Qual é a relação entre o título e o conteúdo do poema O que diferencia o poema do documento a que alude?

Este artigo resulta de uma colagem algo abrupta de duas partes muito distintas entre si, mas pertencentes a um mesmo - ainda que heter�clito - contexto: a obra do poeta e artista pl�stico Jorge de Lima. A primeira parte consiste no texto lido no �1� Col�quio Internacional sobre o Livro e a Imagem� (Ouro Preto, 04/10/2001), texto que visava uma breve descri��o de conjunto do pouco estudado livro de fotomontagens de Jorge de Lima A pintura em p�nico. Esta descri��o, no entanto, est� mais voltada para o entendimento do procedimento pl�stico-textual da fotomontagem do que para o praticamente ausente coment�rio direto sobre uma ou mais fotomontagens limianas. A segunda parte j� se volta para uma linguagem art�stica constitu�da apenas pela palavra: a poesia, mas para pesquisar nela - ou mais precisamente em um dos livros de Jorge de Lima: A T�nica Incons�til - um procedimento an�logo ao da fotomontagem: a colagem como processo de constru��o da imagem po�tica. O car�ter abrupto da colagem destas duas diferentes partes n�o �, por�m, um mimetismo planejado do objeto mesmo de estudo, mas uma conting�ncia que revela - na pressa algo desesperada do n�o-especialista - o enorme vazio a ser coberto por outros e mais cuidadosos estudos.

A) A pintura em p�nico: um livro de fotomontagens de Jorge de Lima

O interesse por este livro de Jorge de Lima se deve ao fato de ser ele testemunho de um trabalho pioneiro - no g�nero - no Brasil, al�m de ser certamente - como sugeriu com justeza F�bio de Souza Andrade (ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p. 49) - o trabalho mais significativo de Jorge de Lima no campo das artes pl�sticas. Ana Maria Paulino - em Jorge de Lima / Col. Artistas Brasileiros - estudou sobretudo a sua pintura, apesar de haver escrito tamb�m um ensaio (�Jorge de Lima : a re-vela��o da imagem�) sobre as fotomontagens de Jorge de Lima pertencentes ao acervo de M�rio de Andrade e editadas por ela em um livro intitulado O poeta ins�lito: Fotomontagens de Jorge de Lima. O livro A pintura em p�nico, no entanto, nunca foi objeto de um estudo direto, se excetuarmos o luminoso texto cr�tico de Murilo Mendes (�Nota liminar�) que j� faz parte dele mesmo.

A obra (ou obras) de arte em quest�o se d� (ou se d�o) na forma de um livro, mas precisemos: um livro de fotomontagens (precedidas por uma �Nota liminar�), intitulado A pintura em p�nico e assinado por Jorge de Lima. O livro cont�m informa��o do local e data da publica��o: Rio de Janeiro, 1943, e, ainda, do n�mero de exemplares impressos: 250, �numerados de 1 a 250 e rubricados pelo autor.� O exemplar consultado est� numerado � m�o (n�mero 81), dedicado a Rodrigo Melo Franco de Andrade, datado (16-8-43) e assinado por Jorge de Lima. A quest�o elementar sobre o que � este livro de fotomontagens ganhar� aqui uma primeira formula��o por meio da cita��o de uma passagem do par�grafo final do j� citado ensaio �Jorge de Lima: a re-vela��o da imagem� de Ana Maria Paulino: �Diante dos muitos caminhos que atraem a an�lise, surgir�o sempre interroga��es, muitas talvez sem resposta. A mais simples �, quem sabe, indagar se as colagens teriam sido elaboradas com o intuito de, obedecendo a uma determinada seq��ncia, compor uma narrativa surrealista.� (PAULINO, Ana Maria: 1987, p. 48). A quest�o, transposta para A pintura em p�nico, sobre a poss�vel seq��ncia narrativa do conjunto de colagens ganha ainda uma qualifica��o (�narrativa surrealista�) que pode justificar a escolha, de algum modo �bvia, do modelo que, ao longo deste ensaio, nos servir� de compara��o: Max Ernst. [1]

Tentemos, pois, examinar os tipos de narrativa que constituem os tr�s livros de fotomontagens de Max Ernst : La femme 100 t�tes (1928), R�ve d�une petite fille qui voulut entrer au Carmel (1930) e Une semaine de bont� ou les sept �l�ments capitaux (1934). Uma m�nima seq��ncia narrativa, comum aos tr�s livros, parece bem indicada pela organiza��o do material em cap�tulos seq�enciados. Mas � bem diferenciado o modo como funcionam estes cap�tulos e o material neles contido. R�ve d�une petite fille qui voulut entrer au Carmel � introduzido por uma pequena narrativa escrita (encimada pela colagem �L�Acad�mie des Sciences�) que, delineando personagens e est�ria, nos lan�a claramente numa par�dia cruel e violenta da est�ria da vida de Santa Teresinha (Ther�se de Lisieux). Os quatro cap�tulos numerados em seq��ncia t�m t�tulos (�I- La t�n�breuse�, �II- La chevelure�, �III- Le couteau�, �IV- Le celeste fianc�) que organizam tematicamente as fotomontagens que s�o, por sua vez, todas acompanhadas de legendas que, mais ou menos longas, se encadeiam como frases ou epis�dios de uma bem vis�vel sintaxe narrativa. Une semaine de bont� ou les sept �l�ments capitaux tem em cada cap�tulo um �caderno� ou um bloco de fotomontagens organizado tematicamente segundo um complexo formado por um dia da semana (o primeiro � �domingo�), um elemento (o primeiro � �a lama�) e um exemplo (o primeiro � �o le�o de Belfort�), seguidos por uma ep�grafe tamb�m tematicamente conexa. As fotomontagens, no entanto, n�o s�o legendadas e parecem constituir situa��es - mas n�o necessariamente seq�enciadas em narrativa - que concretizam em imagem o dia da semana, o elemento e o exemplo. J� La femme 100 t�tes est� organizado em nove cap�tulos numerados em seq��ncia, mas sem t�tulos ou temas vis�veis, sendo todas as fotomontagens legendadas e algumas delas formando blocos indicados por legendas que constituem peda�os de uma �nica frase (ou por frases numeradas que se repetem). Apesar de algumas personagens recorrentes como �A mulher Cem Cabe�as� ou �Lop-lop a andorinha�, � muito dif�cil, ap�s �lido� o livro, reconstituir a �est�ria� que foi contada ou mesmo afirmar sem hesita��es que houvesse uma �est�ria� central enfeixando v�rias. Talvez seja a uma tal �est�ria� que melhor caiba a denomina��o de �surrealista�.

