Qual a relação teoria e prática nas análises do serviço social na sua atuação profissional?

Introdução

Apresentamos parte dos resultados da pesquisa “Fundamentação teórico-metodológica e posicionamento ético-político no Serviço Social: a ação profissional referenciada criticamente na atualidade”1 que analisou a produção publicada no período de 2006 a 2016, em periódicos da área de Serviço Social, no Brasil.

Historicamente, o Serviço Social brasileiro consolidou um direcionamento ético-político, denominado na década de 1990 de “Projeto Ético-Político do Serviço Social”, que se expressa materialmente, na atualidade, através de um conjunto de leis, códigos e normativas profissionais - Código de Ética Profissional, Lei de Regulamentação da Profissão e Diretrizes Curriculares para a área de formação em Serviço Social. Desde então, a produção acadêmica na área de Serviço Social aumentou significativamente no país, acompanhando a ampliação da pós-graduação stricto-sensu, na área de ciências humanas e sociais. Essa condição contribuiu para a fundamentação teórico-metodológica na matéria de Serviço Social, enfatizando mediações sócio-históricas que particularizam a profissão em sua inserção na sociedade.

Nossa hipótese diretriz indica que, na construção do projeto ético-político (PEP) brasileiro (1979 a 1993), houve a ruptura com o Serviço Social tradicional2, manifestando-se um novo posicionamento político de parte das/os assistentes sociais de campo3, com a busca de novas referências teóricas para compreender e analisar as demandas e requisições postas pelas/os empregadoras/es (Eiras et al., 2019).

Na análise da produção bibliográfica da década de 1980, Eiras et al. (2019) identificaram que havia uma convergência entre as/os assistentes sociais para criar uma forma de ação, alicerçada no compromisso com as demandas postas pelo público-alvo, pelas/os usuárias/os dos serviços sociais.

Nesse sentido, nos artigos escritos por assistentes sociais de campo, observou-se a existência de diferentes nomes que designam o agir profissional propriamente dito: “intervenção”, “ação”, “trabalho”, “prática”, “atuação”, “experiência” e “práxis” profissional. Assim, adotouse na pesquisa o termo “ação profissional crítica” enquanto uma denominação genérica, que designa um novo referencial analítico (utilizado pelas/os assistentes sociais), coerente com um posicionamento ético-político comprometido com os interesses da população, do público-alvo dos serviços prestados nos diferentes equipamentos e espaços sócio-ocupacionais e com o envolvimento nos processos institucionais e sociais que visam à construção e efetivação da cidadania (Eiras et al., 2019).

Após 26 anos de vigência do PEP do Serviço Social no Brasil (1993 a 2019), e de avanços no campo crítico4, na fundamentação teórico-metodológica e ético-política que orienta o agir profissional, predomina atualmente na formação acadêmica, o entendimento da profissão a partir da categoria trabalho5, e a análise das demandas e requisições postas ao exercício profissional, que supõe a atuação das/os assistentes sociais na particularidade dos diferentes espaços sócio-ocupacionais. As concepções trabalho, atuação e exercício profissional estão presentes no Código de Ética Profissional (1993), na Lei de Regulamentação da Profissão (1993), no Projeto de formação da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social/ABEPSS (1996, 1999), e nos parâmetros para a atuação profissional, elaborados pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS).

Contudo, nas elaborações teóricas recentes, também continuam presentes as denominações: prática, experiência, intervenção (e em menor incidência, práxis) associadas ao campo crítico, ou seja, consideram, na análise da profissão, a perspectiva de historicidade, as contradições, lutas e enfrentamentos entre as classes sociais, bem como a materialidade que sustenta o conjunto das relações sociais.

Ao constatarmos essa realidade, ocorreu-nos as seguintes questões: a utilização de diferentes denominações é um recurso de redação utilizado pelas/os assistentes sociais, no emprego de sinônimos ou há uma diferença de concepção e de fundamentação teórica no uso desses termos? A opção por uma ou outra denominação afasta ou aproxima as concepções das/os autoras/es do campo teórico crítico?

Desse modo, no período de 2006 a 2016, nas revistas da área de Serviço Social6 contamos 326 artigos7, com ênfase na ação profissional, denominada pelos termos “intervenção”, “ação”, “trabalho”, “exercício”, “prática”, “atuação”, “experiência” e “práxis” profissional, identificados pelos títulos e adotados por nós, como eixos de análise. Após a leitura dos resumos, reduzimos a análise a 142 artigos, lidos em seguida, com o preenchimento de um roteiro8 previamente elaborado.

Na análise enfatizamos a relação entre o conteúdo do artigo e sua fundamentação teórica, bem como as questões referentes à concepção sobre a ação profissional. Mantivemos os artigos escritos com base no resultado de estudos ou pesquisas no âmbito da pós-graduação, lato e stricto-sensu, pois mesmo sem a referência direta a um espaço sócio-ocupacional ou a uma área de inserção profissional, tais artigos apresentavam concepções e elementos tendo em perspectiva, o agir profissional. Vejamos a tabela a seguir:

Tabela 1 Eixos analisados e áreas identificadas nos artigos. 

Qual a relação teoria e prática nas análises do serviço social na sua atuação profissional?

Fonte: artigos acadêmicos divulgados nas revistas da área de Serviço Social 2006-2016.

* Outros: não vinculação a um espaço sócio-ocupacional ou área de inserção profissional.

Assim, neste artigo apresentamos as concepções e fundamentação teórica das denominações “prática” e “experiência” profissional no Serviço Social.

