neste movimento que o fator risco traz um potencial para tal, pontuando a singularidade e complexidade de cada termo, sendo articulados uns aos outros (CECCONELLO, 2003, p. 25-26). A autora aponta ainda, o propósito em compreender o contexto histórico-social da utilização do termo vulnerabilidade sobre estratégias de atuação. Nota-se, também, na afirmação, as avaliações da vulnerabilidade e do risco dependem de cada caso, dependem da resiliência das famílias e dos fatores de proteção associados.

Nessa síntese, nota-se a fusão das dimensões da vulnerabilidade individual, social e programática, sendo que a alternativa é o resgate da história de vida do sujeito (crenças, culturas, valores), sua convivência familiar e comunitária, suas relações sociais e institucionais, suas potencialidades e capacidades de mudanças numa perspectiva de transformação social do sujeito, no fortalecimento da função protetiva.

Sposati (2009, p. 35) entende que “atuar com vulnerabilidades significa reduzir fragilidades e capacitar potencialidades”. Isso destaca a importância de ampliar o olhar sobre a abordagem da vulnerabilidade numa perspectiva de potencialidades e capacidades de dilatar novos caminhos de superação.

A noção de vulnerabilidade tem o potencial de contribuir para a identificação de indivíduos, famílias e comunidades que, devido à menor dotação de ativos e diversificação de estratégias, estão expostas a níveis mais elevados de risco devido a mudanças significativas nos níveis sociais, políticos e econômicos que afetam suas condições de vida. . Criada dessa forma, a noção de vulnerabilidade ultrapassa, ao mesmo tempo, a dimensão da renda que tem sido tradicionalmente medida pela noção de pobreza (BUSSO, 2001, p. 23)5.

Nesse sentido, Bronzo (2008) reforça que no campo da proteção social, a vulnerabilidade e riscos são utilizados como mecanismos de análise das estratégias de superação da condição. Contudo, para entender vulnerabilidade no universo da proteção é necessário compreender a ciência do risco e sua intercessão para a construção de políticas sociais.

O termo risco ganha vários significados em sua trajetória histórica e social, adquirindo visibilidade o seu uso nas políticas sociais, caracterizado, em especial, na PNAS como “relatar apenas factos negativos e indesejáveis, e nunca fatos positivos [...] tende a ser usado para se referir, quase exclusivamente, a uma ameaça, a um acidente, a um perigo ou mal” (MENDES, 2002, p. 56).

De acordo com a PNAS, o termo risco é central para a organização dos serviços de proteção social especial para as famílias, por ocorrências de situações de violência que envolvem crianças, adolescentes, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua, adolescentes em cumprimentos de medidas socioeducativas, dentre outros. Por outro lado, a política coloca que a proteção social básica tem como propósito prevenir situações de risco, desenvolvendo nos sujeitos suas capacidades e potencialidades no território.

Pelo exposto acima e sua correlação na empregabilidade do risco na PNAS, o conceito de risco vêm sendo usado como um instrumento de poder e de disciplina/normatização dos sujeitos que demanda da assistência social. Essa disciplinalização/normatização do sujeito coloca como um desenvolvimento de corpos modelados e domesticados para seguir certas normas e padrões estabelecidos pelo neoliberalismo, em termos foucaultianos. Nos serviços titpificados, percebe-se a transferência de diversas orientações às famílias, inserindo-a num universo padrão de comportamento e, quando, essa família não adere essas orientações, é culpada e penalizada por essa situação de risco que hipoteticamente é posta.

Desta forma, afastam-se seus quadros positivos. Mendes (2002, p. 55) destaca o risco “no prazer que as pessoas sentem a jogar, a conduzir a alta velocidade, nas aventuras sexuais ou na montanha-russa de uma feira”. Para a autora, a força positiva do risco, que move as relações econômicas e o descarregamento do estresse, atinge a maioria da população e age como uma “morfina” na sociedade, mantendo a estabilidade e reforçando o processo de alienação.

Além disso, a definição de risco não pode ser relacional a acontecimentos naturais e catastróficos, incluindo também nesta discussão elementos de “efeitos colaterais sociais, econômicos e políticos desses efeitos colaterais: perdas de mercado, depreciação do capital, controles burocráticos das decisões empresariais, abertura de novos mercados, custos astronômicos, procedimentos judiciais, perde de prestígio” (BECK, 2011, p. 28).