A pintura em p�nico, diferentemente dos livros de Max Ernst, n�o est� organizada em cap�tulos seq�enciados e tem apenas um bloco narrativo (m�nimo) de fotomontagens: a segunda e a terceira, indicado pelas legendas que formam uma frase continuada. Apesar de algumas fotomontagens poderem ser tematicamente associ�veis, n�o h� nenhuma marca formal organizando os poss�veis blocos. N�o h� tamb�m nenhuma personagem recorrente atravessando o conjunto e constituindo por si um fio qualquer. Um signo externo que confirma a inexist�ncia de uma seq��ncia narrativa � o fato de as p�ginas n�o estarem numeradas. Pensamos que imaginar uma est�ria, mesmo desconexa, seria neste caso trair a natureza do material que se apresenta antes como uma cole��o de fotomontagens legendadas onde cada qual constitui uma totalidade e guarda, portanto, sua autonomia. Se o que unifica a cole��o � apenas um estilo reconhec�vel de montar e legendar, este livro de fotomontagens funciona como um livro de poemas aut�nomos em que se reconhece por�m uma autoria �nica atrav�s da maneira de compor. A absoluta autonomia destas fotomontagens permite, assim, pensar na inexist�ncia de uma ordem necess�ria de leitura ou em uma ordem aleat�ria e maravilhosa que - como diz Andr� Breton no pref�cio a (�Avis au lecteur pour�) La femme 100 t�tes - �salta as p�ginas como uma menina salta corda (...).� (BRETON, Andr�: 1992, p. 304).

Esta primeira abordagem da quest�o sobre o que � este livro de fotomontagens de Jorge de Lima nos permitiu ver a inexist�ncia de uma seq��ncia narrativa que as estruture. Resta, contudo, investigar que tipo de unidade podem constituir n�o s� a cole��o de fotomontagens legendadas mas ainda um t�tulo que as nomeia e uma �nota liminar� contendo um texto cr�tico de Murilo Mendes. Tentaremos, portanto, comentar na seq��ncia - guardando sempre uma perspectiva de conjunto - o que s�o estas fotomontagens, o tipo de rela��o entre fotomontagem e legenda em A pintura em p�nico, a rela��o entre o t�tulo do livro e as fotomontagens e, enfim, a �nota liminar� de Murilo Mendes.

A1a) As fotomontagens

O material e o procedimento da fotomontagem, tais como utilizados por Jorge de Lima, s�o apresentados de maneira an�loga por M�rio de Andrade e Murilo Mendes. M�rio de Andrade diz: �Consiste apenas na gente se munir de um bom n�mero de revistas e livros com fotografias, recortar figuras e reorganiz�-las numa composi��o nova que a gente fotografa ou manda fotografar�. (ANDRADE, M�rio de: 1987, p. 9). Enquanto Murilo Mendes nota: �Seus elementos de organiza��o s�o pobres e simples: figuras recortadas de velhas revistas, gravuras imprest�veis; uma tesoura e goma ar�bica.� (MENDES, Murilo: 1943, s.p.). � importante observar que se fotografias podem fazer parte do material recort�vel, elas n�o s�o a� exclusivas, sendo, pelo contr�rio, mais comuns as gravuras; mas cada conjunto novo ou colagem ser� - uma vez definido - fotografado, justificando o nome deste modo (diferentemente, por exemplo, de uma fotomontagem de Man Ray, Rodtchenko ou Moholy-Nagy que parte apenas de elementos fotogr�ficos). O espectador n�o pode, pois - como quando contempla um quadro com collages de Picasso, Braque, Schwitters ou Max Ernst -, se certificar da textura original da fotomontagem, o que nos leva a suspeitar que, em algumas das fotomontagens de Jorge de Lima (como �Caim e Abel� e �A inven��o da pol�cia�), pudesse tamb�m ter participado o desenho [2]. De qualquer modo, a fotografia, sempre presente na fase final da elabora��o, garante a reprodutibilidade da imagem e sua poss�vel divulga��o em massa, o car�ter �nico do original deixando aqui de ter sentido. A esta democratiza��o da recep��o poderia corresponder a da pr�pria cria��o que, ao partir de imagens j� existentes, n�o exigiria nenhuma destreza pl�stica manual espec�fica. No entanto - ainda que aparentemente f�cil enquanto processo -, o poder art�stico do resultado depender� da capacidade de escolher e combinar as imagens. Ora, se as possibilidades de escolha e combina��o s�o em princ�pio ilimitadas, seria preciso dizer que o poder pl�stico singular de Jorge de Lima se inscreve em uma tradi��o combinat�ria que, com Max Ernst, praticamente inventou esta linguagem imag�tica: o surrealismo. Para esta tradi��o o coeficiente de �beleza� depender� da dist�ncia ou disparidade entre os elementos fortuitamente aproximados em um plano (ou contexto) que em princ�pio tamb�m n�o lhes � pertinente. � Max Ernst quem o evidencia em sua conhecida defini��o do mecanismo da colagem: �(...) a explora��o do encontro fortuito de duas realidades distantes em um plano n�o pertinente (que isto seja dito parafraseando e generalizando a c�lebre frase de Lautr�amont: Belo como o encontro fortuito sobre uma mesa de disseca��o de uma m�quina de costura e de um guarda-chuva) ou, para usar um termo mais curto, a cultura dos efeitos de um estranhamento sistem�tico segundo a tese de Andr� Breton: �A surrealidade ser� ali�s fun��o de nossa vontade de estranhamento em rela��o a tudo(...).� � (ERNST, Max: 1970, p. 253-254). No registro das artes pl�sticas, este efeito de �estranhamento� (d�paysement) lembra aquele causado pela atmosfera enigm�tica dos quadros do primeiro De Chirico, influ�ncia confessa nas colagens de Max Ernst e que ser� tamb�m apropriado, na chave religiosa que lhe � pr�pria, por Jorge de Lima. Se quis�ssemos agora explicitar a import�ncia do car�ter fortuito deste encontro entre imagens d�spares, seria �til citar ainda uma outra defini��o da colagem por Max Ernst : �Poder-se-ia definir a colagem como um composto alqu�mico de dois ou v�rios elementos heterog�neos, resultando de sua aproxima��o inesperada, devida, seja a uma vontade dirigida (...) para a confus�o sistem�tica e o desregramento de todos os sentidos (Rimbaud), seja ao acaso ou a uma vontade favorizando o acaso.� (ERNST, Max: 1970, p. 262). Max Ernst - ap�s lembrar que entende �acaso� no sentido que lhe foi dado por David Hume, isto �: como �o equivalente da ignor�ncia na qual nos encontramos em rela��o �s causas reais dos acontecimentos� - dir� ainda que �o acaso � tamb�m (...) o mestre do humor e, conseq�entemente, em uma �poca que n�o � rosa, na �poca em que vivemos, onde uma bela a��o consiste em se fazer arrancar os dois bra�os em um combate, o mestre do humor que n�o � rosa, do humor negro.�(ERNST, Max: 1970, p. 263). � quase sup�rfluo lembrar que A pintura em p�nico foi publicado em 1943 e que suas fotomontagens foram em sua maioria compostas nos tr�s ou quatro anos imediatamente anteriores, ou seja: em plena 2a. Grande Guerra. Talvez menos observado seja o fato de que em v�rias das fotomontagens (como, por exemplo, �Ser� revelado no final dos tempos�, �A paz das fam�lias�, �A poesia de uns depende da asfixia de outros� e �A poesia abandona a ci�ncia � sua pr�pria sorte�) est� presente um elemento relativamente raro na poesia grave e desesperada da maturidade de Jorge de Lima (isto �, a partir d� A T�nica Incons�til): o humor negro.