Desse modo, as concepções das/os autoras/es constam, direta ou indiretamente, em 17 artigos analisados no eixo “prática profissional” (85% do número de artigos identificados no levantamento inicial) e em 13 artigos no eixo “experiência profissional” (44,8% do número de artigos identificados no levantamento inicial). Descartamos aqueles artigos cuja leitura revelou não tratarem da ação profissional da/o assistente social ou remeterem a realidade de outros países. De modo complementar, analisamos 3 teses, sendo 1 no eixo experiência e 2 no eixo prática profissional.

Analisamos as concepções presentes nos dois eixos, separadamente, e, também, a relação entre elas, verificando nos artigos com centralidade na concepção de prática se havia menção ao termo experiência, e vice-versa.

Desse modo, apresentamos no item 2, a concepção e fundamentação de prática profissional, a partir da discussão acumulada pelas/os assistentes sociais desde a década de 1970, para então tratar dos artigos e teses selecionados no eixo prática. Em seguida, analisamos a relação entre as concepções de prática e experiência profissional, para posteriormente, expor a concepção de experiência identificada no material pesquisado, e a menção dessas/es autoras/es, à concepção de prática profissional.

Ao final, a partir dos elementos expostos no item 2, respondemos às questões já indicadas nesta introdução e que nortearam nossa reflexão ao longo deste artigo.

Prática e experiência profissional: concepção e fundamentação teórico-metodológica

A prática profissional destaca-se na produção acadêmica nas décadas de 1970 e 1980, enquanto tema nas dissertações e teses dos programas de pós-graduação na área de serviço social9.

Nesse sentido, Kameyama (1998) indica a característica principal das abordagens sobre este tema, enquanto “estudos exploratórios-descritivos”. Desse modo, no período de 1975-1980, a maioria das dissertações foi elaborada por assistentes sociais que buscaram nas suas experiências, objetos empíricos, transformados em objetos de estudo.

Para a autora, na década de 1980, os modelos utilizados são orientados pela proposta de Paulo Freire, resgatando o conceito de conscientização e de intelectual orgânico de Gramsci, atribuindo à/ao assistente social a função de “organizador” da cultura. Segundo ela, a partir de 1985, resgata-se a prática do Serviço Social nas instituições, que havia sido negada no período anterior. Algumas pesquisas resgatam essas experiências e outras procuram aprofundar os estudos para compreender o significado da descentralização, municipalização e poder local, temas histórico-conjunturais, considerando o processo de lutas pela democratização no decorrer dos anos 1980.

Ao final da década de 1990 há o resgate da abordagem individual, priorizando a relação de “ajuda” em seu aspecto psicossocial e o deslocamento das pesquisas para a análise de experiências realizadas pelas/os assistentes sociais junto às prefeituras, participando do processo de descentralização, na formação de conselhos, por exemplo, e relação entre governo local/sociedade civil (Kameyama, 1998).

Destaca-se a incorporação de referências críticas ao longo das décadas de 1980 e de 1990, no âmbito dessa temática, atestada pelas problematizações, e pela crítica às referências teórico-metodológicas positivistas e funcionalistas, indicando uma busca de aprofundamento no campo teórico-metodológico, com novas perspectivas de abordagem, bem como, o afastamento das apreensões pragmáticas, de apropriação utilitarista da teoria para a prática profissional (Kameyama, 1998).

Podemos supor, que ao longo desse período, a busca de fundamentação teórica no campo crítico-marxista norteou, paulatinamente, as novas produções e, à medida em que o posicionamento ético-político do Serviço Social brasileiro foi se consolidando no campo progressista, alinhandose às lutas históricas da esquerda, as questões analisadas foram se ampliando, acompanhando a perspectiva de apreensão da profissão na totalidade social, na sociedade capitalista.

Nessa direção, Marilda Iamamoto contribuiu de modo ímpar, para a compreensão do agir profissional, ao explicitar que a “profissão é um tipo de trabalho dentro da sociedade” e essa concepção “supõe apreender a ‘prática profissional’ profundamente condicionada pelas relações entre o Estado e a sociedade civil, pelas relações entre as classes na sociedade” (Iamamoto, 1998, p. 22-23), corroborando para a superação das concepções de prática profissional restritas à relação da/o assistente social com suas/seus usuárias/os, ou ao manejo técnico-instrumental. Para a autora,

O Serviço Social é considerado como uma especialização do trabalho e a atuação do assistente social uma manifestação de seu trabalho, inscrito no âmbito da produção e reprodução da vida social. Esse rumo da análise recusa visões unilaterais, que apreendem dimensões isoladas da realidade, sejam elas de cunho economicista, politicista ou culturalista. (Iamamoto, 1998, p. 27)

No campo da pesquisa acadêmica, de acordo com Mota (2013), os aportes e as construções críticas do Serviço Social a partir dos anos 1980 -aqui consideradas tributárias do PEP- têm incidência sobre a ação profissional, porém não se restringem ao horizonte da ação direta e imediata, embora com ela mantenham uma relação de unidade, ao referenciar projetos societais que extrapolam o âmbito do Serviço Social e de qualquer outra profissão. Desse modo,

A profissão, paulatinamente, passa a responder nos planos da prática profissional, da pesquisa e da formação profissional às demandas mediatas e imediatas que lhe são postas, apreendendo novas e ricas mediações no trato dos objetos de intervenção e passando a lhes imprimir, também, o estatuto de objetos de conhecimento, o que contribuiu para sua inserção no circuito das ciências humanas e sociais, para além das ciências sociais aplicadas. (Mota, 2013, p. 21)

Desde a análise de Kameyama (1998), à análise de Mota (2013), decorreram 16 anos, indagamos, então, sobre as alterações e possíveis avanços na produção acadêmica das/os assistentes sociais na concepção de prática profissional e em que medida, os termos prática e experiência podem ser relacionados entre si.