A partir dessas premissas que, os trabalhadores que atuam na assistência social devem refletir sobre suas intervenções, não disciplinando suas percepções na interferência da vida das pessoas. Como contraponto, pensa-se que a acolhida será um mecanismo de conhecimentos de suas realidades e vivências, legitimando-as e podendo trazer melhores condições de vida aos sujeitos. Isso significa considerar que vivemos numa “sociedade de risco”. Desse modo, “o conceito de sociedade de risco expressa a acumulação de riscos- ecológicos, financeiros, militares, terroristas, bioquímicos, informacionais- que tem uma presença esmagadora hoje em nosso mundo” (BECK, 2011, p. 361).

Outra questão, a autora pontua o processo de contextualização no manejo do termo risco na política de assistência social, considerando seus fatores externos e internos para o fundamento de novas formas de conduzir a proteção social de garantia de direitos, tais como: “a pobreza, por exemplo, era considerada um fator de risco relacionado com conseqüências negativas para famílias e crianças” (CECCONELLO, 2003, p. 20-21).

Jaczura (2012) conclui que, o processo de risco não se vincula apenas a questões de perigo trazendo alternativas de refletir na implementação de políticas públicas de prevenção, como forma de minimizar a noção de risco e pela sua não existência.

Sposati (2001, p.69) defende a tese de incluir o termo risco na política de assistência social, expondo que o seu conceito não se vincula somente a situações que provocam perigo, corroborando como possibilidades da perda qualidade de vida pela ausência de uma ação preventiva. Ou seja, o termo além de carregar fatores de perigo, pode contribuir com a prevenção. Afirma ainda, que a incorporação destes termos na política de assistência social amplia o acesso da assistência social para outros públicos que não estão descritos na LOAS.

Nessa leitura, é importante analisar o conceito de risco, relacional a vulnerabilidade com a exposição do risco, como proposta decorrente de abrir os olhares e conceber novas estratégias de respostas das famílias frente às situações de riscos. Isso permite planejar ações voltadas para o enfrentamento das desigualdades sociais frente às conjunturas sociais, políticas e econômicas que somos agentes.

Contudo, os termos vulnerabilidade e risco que permeiam certa instabilidade devem ser articulados na política de assistência social, conceito que circula no discurso da Saúde Coletiva e das Ciências Sociais, compreendendo a complexidade e o conjunto de estratégias que os termos carregam para a consolidação das políticas sociais.

Considerações finais

Em nossa incursão teórica, foi possível perceber a escassez de definições sobre vulnerabilidade e risco na política de assistência social, sendo necessário, entrelaçar relações de discussão entre as Ciências da Saúde, em especial, a Saúde Coletiva para compreender o espaço em que este termo está inserido e qual significado ele vêm adquirindo no SUAS. Encontramos vários pontos-problemas deste termo na política de assistência social, tais como: o termo vulnerabilidade como sinônimo de risco. O desafio é a articulação entre o que preconiza a PNAS, o discurso científico e a demanda da comunidade. Destaca-se que, a discussão teórica não é estática e traz apontamentos para sustentar o debate, deixando ainda muitos questionamentos sobre este aspecto da pesquisa. Sabe-se que é necessário mais estudos para afirmarmos este fenômeno da realidade local, sendo necessário aprofundar outro assuntos, tais como: uma discussão mais aprofundada sobre o termo vulnerabilidade, risco e também uma correlação com a discussão do termo resiliência. Neste momento, só indicou a complexidade conceitual e como não é tratada na PNAS e, talvez por isso, apresenta contradições. Ainda, em estudos futuros, há necessidade de reflexão sobre como a PNAS é interpretada pelos profissionais na realidade de cada município.

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O que é vulnerabilidade em relação à saúde?

O termo vulnerabilidade é comumente empregado para designar suscetibilidades das pessoas a problemas e danos de saúde. Os descritores utilizados pela Bireme apresentam vulnerabilidade como o grau de suscetibilidade ou de risco a que está exposta uma população em sofrer danos por desastres naturais.

Qual a importância de conhecer e compreender o conceito de vulnerabilidade especialmente para a área de enfermagem?

A operacionalização do conceito de vulnerabilidade pode contribuir para renovar as práticas de enfermagem. Ao apresentar diferentes modelos para se discutir vulnerabilidade, entende-se que a enfermagem precisa ter instrumentos e modelos teóricos que direcionem suas práticas de pesquisa e de intervenção em saúde.

O que é vulnerabilidade profissional?

O que é vulnerabilidade no trabalho? No local de trabalho, ser vulnerável significa aceitar as próprias imperfeições e ser capaz de compartilhá-las com os outros.

O que é vulnerabilidade enfermagem?

Descriptores: Vulnerabilidad en salud; Atención de Enfermería; Poblaciones Vulnerables; Política de Salud. Vulnerabilidade deriva do latim “vulnus”, cujo significado é ferida. Assim, refere-se à possibilidade de ser ferido, tanto no aspecto físico quanto no aspecto social.

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