Poder�amos, por�m, colocar em quest�o a �nfase dada por Max Ernst ao car�ter fortuito (como se � revelia do artista) deste encontro entre imagens d�spares, se nos lembr�ssemos que o artista, mesmo quando n�o projeta, exerce um m�nimo controle consciente sobre o resultado final de sua conjun��o de elementos heterog�neos, podendo manipul�-la, modific�-la ou mesmo destru�-la e iniciar outra s�rie. Semelhantemente o irracional, tido por Max Ernst como a mais nobre conquista da colagem (cf. ERNST, Max: 1970, p. 264), n�o ser� livremente um qualquer, mas guardar� tra�os estruturais do sujeito que faz a sele��o das imagens e sua combina��o na antes inexistente unidade. Como disse M�rio de Andrade: �Dentro de uma centena de imagens recortadas que estejam � nossa disposi��o, dois temperamentos diversos fatalmente escolher�o as imagens que lhes s�o mais gratas, descobrir�o combina��es diferentes, movidas pelas suas verdades e instintos.� (ANDRADE, M�rio de: 1987, p. 9). Mas � poss�vel, mesmo assim, abandonar ao acaso justamente o territ�rio de experi�ncias pl�sticas cujo m�todo � o mero testar de recortes e combina��es sem nenhum planejamento pr�vio (ainda que o material e os instrumentos j� estejam determinados). O dispor-se a tais testes, enquanto ocasi�o favor�vel para o acaso se manifestar, coincide com o aspecto de jogo ou brincadeira das fotomontagens tal como sublinhado por M�rio de Andrade no come�o de seu j� citado artigo. Este aspecto l�dico permeia muito dos experimentos surrealistas (como o �Cadavre exquis� ou a escrita autom�tica) e, antes mesmo disto, v�rios procedimentos de colagem dos primeiros dada�stas, entre os quais, como se sabe, Max Ernst come�ou e foi muito comum a colagem pl�stica (cf. a cita��o de La peinture au d�fi de Aragon in ERNST, Max: 1970, p. 252). N�o deixa, por outro lado, de ser significativa a coincid�ncia - no plano biogr�fico de Jorge de Lima - entre as primeiras grandes crises depressivas e o come�o das experi�ncias com as fotomontagens (e mais largamente tamb�m com a pintura) no fim dos anos 30, como se, por seu car�ter l�dico, as artes pl�sticas - e, mais particularmente, as fotomontagens - pudessem ter uma fun��o terap�utica. (cf. �Arte-terapia� in PAULINO, Ana Maria: 1995, p. 62-67).

A1b) A rela��o entre fotomontagem e legenda

Na conclus�o do retrato-rel�mpago de Max Ernst, Murilo Mendes homenageia mimeticamente a habilidade po�tica do artista pl�stico na inven��o dos t�tulos de suas obras, inventando - ele, Murilo - t�tulos ernstianos para quadros imagin�rios do artista, ainda que inspirados em quadros reais [3]. O pr�prio Max Ernst, consciente do poder po�tico de seus t�tulos, reuniu alguns deles em uma esp�cie de cat�logo intitulado pela pergunta: �Quais s�o as colagens de Max Ernst cuja nomenclatura cada crian�a digna deste nome deve saber de cor?� (ERNST, Max: 1970, p. 259-262). Assim como o exerc�cio muriliano, esta tentativa de Max Ernst evidencia a poss�vel autonomia do t�tulo e faz pensar o collage como um �poema duplo� ou seja, como uma colagem final entre dois elementos heterog�neos: o collage pl�stico e a legenda discursiva (que, em muitos casos, tamb�m � composta por uma colagem). E - ainda que seja poss�vel estabelecer rela��es entre elementos da imagem e do texto - seria, segundo M�rcia Arbex, �in�til recorrer � imagem para clarificar o sentido global da inscri��o, e vice-versa�, pois �o que predomina na legenda � o estilha�amento do sentido, como se se tratasse apenas de dar significa��es parciais.� (ARBEX, M�rcia: 1999, p.87) [4]. Para nos aproximarmos comparativamente de nosso objeto: o livro de fotomontagens de Jorge de Lima, dever�amos, no entanto, nos concentrar tamb�m nos tr�s livros de fotomontagens de Max Ernst. Em Une semaine de bont� (ou les sept �l�ments capitaux), n�o h� legendas e o texto consiste - como vimos -, al�m das cita��es em ep�grafe, na indica��o preliminar do dia, do elemento e do exemplo que definem cada bloco ou cap�tulo. Em R�ve d'une petite fille qui voulut entrer au Carmel, aberto por uma narrativa n�o ilustrada, as legendas - que muitas vezes se encadeiam em uma longa frase - constituem pequenos epis�dios narrativos apresentados em vocabul�rio e sintaxe tradicionais, mesmo se o conte�do � transgressivo, epis�dios que est�o n�o s� conectados entre si pelo fio maior da est�ria como tamb�m com as respectivas imagens em uma rela��o de apresenta��o quase sempre vis�vel (ainda que com poss�veis deslocamentos). Apenas em La femme 100 t�tes - cuja narrativa entrecortada (e �s vezes desconexa) est� ainda organizada em cap�tulos em torno de personagens recorrentes - encontramos legendas que, embora guardando muitas vezes uma rela��o evidente com as respectivas imagens, podem, devido � sua radical inventividade po�tica, ser consideradas autonomamente como m�ximas ou versos isolados e ins�litos. Murilo Mendes cita, por exemplo, �A tranq�ilidade dos assassinatos antigos�, a que poder�amos acrescentar outras como �� mais tenra juventude, extrema un��o� ou �Estridula��es dos fantasmas do domingo�. Tamb�m com rela��o �s legendas - que jamais apresentam o grau de desenvolvimento narrativo das do R�ve d'une petite fille qui voulut entrer au Carmel - � com La femme 100 t�tes que A pintura em p�nico mais se aparenta. Mas as diferen�as s�o grandes. Notemos, antes de mais nada, que - se a 2a. e a 3a. fotomontagens de Jorge de Lima, enquanto bloco m�nimo, apresentam legendas formando uma s� frase continuada (processo comum em R�ve d'une petite fille qui voulut entrer au Carmel e presente tamb�m em La femme 100 t�tes) - a primeira fotomontagem tem como legenda uma longa cita��o de Henri Michaux, em uma jun��o que jamais ocorre assim nos livros de Max Ernst. A diferen�a mais significativa, por�m, est� no fato de que seria imposs�vel fazer, a partir do livro de Jorge de Lima, um cat�logo de legendas que, por seu poder po�tico, pudessem funcionar autonomamente, mesmo se uma pequena minoria delas a isto se prestasse sem problemas (como, por exemplo, �A poesia abandona a ci�ncia � sua pr�pria sorte�, �Pois sempre desej�vamos a paz, a paz branca sobre um saturno di�rio� e �Ah! fui precipitado quando quis fundir as coisas numa s�!�, todas elas marcadamente limianas). Pois a maioria delas � relativamente prosaica e s� adquire um sentido surpreendente (e muitas vezes ir�nico) ao iluminarem discursivamente e por contraste uma imagem ou cena monstruosa e incongruente (como, por ex., �A paz das fam�lias� ou �O criminoso lega sua impress�o digital�). Seria �til, ent�o, precisar que - nas fotomontagens de Jorge de Lima (e, de algum modo, tamb�m naquelas legendadas dos livros de Max Ernst) - mesmo o contraste e o deslocamento ir�nicos, enquanto necessariamente modos de rela��o entre legenda e imagem, atuam como indicativos ou guias de uma leitura cujo sentido s� se forma na s�bita fa�sca da unidade resultante da colagem entre imagem e legenda. Embora o sentido desta leitura n�o seja banalmente determin�vel como o de uma mensagem no fotojornalismo, fotomontagem e legenda em Jorge de Lima se referem manifestamente e mesmo se demandam um ao outro no ato da recep��o, e, nos poucos casos em que coubesse pensar na autonomia po�tica da legenda ou pl�stica da imagem, o que se perderia com a abstra��o de um dos elementos � precisamente a rela��o entre eles, ou seja: a nova unidade ou conjunto formado por sua jun��o - a obra de arte enquanto tal.