Concepção de prática profissional e sua fundamentação teórico-metodológica

É relevante observar, que no material analisado, identificamos apenas 2 teses no banco de dados da CAPES10 que traziam em seu título o termo “prática”, uma referindo-se à área de formação em Serviço Social (docência) e outra à área de saúde mental. Já em relação aos artigos11, nos periódicos de nossa área, analisamos 17 que utilizam o termo “prática”. Dentre esses, 7 deles fundamentaram a concepção utilizada, sem referenciar-se diretamente a um espaço sócio-ocupacional concreto ou a uma área de inserção profissional. Por outro lado, em 10 artigos nos quais há essa referência direta, não há a fundamentação teórica ou conceitual do termo prática profissional, utilizado centralmente no título e no decorrer do artigo.

Desse modo, nos artigos que apresentam a concepção de prática profissional, indicando sua fundamentação, em três deles (dois escritos pelo mesmo autor), destacam-se na bibliografia que sustenta a sua concepção, o texto de Baptista (2009) e Battini (2009) e a perspectiva de unidade entre teoria e prática, incitando-se à prática, como objeto de reflexão, ponto de partida e de retorno.

Assim, Moraes (2015) explicita que utilizará prática, exercício e trabalho profissional como sinônimos e que esses conceitos são, necessariamente, constituídos pelas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Indica que é preciso “voltar a estudar a prática profissional do assistente social, compreendendo-a em uma estreita relação com a formação profissional” e a “necessidade de aproximação com diferentes variáveis inerentes à dimensão investigativa”, inclusive no exercício profissional.

Moraes (2013) defende, fundamentando-se em Battini, que a prática tem um caráter duplo, de investigação e de intervenção, que exige uma postura metodológica para garantir a unidade teoria/prática propiciando explicar as interconexões no concreto-real, para apropriar-se da particularidade dos fenômenos sociais. E sustenta a concepção de prática profissional através de Baptista (em Moraes, 2013, p. 256, nota 4), situando-a “no âmbito das relações sociais concretas de cada sociedade [que] em sua configuração, sintetiza o seu movimento histórico”, sendo parte da prática social, sem confundir-se com ela.

Nessa direção, Xavier e Mioto (2014) também fundamentam o conceito de prática profissional em Baptista, como,

Uma categoria teórica que permite compreender e explicitar a constituição e as expressões do ser social e a dinâmica social na qual se insere. [...] é resultante da especialização do trabalho coletivo, previamente determinada pela divisão sociotécnica do trabalho, situando-se no âmbito das relações sociais concretas com uma dimensão historicamente determinada, que vai se particularizar em diversos campos de trabalho vinculados ao todo social. (Xavier e Mioto, 2014, p. 356)

Xavier e Mioto (2014) ressaltam, ainda, as potencialidades da prática profissional, através da sua historicidade, da relação teoria/prática e da sua materialização no cotidiano. Em seu texto, combinam a concepção de prática com a de exercício profissional12 e, também, a concepção de trabalho concreto e abstrato, na perspectiva de Iamamoto (2008), e a condição de assalariamento das/os profissionais.

Nos outros quatro artigos, o escrito por Juncá (2012) enfatiza a concepção de prática a partir de sua unidade com a teoria, fundamentando-se em Setúbal (1995) e Pinto (1993).

Como destaca Setúbal (1995, p. 14), por mais incipientes que se apresentem, as ações interventivas, necessitam do mínimo de informações teóricas, ou seja, de conhecimentos produzidos a partir de pesquisa. Esta por sua vez se enriquece ao dialogar com as experiências sociais, ao mesmo tempo que nutre teoricamente essas experiências. (Juncá, 2012, p. 179)

Em sua concepção, a competência profissional supõe a sintonia entre o pensamento ético, crítico e estratégico (Juncá, 2012, p. 188). Nesta perspectiva, para a autora, Pinto (1993) apresenta uma importante contribuição, ao relacionar teoria e prática, e enfatizar a possibilidade de produzir conhecimentos, destacando, o

Hábito do registro sistemático do fazer cotidiano” e o esforço sistemático da teorização, “que consiste, por um lado, em tentar ver até onde a realidade vivenciada e refletida pode ser compreendida por uma postura teórica, introduzindo assim o exercício consciente da crítica à teoria; e, por outro, tentar generalizar a partir da especificidade ou particularidade do cotidiano. (Juncá, 2012, pp. 189-190)

Setúbal (2007), por sua vez, sustenta a concepção de prática profissional a partir da apropriação da teoria social, em Marx e Engels, Vázquez e Kosik, ressaltando a dimensão de transformação da realidade, própria da prática (notas de 01 a 06). Desse modo, fundamentando-se em Vasquez, distingue atos de atividade, “para que o ato se transforme em atividade faz-se necessário que, desde a sua estruturação, ele esteja articulado como elemento de um todo [...] ou de um processo total que culmina na modificação de uma matéria prima” (idem). A autora também diferencia práxis e trabalho, destacando que nem todo o trabalho se constitui em práxis.

Na concepção de Setúbal (2007), a produção do conhecimento pela via da pesquisa é o caminho que possibilita provocar no profissional o desejo de se movimentar -enquanto pesquisador e/ou profissional responsável por ações institucionais que, aparentemente, não têm responsabilidade direta de produzir conhecimento- no sentido de fazer com que o pensar e o agir possam interagir dialeticamente. Ela atribui igual importância à teoria e à prática, evitando a construção de percepções duais ou unilaterais.

O sexto artigo, fundamentando-se em Guerra, associa prática e consciência profissional crítica, em sintonia com uma formação teórica e ético-política. Assim,

no âmbito da prática profissional, a consciência exerce um papel ativo no que se refere à captação da realidade relatada pelos usuários e na projeção de alternativas que incidam no cotidiano dos sujeitos de modo a contribuir para o fortalecimento dos interesses da população usuária. [...] É na consciência que se processa a interpretação da realidade relatada e, também, se dão as mediações valorativas, práticas e teóricas, que se plasmam na intervenção profissional. É necessário ter claro que não é a consciência que muda a realidade, mas a intervenção. (Pereira, 2016, p. 207)

Afirma ainda, que a “prática profissional orientada de acordo com o PEP exige uma consciência crítica capaz de articular as diferenças de escolha e decisões valorativas entre assistentes sociais e usuários no campo da diversidade, do pluralismo, da alteridade, da capacidade humana de liberdade” (Pereira, 2016, p. 205).

No sétimo artigo a concepção de prática indica a exigência de superação da descrição das “expressões imediatas dos fenômenos que demandam ação direta e não se confunde com os efeitos e soluções que, por vezes, requerem encaminhamentos inadiáveis e pontuais, por estar em jogo a vida ou a segurança mínima dos usuários dos serviços” (Mota, 2014, p. 701).

Recorrendo à Guerra, a autora afirma que a busca das “relações entre o imediato e o mediato” possibilita ao profissional identificar “nexos, relações e mediações que viabilizam tratar os atos e situações singulares em relação à totalidade social” que exigem uma competência intelectual, que requer reflexão, estudo, pesquisa e domínio de informações sobre a realidade (Mota, 2014, p. 701). A autora indica a necessidade de:

exercitar nossa capacidade de análise da experiência profissional cotidiana, identificando: a) iniciativas que evidenciem posturas anticapitalistas; b) processos de democratização de decisões; c) conquistas e possibilidades do exercício de direitos; d) mediações pedagógicas, éticas e formativas que contribuam para a formação de consciência crítica da população usuária. Em resumo, é necessário assumir o desafio de responder cotidianamente à questão: quais aspectos da produção e reprodução da realidade foram ou poderiam ser tensionados pela ação do Serviço Social? (Mota, 2014, p. 702)

Nesses sete artigos houve a sustentação teórica em referências críticas no campo da teoria social, direta ou indiretamente, às fontes marxistas, afirmando a relação indissociável entre teoria e prática profissional e remetendo à necessidade da dimensão investigativa na prática profissional, em seu cotidiano, ou à relação entre pesquisa acadêmica e prática profissional. Essas/es autoras/es possuem o PEP como referência e horizonte da prática profissional. É importante ressaltar a ênfase na prática como ponto de partida e de retorno e o desafio de desenvolvê-la nessa complexidade, para que seja expressão de unidade com a reflexão, com a pesquisa/investigação, com a teoria. Todos os artigos utilizam sinônimos durante o texto, não se restringindo ao uso exclusivo da concepção de prática profissional, e, inclusive indicam combinações entre a concepção de prática, trabalho e exercício profissional, sendo possível, verificar essa utilização nas citações utilizadas por nós.

Na análise dos 10 artigos onde não identificamos uma sustentação teórica da concepção de prática profissional, todos eles, estão relacionados a um espaço sócio-ocupacional ou área de inserção: saúde (3); assistência (3); sociojurídico (2); educação (1); e outro que se refere à arte e Serviço Social (1).

As/os autoras/es relacionam a concepção de prática baseando-se na execução das atividades realizadas, e essas ações realizadas pelas/os profissionais possuem como referência e suporte a apreensão crítica do espaço sócio-ocupacional ou área, onde se inserem.

Assim, esses dez artigos apresentam as ações que as/os profissionais realizam, analisando-as na articulação com o PEP de modo amplo e, em suas expressões, como as legislações profissionais (Código de Ética e Lei de Regulamentação da Profissão), e os parâmetros para atuação do profissional e/ou demais legislações vigentes em cada área. Em certa medida, pela referência a um ou mais desses documentos, todos os artigos fazem menção ao PEP. Ao que parece, a referência ao PEP é a sustentação conceitual para o entendimento da prática profissional nesses artigos, uma vez que não apresentam a escolha da denominação e nem indicam sua fundamentação teórica. Além disso, em todos os artigos, foram utilizados sinônimos para a prática profissional. Exemplificamos alguns desses aspectos, na citação seguinte:

Defendemos ainda que, sob a égide desta direção que se coaduna com o horizonte de nosso projeto ético-político profissional, há que se buscar a transformação da prática profissional dos assistentes sociais no sistema penitenciário em uma intervenção positiva. Isto é, em uma intervenção que faça coro a uma luta mais ampla em prol de alterações na política criminal e penitenciária, fazendo com que ela caminhe cada vez mais na direção do “menos cárcere”, mas que, concomitantemente, possa contribuir para o combate à negatividade, objetiva e subjetiva, gerada pelo encarceramento sobre a pessoa presa. (Pires, 2013, p. 370)

É importante destacar, que nos dez artigos, a perspectiva das/os autoras/es ao retratarem a prática profissional, indica a sua compreensão no conjunto de objetivações mais amplo, seja no âmbito institucional (na política social e/ou no espaço sócio-ocupacional) e/ou no âmbito sócio-histórico, pela conexão com os movimentos e lutas sociais, reconhecendo limites e possibilidades, na relação com essa objetividade.