A2) O t�tulo do livro (e o conjunto das fotomontagens)

N�o � propriamente herm�tica a rela��o que os t�tulos dos tr�s livros de Max Ernst mant�m respectivamente com os conjuntos das fotomontagens que eles nomeiam. R�ve d'une petite fille qui voulut entrer au Carmel resume mimeticamente em um sintagma longo e narrativo a est�ria que ser� contada por meio da relativamente longa narrativa introdut�ria e por fotomontagens acompanhadas de legendas que funcionam como pequenos epis�dios. Une semaine de bont� (ou les sept �l�ments capitaux) antecipa enquanto t�tulo a organiza��o do livro em sete blocos correspondentes aos sete dias da semana e ainda aos sete elementos capitais escolhidos pelo autor. La femme 100 t�tes alude - sob a forma do �jeu de mots� sinalizando a ambig�idade entre a aus�ncia e a multiplicidade - � personagem que atravessa e protagoniza a seq��ncia narrativa. Se, como vimos, A pintura em p�nico n�o constitui uma narrativa e cada fotomontagem funciona como uma unidade aut�noma, ser� preciso estabelecer de outro modo a rela��o entre o t�tulo e o conjunto das fotomontagens. Murilo Mendes, na �Nota liminar�, abre um caminho � interpreta��o do t�tulo, quando diz: �O p�nico � muitas vezes necess�rio para se chegar � organiza��o.� Pouco antes, ao abrir esta �Nota�, Murilo Mendes registrava o princ�pio de composi��o das fotomontagens (e o seu precursor liter�rio): �O conselho veio de Rimbaud: desarticular os elementos.� E em seguida, complementava dialeticamente: �Em �ltima an�lise, essa desarticula��o dos elementos resulta em articula��o.� (MENDES, Murilo: 1943, s. p.). O p�nico, portanto, parece coincidir, enquanto imagem an�mica, com esta desarticula��o dos elementos. Sabe-se, por outro lado, que este t�tulo retoma, modificando-o, o t�tulo do livro de poemas A poesia em p�nico (1936-1937) de Murilo Mendes, cuja primeira edi��o trazia estampada na capa a fotomontagem de mesmo t�tulo de Jorge de Lima. Ora - diferentemente do livro de poemas de Murilo, em que o objeto da desarticula��o � a pr�pria poesia - no livro de fotomontagens de Jorge de Lima o objeto da desarticula��o (/rearticula��o) n�o � exatamente a pintura mas basicamente gravuras e fotos reproduzidas em revistas, ou seja: imagens por natureza reprodut�veis que constituem meios de express�o cujo estatuto art�stico � considerado tradicionalmente inferior ao da pintura. Caberia ent�o perguntar - admitindo j� uma ambig�idade no t�tulo e em uma chave de leitura diversa da de Murilo Mendes - se o p�nico da pintura n�o viria da aparente facilidade material e t�cnica, mas n�o necessariamente inferior qualidade art�stica do novo meio de express�o (como ironicamente parece comprovar o pr�prio caso do artista Jorge de Lima).

A3) A �Nota liminar� de Murilo Mendes

N�o podemos, enfim, deixar de considerar como parte org�nica deste livro o conjunto de aforismas com que Murilo Mendes abre e, de algum modo, orienta a �leitura� das fotomontagens. Sabe-se que Jorge de Lima e Murilo Mendes foram parceiros na autoria do livro de poemas Tempo e eternidade (1935), mesmo se posteriormente os poemas foram discriminados e sua autoria individual, restitu�da (cf. ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p. 35-36). Em A pintura em p�nico, no entanto, a colabora��o respeita a individualidade de cada um dos dois autores, que se exprimem em dois g�neros claramente diferenciados em que cada um dos dois poetas se �especializaria�: as fotomontagens de Jorge de Lima e a cr�tica de arte de Murilo Mendes [5]. � certo que neste livro o conjunto das fotomontagens parece sem d�vida preceder, em estatuto e cronologia, o que seria apenas um coment�rio cr�tico posterior � obra de arte propriamente dita. Mas, neste caso, dada a alta qualidade po�tica desta prosa cr�tica, talvez devessemos desconfiar da hierarquia tradicional dos g�neros e reconhecer, por um instante, a possibilidade da cr�tica aceder ao estatuto de obra de arte. A qualidade art�stica da cr�tica, coincidindo com o seu poder de iluminar o objeto, � �ndice tamb�m da sua empatia ou identifica��o com ele. Como j� foi observado por Murilo Marcondes de Moura, esta nota liminar �fornece informa��es muito claras sobre a import�ncia� da t�cnica da fotomontagem para a poesia do pr�prio Murilo Mendes (cf. MOURA, Murilo Marcondes de: 1995, p.29) [6], ou seja: ela funciona, em certos aspectos decisivos, como uma esp�cie de po�tica travestida do pr�prio autor e pode, assim, semelhantemente �s legendas de Max Ernst, ganhar autonomia em rela��o �s fotomontagens de Jorge de Lima. No plano maior do livro, a unidade final seria, pois, resultado de uma colagem entre dois autores e tamb�m entre dois g�neros d�spares : as fotomontagens de Jorge de Lima e o texto cr�tico de Murilo Mendes. Este �ltimo, incorporado hoje definitivamente � obra, operaria como uma macro e multifacetada legenda para o conjunto, ele tamb�m m�ltiplo, das fotomontagens.