Para finalizar, ao analisarmos as duas teses identificadas, em uma delas, observamos um apro-fundamento na utilização do termo “prática social”, na área de saúde mental. A autora fundamenta a compreensão de prática social, argumentando que ela é “ação, atividade direcionada a certa realidade”. E sua análise “demonstra características, significados, direções e dinâmicas e a intencionalidade intrínseca expressa nos valores morais, éticos e políticos subjacentes ao agente, que é aquele que age sobre a matéria” (Rodrigues, em Fernandes, 2017, p. 85). Essa ação é “norteada tanto pelas influências do contexto social e pelas características daquilo que se apresenta para ser transformado, quanto pelo olhar do agente que definirá o objeto” (Karsz, em Fernandes, 2017, p. 85). Para a autora, as práticas sociais integram o trabalho social (mais amplo), tendo vários aspectos, como o significado do social atribuído pelas equipes, a identificação das demandas, a composição das situações atendidas e suas dinâmicas. Nos serviços de saúde mental, as demandas trazidas (econômica, jurídicas, psíquicas, entre outras) pelos usuários são a matéria-prima da prática social. Neste espaço sócio-ocupacional, ela aponta que as práticas sociais das/os profissionais devem estar embasadas pelas referências da Reforma Psiquiátrica, sempre pensando na autonomia do usuário.

Na outra tese, referente à docência na área de Serviço Social, a autora compreende a prática pedagógica através do cotidiano e da possibilidade de o indivíduo manifestar ou expressar em sua ação enquanto tal, posicionamentos que se caracterizam como microrresistências, dentro de condições objetivas (históricas, institucionais, culturais). A autora posiciona-se no campo crítico e defende a “ideia do saber múltiplo e heterogêneo” (Silva, 2018, pp. 36-37).

Assim, o “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana, o saber docente é, portanto, essencialmente heterogêneo” Tardif (Silva, 2018, pp. 36-37).

Nesse sentido, a interpretação das entrevistas realizadas com duas docentes permitiu à autora explicitar a sua perspectiva, na medida em que demonstra nas falas transcritas, o posicionamento realizado pelas docentes nas duas instituições privadas, com traços de rebeldia diante das requisições impostas, elas demonstram recriar, no ambiente pedagógico, práticas identificadas com os interesses das/os discentes, dialogando com as condições e expectativas de vida delas/es. As docentes entrevistadas também se expressam nas suas dificuldades e, pelos relatos, percebemos as situações aparentemente paradoxais, como a condição de “poder” perante as turmas para as quais lecionam e a “submissão” enquanto assalariadas perante à instituição de ensino, ou como professoras formadas em Serviço Social, diante das diretrizes da ABEPSS e das cobranças e permissividades do MEC e/ou da própria instituição de ensino. Nesses meandros, nessa “multidimensionalidade”, a autora destaca a pluralidade de conteúdos presentes nesta prática e suas nuances, limites e caminhos que são construídos dentro de tudo isso, como estratégias e táticas pedagógicas. Esse conjunto demonstra as possibilidades de microrresistência, mencionadas pela autora, enquanto uma alternativa ao cotidiano da prática docente. Nesse sentido, a tese indica essa complexidade e não reduz a prática pedagógica às técnicas utilizadas pelas docentes, ainda que as aponte. É interessante observar que as entrevistadas “compreendem a prática pedagógica como arte criativa e possível a partir das técnicas: leitura orientada, aula expositiva dialogada, grupos de tarefa, seminários e debates, tecendo junto às outras áreas do saber um potencial de formação para o exercício profissional” (Silva, 2018, p. 125).

Aproximações entre prática e experiência profissional

Dos 17 artigos analisados no item 2.1, verificamos que 9 deles (53%) utilizam o termo experiência, de modo expressivo, para referir-se à prática profissional, sendo 5 dentre os que possuem fundamentação teórica, mas não se referem diretamente a um espaço sócio-ocupacional ou área de inserção, e 4 dentre os que não indicam fundamentação teórica, mas se referem a um espaço ou área de inserção profissional.

Observamos no primeiro grupo, que a conotação dada ao termo experiência, embora reconheça o aprendizado obtido de modo experiencial, adverte para a necessidade de relacionar experiência e reflexão, e/ou análise. Ou seja, a experiência é potencializada, se compreendida à luz da análise e da reflexão, exemplificamos com a seguinte citação:

[As produções teóricas do Serviço Social] preconizam a aproximação do assistente social da prática da pesquisa, independentemente da posição em que ele se encontra na divisão social e técnica do trabalho, seja apropriando-se da experiência enriquecedora, sistematização crítica da sua prática, do restabelecimento da relação teoria-prática, a partir do agir sintetizador e unificador, mas jamais simplificador. (Setúbal, 2007, p. 69)

Por outro lado, no segundo grupo, a menção ao termo experiência teve uma conotação que valoriza o experienciado pelo profissional, como um aspecto relevante de sua prática profissional, sem isolar-se das objetivações presentes nos espaços/áreas de inserção. A experiência constituiu um aprendizado, importante para a compreensão da prática profissional, a partir do qual é possível relatar e trocar informações e conhecimento com outros profissionais. Exemplificamos com a seguinte citação:

Enfim, apresento essa vivência, ciente de que a realidade continua permeada por múltiplas determinações, permeadas de tramas e fatos conexos, mas que existem experiências profissionais de serviço social escolar positivas, que necessitam de uma pesquisa acadêmica para efetivá-las como referência. (Campos e David, 2010, p. 292)

Na análise no “eixo experiência profissional”, foram selecionados e lidos 29 artigos. No entanto, 16 artigos foram descartados, por fazerem menção ao eixo analisado somente no título ou resumo, por se tratar de experiência de outro país, ou por tratarem da experiência em outro âmbito, que não se relaciona ao exercício profissional.

Ressalta-se que 8 desses 13 artigos discutem a temática na área da saúde, 2 na de educação, 1 na de assistência social, e 2 em empresas. A predominância na área de saúde explicita certo acúmulo, tendo em vista que nenhum outro espaço ou política social teve tamanha expressão. É relevante destacar que a área de saúde continua sendo um grande espaço de inserção para o Serviço Social e os programas de residência nessa área tem sido um importante espaço de reflexão do agir profissional, desenvolvendo um papel central na produção bibliográfica.

Em nenhum dos artigos analisados as/os autoras/es explicitaram qual a concepção de “experiência” adotada por elas/es, o que, em um primeiro momento, levou a uma interpretação do sentido pretendido a partir do contexto no qual a palavra estava inserida. Passou-se então a compreender, a partir da interpretação dos artigos, a experiência como vivência profissional, o que indica uma intenção das/os autoras/es, ainda que inconsciente, no uso do termo.

Acredita-se que por não haver preocupação central das/os autores em explicar qual concepção utilizam, também não há nos artigos nenhum referencial teórico que remeta à discussão da experiência como categoria de análise.

Os artigos, a fim de referenciar teoricamente as discussões realizadas, se sustentam, em sua grande maioria, utilizando referências específicas do Serviço Social, bem como em legislações profissionais e outras gerais que norteiam e regulamentam as políticas sociais em que estes profissionais estão inseridos ou se propondo a analisar.

É importante destacar que 11 artigos fazem referência ao PEP, utilizando-se de materiais publicados pelo conjunto CFESS/CRESS em suas argumentações ou pelo uso de referências críticas publicamente reconhecidas no serviço social e nas ciências sociais, o que indica uma vinculação destes com o campo crítico.

Analisando como os artigos estavam organizados nas revistas, foi possível constatar que um desses se encontrava na sessão “relato de experiência”, o que indica e reforça a hipótese levantada da compreensão do termo como relato de situações já vividas e experimentadas pelas/os profissionais.

Durante a análise, observou-se em um dos artigos13, que a autora ao se identificar apresenta aos leitores os anos de experiência na atuação em empresas privadas, o que nos levou a supor que tal indicação pudesse garantir certo domínio sobre o tema tratado.

Em todos os 13 artigos analisados foi possível identificar trechos, os quais mais uma vez reafirmam a hipótese levantada. Nesses trechos apareciam termos como “troca de experiências”; “experimentadas”; “socialização de experiências”, “experiência no trabalho”, dentre outros.

No artigo produzido pelo CRESS Rio de Janeiro (2014), acerca da experiência da Comissão de Educação, destacamos o objetivo das comissões temáticas, “por meio da capacitação continuada, da troca de experiências e do trabalho coletivo, fortalecer o Serviço Social nos seus variados campos, comprometendo-se sempre com as lutas mais amplas das classes trabalhadoras”. No mesmo artigo, a fim de definir a relação do Serviço Social a dinâmica macrossocial, o texto aponta que “tais transformações, experimentadas no âmbito profissional, não podem ser pensadas descoladas da dinâmica da sociedade brasileira” (CRESS-RJ, 2014, p. 195).

No artigo de Giampaoli (2013), o termo é apresentado como sinônimo de vivência adquirida, como é possível constatar abaixo

Sobre as vantagens em trabalhar nas consultorias, são diversos os posicionamentos dos assistentes sociais, todos positivos, com relação à experiência que as relações de trabalho proporcionam ao profissional. Os destaques são para a experiência adquirida com a variedade de casos de atendimentos, o incentivo à capacitação demandada pelos atendimentos, a troca de experiências entre os profissionais, e, também o conhecimento diversificado das realidades empresariais. (Giampaoli, 2013, p. 19)

Percebe-se em outros artigos essa mesma direção, como no artigo de Machado (2010), que indica que “o estudo partiu da experiência de trabalho do Serviço Social numa Organização não Governamental no campo da saúde” (p. 270), bem como no de Sousa (2012), no qual a autora indica que o artigo tem por objetivo “a reflexão e análise da experiência de intervenção do Serviço Social durante a Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF)” (p. 133).

Por fim, no artigo de Faleiros (2009) constatamos sua sintonia com os apresentados anteriormente, na medida em que para o autor,

Este artigo visa contribuir para a compreensão do processo de supervisão de profissionais que atuam nos Núcleos Psicossociais da Justiça, trazendo à reflexão uma relação entre teoria e prática. Analisamos, com base em referencial teórico abaixo explicitado, uma experiência de supervisão junto a profissionais de Psicologia e Serviço Social da Central Judicial do Idoso do Distrito Federal. (Faleiros, 2009, p. 259)

Pelos trechos apresentados, constatamos que há um alinhamento entre as/os autoras/es, no que se refere ao sentido em que utilizam o termo experiência profissional.

A partir disso, a fim de buscar referências teóricas para balizar a análise acerca do eixo experiência, foi realizada a leitura da tese intitulada “Serviço Social em dois tempos: a experiência como destinatário do trabalho do assistente social e sua ressignificação quando profissional da área”, de autoria de Neusa Cavalcante Lima (2018).

A autora compreende a experiência como “categoria concreta, histórica, relacional e dinâmica” e busca em Edward Palmer Thompson, historiador marxista, os aportes teóricos necessários para a compreensão desta (Lima, 2018, p. 52).