B) A colagem como procedimento po�tico em A T�nica Incons�til

Jorge de Lima disse em 1945 sobre sua pintura: �J� disse e repito: minha pintura, deficiente, imperfeita, autodidata � t�o-somente um complemento de minha poesia.� (LIMA, Jorge de: 1958, p.79). Menos do que o prov�vel acerto desta avalia��o, o que gostar�amos de notar � que as fotomontagens - surpreendente exce��o na obra pl�stica de Jorge de Lima - n�o foram a� citadas. Curiosamente elas n�o s� mant�m uma estatura est�tica aut�noma e independente de sua poesia, como podem ser consideradas como um experimento que, longe de ser �t�o-somente um complemento�, forneceu � poesia limiana um princ�pio fundamental de constru��o da imagem: a montagem (ou, categoria mais ampla, a colagem). O estudo deste procedimento na poesia de Jorge de Lima pode certamente tirar partido de uma investiga��o dos princ�pios construtivos das fotomontagens, mas talvez seja poss�vel tamb�m, a partir do estudo da montagem da imagem po�tica limiana, iluminar retrospectivamente algo da po�tica e da vis�o de mundo limianas presente tamb�m nas fotomontagens.

Para esta breve tentativa ser� feita a escolha de um momento da poesia de Jorge de Lima contempor�neo �s suas primeiras experi�ncias com fotomontagens: A T�nica Incons�til (1938), mesmo que a colagem continue a operar na constru��o da imagem po�tica em obras finais como o Livro dos Sonetos (1949) e A Inven��o de Orfeu (1952). Tal escolha se d� primeiramente pela intr�nseca afinidade entre o objeto liter�rio e o pl�stico comparados, mas tamb�m para lembrar a grandeza po�tica de A T�nica Incons�til, apressada e taxativamente desqualificada por M�rio Faustino ou - em uma perspectiva mais justa e generosa como a de F�bio de Souza Andrade - considerada apenas como momento de transi��o em um processo evolutivo (cuja teleologia mereceria ainda ser melhor discutida) que culminaria n�A Inven��o de Orfeu [7]. Mas tamb�m neste livro - cuja unidade complexa � composta por uma multiplicidade diferenciada de poemas - focaremos por necessidade t�tica apenas um poema, do qual alguns elementos ser�o, por�m, em seguida, relacionados com os de outros poemas deste mesmo livro. O poema focado - e cuja exemplaridade imag�tica � atestada pela aten��o tanto de M�rio de Andrade quanto de F�bio de Souza Andrade (cf. ANDRADE, M�rio de: 1958, p. 420-421 e ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p. 69-79) - � �O grande desastre a�reo de ontem� (coincidentemente dedicado a um pintor: Portinari) que passo a citar na �ntegra:

�Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abra�ado com a h�lice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradiv�rius. H� m�os e pernas de dan�arinas arremessadas na explos�o. Corpos irreconhec�veis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelos poetas m�rtires. Vejo a nadadora bel�ssima, no seu �ltimo salto de banhista, mais r�pida porque vem sem vida. Vejo tr�s meninas caindo r�pidas, enfunadas, como se dan�assem ainda. E vejo a louca abra�ada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o p�ra-quedas e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o c�u como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a mo�a adormecida na cabine ainda vem dormindo, t�o tranq�ila e cega! � amigos, o paral�tico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E h� poetas m�opes que pensam que � o arrebol!� (LIMA, Jorge de: 1958, p.446).

Que nos seja suficiente aqui indicar, sem retomar em detalhe, o coment�rio pertinente de F�bio de S. Andrade ao apontar no poema o ac�mulo de �imagens ins�litas�, os �reconhec�veis ecos chagallianos� e �a �nfase no sujeito� (explicitada na recorr�ncia do verbo �vejo�) como aquele que estabelece �pontes simb�licas que evidenciam semelhan�as entre dois objetos ou seres n�o-conaturais, criando sistemas de rela��es anal�gicas n�o correntes ou recriando as legadas pela tradi��o.� (ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p. 73 e 74). E � justamente em uma tradi��o fundadora da modernidade no Ocidente: a rom�ntica (cf. �a doutrina baudelairiana das correspond�ncias�) que F�bio de S. Andrade inscreve, na seq��ncia, a imagem po�tica limiana, quando cita a seguinte proposi��o de Cecil Day Lewis: �A rela��o sendo a pr�pria natureza da met�fora, se acreditamos que o universo � um corpo no qual todos os homens e todas as coisas s�o parte uns dos outros, temos que admitir que cada met�fora oferece uma intui��o parcial do mundo todo. Toda imagem po�tica, diria, na medida em que revela com clareza uma min�scula por��o deste corpo, sugere sua extens�o infinita. (cf. Cecil Day Lewis. The Poetic Image. London, Jonathan Cape, 1968, p.29 in ANDRADE , F�bio de S.: 1997, p.75). Mas para determinar a especificidade moderna da imagem po�tica limiana � necess�rio precisar melhor que tipo de rela��o entre quais tipos de elementos ser� formadora de uma nova unidade (assim como em qu� consiste esta novidade). F�bio de S. Andrade se aproxima bem desta defini��o ao sugerir que em �O Grande Desastre A�reo de Ontem� a novidade �est� na apropria��o po�tica de um elemento pouco convencional, o avi�o, e sua associa��o indissol�vel a um motivo cl�ssico, um t�pos (o fim do dia vinculado ao fim da vida). O mais moderno e o arcaico se combinam de maneira ins�lita e h� aparente incongru�ncia. A tranq�ilidade e gra�a das bailarinas, a beleza da nadadora chocam-se com os corpos grotescamente desfeitos em m�os e pernas e a chuva de sangue.� (ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p. 77-78). Na seq��ncia - ao lembrar da proposi��o de Day Lewis de que �a imagem busca aproximar, coligar realidades distantes� - F�bio de S. Andrade precisar�: �Ora, tem-se a impress�o de que menos do que a conflu�ncia de sentidos an�logos, assistimos � produ��o de um sentido novo pela colis�o de imagens que brigam entre si para assumir o primeiro plano.� (ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p.78).