Para a autora “a experiência é compreendida como relação social na qual o sujeito atua e faz escolhas e é determinada pelas condições da vida material e por suas configurações, segundo as regras, expectativas e os valores” (Lima, 2018, p. 12).

Para Thompson a experiência é vivida a partir de bases objetivas, sob condições concretas, sendo compreendida como uma relação “encarnada em pessoas e contextos reais” (Lima, 2018, p. 52).

Em outras palavras, a experiência é mediação entre o ser social e a consciência social, não como simples dialética, ou ponto de interação, e sim como experiência das pressões, limites e possibilidades do ser social sobre a consciência social. Dessa maneira, Thompson ressalta que a influência do ser sobre a consciência apresenta-se não em forma de relação base-estrutura, mas por meio de a) congruências, b) contradições e c) mudanças involuntárias. (Kayeem Lima, 2018, p. 54)

Lima (2018, p. 20) indica que em seu trabalho se propõe a tratar a experiência como “relação social, com determinações objetivas e históricas em seu movimento”. Para ela, a categoria experiência foi apropriada pela profissão, a partir dos anos 1970, considerando-se tanto a experiência profissional, quanto as experiências dos usuários, enquanto sujeitos que reivindicam direitos.

Segundo suas observações, considera experiência profissional como um “objeto da sistematização do que é executado nos diferentes espaços institucionais, analisado em seus êxitos, limites e constrangimentos pelas condições em que é exercida” (Lima, 2018, p. 42).

Em seu trabalho, a autora se propõe a analisar a experiência de duas mulheres que em um primeiro momento foram atendidas por assistentes sociais, cada uma em sua situação particular e posteriormente, ingressaram no curso de Serviço Social. Constata-se que a autora ao descrever a experiência dessas mulheres, entrevistadas por ela, percebe que a postura profissional é questionada por elas, a partir de suas experiências anteriores à formação em Serviço Social. Assim, a partir de uma experiência de atendimento ruim, uma das entrevistadas indica que a sua experiência posterior em um programa de residência na área saúde, possibilitou a construção de uma referência de profissão considerada como “‘verdadeiro’ Serviço Social: um Serviço Social com resolutividade” (Lima, 2018, p. 141). Observa-se, então, a centralidade da experiência para a aprendizagem dessa assistente social.

Através da perspectiva elaborada por Thompson e discutida por Lima (2018), foi-nos possível encontrar elementos teóricos que puderam confirmar a hipótese levantada acerca da compreensão sobre o termo experiência.

Por outro lado, na relação entre as concepções de experiência e prática profissional, constatou-se a referência ao termo prática em 11 dos 13 artigos analisados no eixo experiência. Termos como “tempo de prática” (Ziliotto, Foscarini & Berti, 2010), “práticas profissionais” (Sousa, 2012) e “relatar a prática profissional” (Fernandes, Mesquita & Graciano, 2012) são indicados nos artigos para definir a ação profissional do assistente social.

Já Silva e Lima (2012) discutem em seu artigo a relação teoria-prática, articulando-a com o conceito de interdisciplinaridade, sendo que este, segundo as autoras “tem por significação a ação concreta de juntar, articular diferentes conhecimentos e experiências práticas” (p. 118).

Nesse sentido, ao tratar da experiência profissional do assistente social as/os autoras/es também consideram-na como prática, como pode ser constatado no artigo de Faleiros (2009), que indica que “na prática profissional, o enfoque nos direitos permite olhar não só o horizonte da dignidade e do respeito previstos em lei, mas o caminhar da efetivação desse horizonte no cotidiano e nas relações entre os diferentes operadores de políticas sociais” (p. 263).

Outro exemplo pode ser retirado do artigo de Giampaoli (2013), que indica o “campo da prática do profissional do Serviço Social” (p. 280), como sendo o espaço onde a ação profissional é executada e também no de Ziliotto, Foscarini e Berti (2010) que remetem à prática profissional indicando que o artigo “centra-se na prática profissional do assistente social na área empresarial, especialmente em indústrias de grande porte” (p. 218).

No artigo de Machado (2010), observou-se que apesar de não constar a concepção adotada para o eixo experiência, a autora conceitua o termo prática, a partir de Vasconcelos, definindo-a como “ato e movimento. O voltar-se permanente sobre a prática contribui para ação pensada, avaliada quanto aos seus objetivos, metas, resultados, dando visibilidade ao seu desenvolvimento” (p. 284).

Percebemos que o uso dos termos prática e experiência não se reduz ao mero emprego de sinônimos, havendo uma complementariedade entre as concepções utilizadas, nos dois eixos. Nesse sentido, as/os autoras/es utilizam concepções complementares para compreender a ação profissional, combinando elementos entre si.

Considerações finais

Ao finalizar este artigo, voltamos às indagações iniciais: a utilização de diferentes denominações é um recurso de redação utilizado pelas/os assistentes sociais, no emprego de sinônimos ou há uma diferença de sentido e de fundamentação teórica no uso desses termos? A opção por uma ou outra denominação afasta ou aproxima as concepções das/os autoras/es do campo teórico crítico? Quais os avanços na produção acadêmica das/os assistentes sociais nas concepções analisadas, e em que medida, os termos prática e experiência podem ser relacionados entre si?

Constatamos na utilização de denominações diferentes, a presença de conteúdos e significados próprios para tratar da ação profissional. Há diferença de concepção entre prática e experiência, conforme evidenciamos. A concepção de prática possui um viés de articulação com a teoria, combina a necessidade de ação e investigação, remetendo à reflexão constante. A concepção de experiência conecta-se ao campo experiencial, vivencial, de aprendizagem pela ação. Mas, observamos também, quando houve a utilização dos dois termos, prática e experiência, uma relação de complementariedade, no modo como as/os autoras/es empregaram-nos, configurando uma concepção, no contexto desses artigos.