A combina��o ins�lita e aparentemente incongruente do mais moderno e do arcaico - exemplificada pela associa��o de um elemento moderno, o avi�o, com um t�pos tradicional, o fim do dia vinculado ao fim da vida - assim como a produ��o de um sentido novo pela colis�o de imagens lembram evidentemente, ainda que F�bio de S. Andrade n�o o nomeie, o processo de composi��o das fotomontagens tal como se depreende da seguinte defini��o de colagem por Marx Ernst: �(...) a explora��o do encontro fortuito de duas realidades distintas em um plano n�o pertinente (...)ou, para usar um termo mais curto, a cultura dos efeitos de um estranhamento sistem�tico (...).� (ERNST, Max: 1970, p. 253 e 254). � qual dever�amos ainda acrescentar esta outra e complementar defini��o do mesmo Max Ernst: �Poder-se-ia definir a colagem como um composto alqu�mico de dois ou v�rios elementos heterog�neos, resultando de sua aproxima��o inesperada, devida, seja a uma vontade dirigida (...) para a confus�o sistem�tica e o desregramento de todos os sentidos (Rimbaud), seja ao acaso ou a uma vontade favorizando o acaso.� (ERNST, Max: 1970, p.262). Poder�amos talvez, sem for�ar em demasia nosso objeto, substituir n�o s� o contexto n�o-pertinente: �uma mesa de disseca��o�, quanto os elementos d�spares ou heterog�neos que sobre ela se juntam fortuitamente: �uma m�quina de costura� e �um guarda-chuva� (celebrizados na concisa defini��o-exemplo de Lautr�amont) pelo encontro fortuito no ar de uma multiplicidade d�spar de fragmentos de seres (que estranhamente j� n�o s�o) e objetos (cada unidade, por sua vez, podendo se constituir pela jun��o de elementos d�spares) produzidos pela explos�o de um avi�o. A par�frase da colagem de fragmentos que constitui a macro-imagem do evento descrito (o desastre a�reo) soaria assim: encontro fortuito - no ar - do �piloto, que levava uma flor para a noiva, abra�ado com a h�lice� e do �violinista, em que a morte acentuou a palidez�, �despenhando-se com sua cabeleira negra e seu estradiv�rius� e das �m�os e pernas de dan�arinas arremessadas na explos�o� e da �nadadora bel�ssima, no seu �ltimo salto de banhista, mais r�pida porque vem sem vida� e de �tr�s meninas caindo r�pidas, enfunadas, como se dan�assem ainda� e da �louca abra�ada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o p�ra-quedas� e da �prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o c�u como um cometa� e do �sino que ia para uma capela do oeste� e vem �dobrando finados pelos pobres mortos� e da mo�a adormecida na cabine�, que �ainda vem dormindo, t�o tranq�ila e cega!� e do �paral�tico� que �vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento� e - �ltimo e primeiro elemento que quase se confunde com o ar enquanto contexto deslocado e vermelho que os poetas m�opes v�em equivocadamente como o p�r-do-sol - do �sangue� que �chove sobre as nuvens de Deus�.

A unidade primeira, o avi�o, foi desagregada por um acidente (uma explos�o), e os m�ltiplos fragmentos da� resultantes combinam-se de maneiras inesperadas em um contexto a princ�pio inapropriado - o ar livre e desprotegido - para formar por um ac�mulo de justaposi��es fortuitas uma nova e ins�lita �unidade�. Mas nem a unidade anterior, nem o evento enquanto tal, apesar de indicados no t�tulo, s�o descritos no poema-imagem, que � composto, como uma fotomontagem, pela jun��o sucessiva mas n�o temporalizada de m�ltiplos fragmentos d�spares. Apesar de nenhuma fotomontagem de A pintura em p�nico representar ou tematizar um grande desastre a�reo, pode-se encontrar a� um efeito an�logo de estranhamento produzido por uma unidade aparentemente desconexa e heter�clita composta pela justaposi��o casual de m�ltiplos elementos d�spares em �As catacumbas marinhas contra o despotismo� e em �Ah, fui precipitado quando quis fundir as coisas numa s�!�. Os movimentos sugeridos pelo poema seriam, por�m, melhor representados pela vertiginosa sucess�o f�lmica de fotogramas e poder�amos mais contemporaneamente nos lembrar - guardadas as �bvias diferen�as de contexto - de uma plasticidade an�loga ao do poema de Jorge de Lima na cena final de explos�o interna da casa no filme Zabriskie Point de Michelangelo Antonioni.

O efeito de estranhamento � resultado - e focaremos agora um elemento seu essencial - do fortuito ou inesperado do encontro entre dois ou v�rios elementos heterog�neos num plano n�o-pertinente. Enquanto procedimento art�stico a colagem (ou uma de suas modalidades: a fotomontagem) pressup�e, portanto, o acaso ou o imprevisto ou a conting�ncia (a possibilidade de que as coisas sejam de outra maneira). Mas no poema �O grande desastre a�reo de ontem� o fortuito est� n�o somente na justaposi��o continuada de v�rios fragmentos d�spares, mas tamb�m no evento tematizado no t�tulo e descrito apenas em suas conseq��ncias funestas imediatas: o desastre, que implica a no��o de acidente (mesmo que n�o se saiba qual) e � atravessado pela morte. � em outro poema d�A T�nica Incons�til, �E tudo � imprevisto�, que o fortuito � problematizado de maneira direta. A afirma��o contida no t�tulo - concisa como uma m�xima - � desdobrada (ap�s exemplos religiosos com expl�cito conte�do judaico-crist�o) na seguinte proposi��o: �(...) nenhuma esta��o, nem nenhum clima, nem nenhuma pessoa, /nem nenhum rei, nem nenhuma pedra tem certeza de nada; / pois tudo � viajante e tudo � sombra sobre a plan�cie deserta.� A �nica certeza poss�vel � a da pr�pria incerteza que tem como dados indetermin�veis tanto o tempo (�tudo � viajante�) quanto a morte: �Muitos morrer�o como o infeliz Acab, / outros tirar�o a exist�ncia, sob os olhos de Deus, / e todos ser�o arrebatados pela grande M�o.� Neste reino de indetermina��o que � a exist�ncia humana mortal e individuada, �s� a linguagem da contradi��o, / no decorrer dos anos tem sentido e � poesia (...)� e o poeta � descrito como um eleito com os seguintes e contradit�rios caracteres: �(...) um homem exaltado e abatido, / um homem amado e desprezado ao mesmo tempo, / um homem escarnecido e louvado, em cont�nuo solil�quio, / um homem que n�o acampou em parte alguma lhe havendo Deus dado tudo.� (LIMA, Jorge de: 1958, p. 465-466).

A imagem do poeta como unidade realizada atrav�s das contradi��es j� est� presente no poema de abertura d�A T�nica Incons�til na figura do crist�o: �(...) sou tentado e perdoado, sou derrubado no ch�o e glorificado (...), sou burr�ssimo como S�o Crist�v�o, e sapient�ssimo como S�o Tom�s.� Esta imagem - que a� se complexifica e alarga [�(...) ressuscito na boca dos tigres, sou palha�o, sou alfa e �mega, peixe, cordeiro, comedor de gafanhotos, sou rid�culo (...)�] - exemplifica minimamente a proposi��o mais geral da unidade na multiplicidade encontr�vel consonantemente no mundo e, mais particularmente, na rela��o do poeta (/ homem religioso) com todos os outros entes e seres: �Os mil�nios passados e os futuros/ n�o me aturdem porque nas�o e nascerei, / porque sou uno com todas as coisas/ que eu decomponho e absorvo com os sentidos / e compreendo com a intelig�ncia / transfigurada em Cristo. / (...) Sou ub�quo: estou em Deus e na mat�ria (...).� (LIMA, Jorge de: 1958, p. 425-426). O pr�prio t�tulo do livro traz esta proposi��o condensada na imagem d�a t�nica incons�til. Pois como lembra Roger Bastide: �A t�nica � o largo e amplo vestu�rio do mundo, mas sem costura. Quer dizer que o poeta poder� continuar muito bem no mundo da multiplicidade, mas abolindo as fronteiras que separam os objetos para reencontrar assim, por meio de subterf�gio indireto, a unidade essencial das coisas.� (BASTIDE, Roger: 1997, p. 125 e 126). Roger Bastide tenta, na seq��ncia deste ensaio, indicar os meios que constituem este subterf�gio, ainda que o �inef�vel� - objeto desta busca po�tica - deixe de ser nomeado como a englobante �unidade essencial das coisas� e se parcialize, em uma n�o-limiana abstra��o �das realidades experimentais�, como �realidades espirituais� ou �mundo sobrenatural�. Ele cita dois meios (que realizam este subterf�gio): �a constitui��o de mitos� e �a cria��o de imagens anal�gicas�, e se det�m, em seguida, neste �ltimo, exemplificando-o assim: �Um dos processos empregados por Jorge de Lima � o da transposi��o dos sentidos. Ou, mais exatamente, de fun��o. Ou, se preferirmos, de associa��o de id�ias. Um objeto se apresenta em seus versos associado com outros objetos; mas a vis�o do poeta o dissocia desses objetos concretos aos quais ele est� ligado para associ�-lo com outros, ent�o invis�veis; assim o objeto muda de fun��o e de sentido.� (BASTIDE, Roger: 1997, p. 127) Ora, esta dissocia��o de um objeto de seu contexto esperado para ser associado com outros e n�o-familiares objetos em um contexto em princ�pio inadequado - gerando, ent�o, por transposi��o, uma fun��o e um sentido novos - poderia ser uma outra formula��o (em que nem todos os elementos ernstianos est�o explicitados) do procedimento da colagem.

Mas se retornamos ao �ltimo vers�culo do poema �E tudo � imprevisto� [�um homem que n�o acampou em parte alguma lhe havendo Deus dado tudo�], torna-se evidente a presen�a na figura do poeta de um elemento - atravessado pela mortalidade - de perturba��o e n�o-repouso, elemento que se descola, criando outra contradi��o, da proposi��o da unidade na multiplicidade como �solu��o� para a �crise metaf�sica� de Jorge de Lima. (cf. BASTIDE, Roger: 1997, p.125). Um outro poema, cujo tema central � precisamente �A vida incomum do poeta�, � conclu�do com um perfil desencantado em que este, limitado pela individua��o, aparece esvaziado do �xtase da revela��o da participa��o na unidade que coliga os m�ltiplos entes e seres: �Nada conseguiu, nada o contentou. / Nasceu s�, viveu s�, vai morrer s�. / Ent�o caminha para a morte / sem surpresa nenhuma, / sem saudade nenhuma / e tamb�m sem recompensa nenhuma.� (LIMA, Jorge de: 1958, p. 456). A mutila��o � uma formula��o (ou imagem) limiana da separa��o - pela individua��o e a mortalidade - da unidade primeira que, no entanto, ainda pode ser pressentida na conex�o entre os �rg�os sensoriais/intelectivos do indiv�duo e um mundo cujo mist�rio permanece. Esta tensa justaposi��o ou colagem - sem solu��o metaf�sica - destas duas proposi��es contradit�rias � o que de algum modo estrutura um poema como �O desespero diante da mutila��o� em cujo come�o lemos: �Os meus p�s s�o continuados no barro primitivo, na frialdade de minha sepultura. / Os meus olhos s�o continuados no azul do long�nquo e do profundo. / Os meus ouvidos s�o continuados nos lamentos passados e futuros do mundo. / A minha palavra � continuada pelas perguntas que n�o t�m resposta. / Mas n�o sei onde est�o as asas que prolongavam os meus bra�os / nem a eternidade que prolongava a minha vida.� A conclus�o do poema - onde avulta a id�ia da vida mortal individuada enquanto mutila��o - tamb�m � paradoxal: �E quando penso que sou um ser hier�tico limitado e embalsamado na morte, / a m�o de meu esp�rito toca a m�o direita do Eterno e me encontro de novo. / Culpo os que me mutilaram na eternidade / e me obrigam � reconstitui��o contra leis inexor�veis, / e com o seu primeiro e �nico duplo-suic�dio, / poderiam ter evitado a minha presen�a na vida.� (LIMA, Jorge de: 1958, p. 458). Uma imagem an�loga � da mutila��o pode ser encontrada no poema �Os gestos�: �Irm�o, crede: n�s todos somos estrangeiros, neste mundo, / e a nossa p�tria � a d�Ele de que fomos exilados.� (LIMA, Jorge de: 1958, p.474). N�o ser�, pois, surpreendente se para esta negatividade radical a morte aparecer como �nico meio de restitui��o total � divindade ou � unidade origin�ria. O poema �Restituo-me� constitui, todo ele (e os versos que n�o citarei s�o precisamente os mais belos), uma imagem desta proposi��o: �Estende a Tua m�o, agora, que ningu�m notar�: / sem desespero e sem m�goa me restituirei � Ti. / (...) Estende a tua imensa M�o e ningu�m notar� / que entre milhares de homens, / um Elias an�nimo, sem fun��o no teu reino / desapareceu para sempre / sufocado de p�, sobre um tuf�o de cinzas.� (LIMA, Jorge de: 1958, p. 461). A unidade, a que a morte daria acesso, � nomeada apenas no poema �A morte da louca� em que imagens ins�litas sugerem, no modo interrogativo, a dissolu��o do indiv�duo morto em elementos que comp�em o mundo fenom�nico: �Onde andar�s, louca, dentro da tempestade? / �s tu que ris, louca? / Ou ser� a ventania ou algum p�ssaro desconhecido? / Boiar�s em algum rio, nua, coroada de flores? / Ou no mar as medusas e as estrelas palpar�o os teus seios e tuas coxas? / (....) Algum c�o lamber� os teus olhos que ningu�m se lembrou de beijar? / Ou conversar�s com a ventania como se conversasses com tua irm� mais velha? / (...) Se est�s morta, come�aste a viver, louca! / Se est�s mutilada, come�aste a ser recomposta na grande Unidade!� (LIMA, Jorge de: 1958, p. 444-445).