Outra constatação importante refere-se ao fato de o conjunto dos artigos indicarem o alinhamento com o PEP. Tal perspectiva evidencia-se na conexão das/os autoras/es com os debates mais amplos, no campo político progressista, de esquerda, e, também, pelo fato de remeter a análise de sua ação/inserção ao âmbito sócio-histórico e socioinstitucional, além da defesa dos interesses das/os usuárias/os dos serviços sociais.

Desse modo, o alinhamento ético-político conecta-se à compreensão teórico-metodológica no campo crítico, na análise do agir profissional. Ou seja, esse alinhamento evidencia também a incorporação da perspectiva de historicidade, objetividade, bem como a necessidade de compreender a profissão no âmbito das relações sociais, promovendo uma convergência no conteúdo analítico, quando se referem ao agir profissional, seja como prática ou como experiência. Isso indica que houve uma superação das concepções de prática e experiência profissional fundamentadas nas matrizes de pensamento positivista e funcionalista, evidenciada pela relação dialética entre teoria e prática/experiência e pela busca de aprofundamento teórico para o seu entendimento.

Ao que parece, a concepção de prática e experiência profissional foi enriquecida pelos debates na profissão, a partir da compreensão da inserção social e técnica do Serviço Social na sociedade capitalista e, também, pelo entendimento dos determinantes objetivos presentes no trabalho profissional (assalariamento, autonomia relativa, requisições e demandas postas para a/o assistente social), conteúdos presentes na argumentação utilizada pelas/os autores. Uma explicação para isso está no fato de a produção acadêmica ter avançado nessa direção, com a contribuição significativa de Iamamoto, no campo da teoria social marxista.

Contudo, é relevante observar que o desenvolvimento da ação profissional propriamente dita, ainda que seja indicada nos artigos, é pouco explorada no sentido de expressar o conteúdo do aprendizado profissional na relação com os espaços sócio-ocupacionais, que certamente envolve requisições institucionais, demandas dos usuários (ou público-alvo) e estratégias profissionais. Nos artigos analisados, enfatiza-se a discussão bibliográfica e as legislações, tangenciando alguns aspectos desse processo e dessa ação, mas ela não é central em nenhum dos artigos.

A finalização dessa etapa da pesquisa incita novas indagações. Em que medida, a compreensão do agir profissional, na perspectiva dessa unidade entre ação e reflexão, investigação e retroalimentação da ação, possibilita avançar na elaboração de mediações teóricas, na produção acadêmica, em um diálogo estreito com as questões que inquietam as/os profissionais, inclusive no manejo técnico-instrumental, que envolve a relação direta com os sujeitos atendidos, usuárias/os dos serviços sociais?

Segundo Santos (2010), no Serviço Social, “a passagem da teoria à prática profissional requer uma consciência da finalidade da ação profissional, dos resultados que [os profissionais] pretendem alcançar idealmente” (p. 50). Assim, a teoria possibilita pensar sobre os conteúdos e significados presentes na ação profissional, “mas esse conhecimento não se traduz, de forma imediata, em instrumentos no sentido técnico-operativo” (Santos, 2010, p. 85).

Entendemos que a dialética ação/reflexão, destacada pelas/os autoras/es, incita-nos a iniciar do ponto onde nos encontramos em nossa inserção profissional, no qual acumulamos “práticas”, “experiências”, “fazeres”, “vivências”, transformando-as em solo propício para análise e reflexão, capaz de produzir informações, dados, conhecimento, estimulando outras produções e aprendizados, inclusive no âmbito técnico-operativo.

Percebemos que há um número significativo de profissionais trabalhando na linha de frente das políticas sociais, construindo potencialmente, um aprendizado em nossa área, tendo como norte o PEP, e que podem contribuir nesse esforço analítico para avançarmos ainda mais, na fundamentação teórico-metodológica no âmbito da ação profissional.

Desse modo, todas/os nós temos algo a compartilhar, trazendo para o núcleo das sistematizações e/ou elaborações teóricas o nosso aprendizado, expondo nossas referências ao debate para fortalecer essa formação continuada de todas/os, no Serviço Social.

Referências

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Qual a relação entre teoria e prática no Serviço Social?

Pensar a relação entre teoria e prática no Serviço Social remete-nos a discutir sua compreensão no âmbito do exercício e da formação profissional. Alguns equívocos sobre essa relação entendem a prática como exclusiva da intervenção profissional e a teoria como algo específico do âmbito acadêmico.

Qual a relação entre a pesquisa em Serviço Social e o exercício da prática profissional?

A principal contribuição da pesquisa para o serviço social seria propiciar a construção de tipologias, de diagnósticos e tratamento mediante a conversão do conhecimento das ciências sociais em princípios para o exercício da prática profissional.

Quais as teorias influenciaram a profissão do Serviço Social?

Destaca-se que tanto o Método Dialético-Crítico como a Teoria Marxista são transversais à formação profissional em Serviço Social e a esse artigo, que discute alguns aspectos da sociedade capitalista e seus rebatimentos na profissão e na população brasileira.

Qual a importância da teoria social crítica no trabalho profissional?

Através deste Serviço Social crítico, que o Projeto Ético Político Profissional pôde se consolidar e se legitimar dentro da atuação profissional de cunho também crítico, tendo em vista a Lei que Regulamenta a Profissão (n◦ 8.662/93), as Novas Diretrizes Curriculares de 2001 e Código de Ética de 1993.