F�bio de S. Andrade observa que no livro Tempo e Eternidade, de que s�o co-autores Jorge de Lima e Murilo Mendes, �h� o registro de duas aproxima��es diferentes e complementares a um mesmo tema. Os textos de Jorge de Lima tendem a condensar imagens que falem do poder angustiante da passagem do tempo, confrontando o presente ao absoluto implicado na id�ia do Ju�zo Final, enquanto Murilo Mendes preocupa-se mais com a id�ia complementar, a perspectiva m�tica da reconcilia��o do homem com o universo e com o criador.� (ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p. 42-43). Em A T�nica Incons�til estas duas aproxima��es diferenciadas se tornam vertentes simult�neas e contradit�rias de um �nico e m�ltiplo poeta: Jorge de Lima. Ao comentar a vis�o que tende a ganhar terreno na obra po�tica de Jorge de Lima ap�s Tempo e Eternidade, F�bio de S. Andrade n�o sem raz�o diz: �Trata-se de uma vis�o em que a perspectiva da remiss�o consoladora � vista a contrapelo, como aus�ncia de reconcilia��o no horizonte pr�ximo, que se condensa em medo e ang�stia, na �noite que se abateu sobre os homens� �. (ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p.44). Mas, ao falar do que particulariza Murilo Mendes em rela��o a Jorge de Lima, F�bio de S. Andrade usa termos que se aplicariam perfeitamente a uma das vertentes limianas em A T�nica Incons�til: �(...) a morte, sob o crivo de suas imagens�, �apresenta-se como volta �s origens, para�so recuperado, liberta��o, que n�o quer dizer ren�ncia pass�vel a um mundo irrecuper�vel, mas radical interven��o salvadora nele pr�prio (...).�(ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p.44).

REFER�NCIAS BIBLIOGR�FICAS

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BASTIDE, Roger. Poetas do Brasil. S�o Paulo: Edusp, 1997. Estudos sobre a Poesia Religiosa Brasileira: III. Jorge de Lima , p. 119-132.

BRETON, Andr�. Oeuvres compl�tes vol. II - Biblioth�que de la Pl�iade. Paris: Gallimard, 1992. Avis au lecteur pour �La Femme 100 t�tes� de Max Ernst, p. 302-306.

ERNST, Max. �critures. Paris: Gallimard, 1970.

FAUSTINO, M�rio. Poesia-experi�ncia. S�o Paulo: Perspectiva, 1976. Revendo Jorge de Lima, p. 219-274.

LIMA, Jorge de. A pintura em p�nico. Rio de Janeiro: Tipografia Luso-Brasileira, 1943.

LIMA, Jorge de. Obra Completa vol. 1: Poesia e Ensaios. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958.

MENDES, Murilo. Nota Liminar. In: LIMA, Jorge de. A pintura em p�nico, s.p.

MENDES, Murilo. Poesia completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. Retratos-Rel�mpago: Max Ernst, p. 1247-1249.

MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes: A poesia como totalidade. S�o Paulo: Edusp, 1995. I-2 Os procedimentos combinat�rios, p. 18-40.

PAULINO, Ana Maria. Jorge de Lima / Col. Artistas Brasileiros. S�o Paulo: Edusp, 1995.

PAULINO, Ana Maria (Org.).O poeta ins�lito: Fotomontagens de Jorge de Lima . S�o Paulo : Instituto de Estudos Brasileiros - USP, 1987. Jorge de Lima: a re-vela��o da imagem, p. 41-48.

Notas:

[1] �Quando e onde aparece a colagem? Creio que - apesar das tentativas de v�rios dada�stas - � preciso quanto a isto homenagear Max Ernst, ao menos no que diz respeito �s formas da colagem que est�o mais distanciadas do princ�pio do papel colado: a colagem fotogr�fica e a colagem de ilustra��es.� (Aragon, La Peinture au d�fi in ERNST, Max: 1970, p. 252) As tradu��es, provis�rias, de textos em franc�s s�o de minha autoria.

[2] Cf. a advert�ncia de Max Ernst quanto � sua primeira exposi��o de collages em que a maioria era composta n�o por meio de �collage-d�coupage�, mas de �collage-frottage� onde um l�pis intervinha. (ERNST, Max: 1970, p. 257-258).

[3] Exemplo ir�nico: �A cabe�a de Salvador Dali serve-se bem fria, bigodes inclusive com vinagre e conhaque, numa bandeja guarnecida de d�lares.� (MENDES, Murilo: 1995, p. 249).

[4] Seria ocasi�o aqui para agradecer a aten��o e gentileza de M�rcia Arbex n�o apenas no empr�stimo de livros pouco �bvios mas tamb�m na interlocu��o inteligente.

[5] Ainda que Murilo Mendes tenha no in�cio tamb�m tentado recortar e colar imagens: �Come�amos juntos o trabalho. Mas dentro em breve ele ficava sozinho. O anti-t�cnico abandonava o t�cnico.� (MENDES, Murilo: 1943, s. p.).

[6] Apesar de me referir aqui apenas brevemente ao estudo de Murilo Marcondes de Moura, gostaria de marcar que o presente ensaio deve muito �s formula��es contidas no seu subcap�tulo I.2. �Os procedimentos combinat�rios� assim como � generosa interlocu��o direta com o autor.

[7] M�rio Faustino diz: �Nesse constante mas negligente mirar, por parte de Jorge, de um alvo long�nquo e impreciso, o livro � daqueles em que o poeta menos acerta.� E ainda: �Os poemas de A T�nica Incons�til s�o, em geral, a descentra��o, a Anti-Dichtung, a N�o-Poesia por excel�ncia.� (FAUSTINO, M�rio: 1976, p. 224 e 226). F�bio de Souza Andrade tratando do Livro de Sonetos, diz o seguinte: �A poesia de Jorge de Lima valorizou num primeiro momento a clareza mim�tica das imagens, paralelamente a um alargamento dos assuntos po�ticos em dire��o ao cotidiano e o regional, mas progressivamente encaminhou-se para a met�fora comp�sita, mesclada e intrincada . O livro de transi��o, A T�nica Incons�til, bem como o seguinte, Anuncia��o e Encontro de Mira-Celi, apontam para o predom�nio do segundo caminho.� (ANDRADE, F�bio de S.: 1997, p.111).

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