Qual era a estratégia da ditadura militar para poder modernizar o mundo agrário amazônico?

De acordo com Romualdo Pessoa Campos Filho, autor do livro Araguaia – Depois da guerrilha, outra guerra, o órgão responsável pela adoção dessa política atabalhoada de ocupação da Amazônica foi a Escola Superior de Guerra. A instituição formou uma geração de militares que chegou ao generalato com uma bagagem ideológica fundada no fortalecimento da geopolítica. Toda a ideologia de segurança nacional que direcionou as políticas públicas durante os anos de regime militar brasileiro manteve suas bases ideológicas firmadas nos Estados Unidos. As ações eram direcionadas para a proteção das áreas consideradas estratégicas pelo governo dos Estados Unidos, além de manter e ou construir regimes políticos que lhes fossem favoráveis.

O que foi pensado inicialmente para dar início à ocupação do território pelos militares foi deixado de lado abruptamente. Abdicou-se de consolidar o processo de ocupação que tinha como objetivo atrair migrantes de várias regiões, principalmente do Nordeste. E partiu-se para um plano B, que visava favorecer grandes conglomerados empresariais. O governo federal, na segunda metade da década de 1960, já havia oferecido parcerias e doado terras e isenções fiscais a grandes grupos brasileiros. Ação que queria construir laços econômicos profundos com empresas internacionais e ao mesmo tempo tentar manter algum controle sobre áreas consideradas estratégicas.

Esse plano B tinha como objetivo manter o processo de ocupação territorial e a defesa de segurança nacional. Foi batizado de Programa de Integração Nacional (PIN) e lançado pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici. Sua concepção era de viabilizar a ocupação do espaço amazônico à base da construção de duas grandes rodovias: a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém.

A cúpula militar e seus estrategistas criaram vários decretos para salvaguardar as ações de ocupação dos territórios ao norte do Brasil. O Decreto-Lei nº 1.164, de 1º de abril de 1971, tratava sobre as terras às margens dessas rodovias. O enunciado dessa lei deixava claro que o objetivo maior acima da ocupação das terras era realmente a segurança nacional: “Declara indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacional terras devolutas situadas na faixa de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo de rodovias na Amazônia Legal, e dá ouras providências”.

A lei, em seu artigo 4º, dava plenos poderes ao Conselho de Segurança Nacional para estabelecer normas para a implantação de projetos de colonização ou concessão de terras, bem como para o estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem à segurança nacional nas terras devolutas das faixas mencionadas. O conselho podia praticamente tudo, tinha plenos poderes em todos os sentidos.

O governo federal queria construir polos de desenvolvimento regionais a partir de forte investimento estatal e da desapropriação de áreas ao longo de rodovias na ampla Amazônia. Nessas áreas seriam erguidas colônias ou vilas a serem ocupados por assentamentos de população de origem nordestina que se deslocasse para a nova área.

Mas a realidade era outra. O plano parecia simples e inteligente.

Mas não foi nada fácil colocar em prática essa ação, como estava planejada no papel e na propaganda do governo militar. A conjuntura econômica internacional estava desfavorável. A economia brasileira entrou em forte recessão a partir de 1973, quando a crise mundial do petróleo afetou muitos países.

A inflação crescia, assim como a carestia e o desemprego. E a implementação do PIN estancou. Os militares não foram capazes de tornar realidade suas próprias propostas de expansão demográfica na Amazônia.

Foi quando os governantes militares escancararam as portas, ou melhor, as terras amazônicas às empresas estrangeiras. O capital internacional se sobrepôs ao pobre camponês, ao índio e ao pequeno produtor rural. As terras foram cedidas aos montes aos grupos internacionais. 

Somente no Pará, no norte do estado, Daniel Ludwig, um multimilionário nascido nos Estados Unidos, tomou posse de nada menos do que 1,5 milhão de hectares de terras e reservas minerais. Na região sul do Pará as terras foram passadas para vários grupos financeiros, entre eles o Sul América, Atlântica-Boa Vista, Peixoto de Castro, Bradesco, Bamerindus, Volkswagen, Atlas, King’s Ranch, John Davis, United Steel Corporation, Almeida Prado, Banco Econômico, Lunardelli, Aços Villares, Nixdorf, entre outros.

Foi a partir deste início dos anos 1970 que começou a ser desenvolvido um dos mais trágicos processos de grilagem, especulação e destruição organizada de famílias de posseiros na região. Sem nenhuma preocupação social. 

Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária mostram que, em 1972, os estrangeiros possuíam no Brasil 44.644 imóveis rurais com área total de 8.280.424,9 hectares, segundo dados do jornalista Rivaldo Chinem, no livro Sentença – padres e posseiros do Araguaia. Tamanho de terra equivalente a uma área duas vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro. Essas terras estavam assim distribuídas, segundo o próprio instituto: as pessoas físicas estrangeiras eram donas de 44.390 imóveis em, que totalizava uma área de 7.080.994,8 hectares. Já as pessoas jurídicas estrangeiras, ou seja, empresas multinacionais, eram donas de 254 imóveis, com área total de 1.193.430,1 hectares.

Em pouco tempo, em 1976, quatro anos após essa medição ter sido realizada, o quadro era outro. Principalmente no que se refere às pessoas jurídicas estrangeiras. O número de imóveis rurais nas mãos de não brasileiros subiu para 2.729 e a área para 4.712.481,8 hectares, equivalente a mais de duas vezes o tamanho do estado de Sergipe ou o tamanho do estado do Rio de Janeiro.

Somente no estado do Pará, entre 1972 e 1976, por exemplo, enquanto o número de imóveis rurais de propriedade de empresas nacionais diminuiu em 1%, passando de 735 para 729 unidades, o mesmo número em mãos de estrangeiros saltou de 21 para 463. Um crescimento equivalente a 2.104%. O capital internacional passou a ser dono de 1.297.335 hectares de terras paraenses em 1976, ante 9.614,4 hectares quatro anos antes.

O peso da força do dinheiro internacional e o projeto militar brasileiro abriram espaços geográficos e econômicos para o capital estrangeiro. 

Recursos públicos foram parar nas mãos da inciativa privada através dos incentivos fiscais. Do início da década de 1970 até julho de 1977, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) havia aprovado 336 projetos agropecuários para a região do Araguaia. A preços correntes da época, os valores investidos nesses projetos agropecuários correspondiam a Cr$ 7.108.166,808,00.14. Desse montante, Cr$ 5.089.227.003,00, ou cerca de 71,5% do total, eram relativos a incentivos fiscais. Dinheiro esse que deixou de ser aplicado pelo governo federal em serviços públicos.

Por esses fatores mostra-se que, muito mais do que preocupações econômicas, relativas ao desenvolvimento da região, ou da busca por solucionar dilemas sobre os problemas do nordeste brasileiro, o processo de ocupação da região amazônica atendia, principalmente, às questões estratégicas geopolíticas, dentro das formulações contidas no binômio “segurança e desenvolvimento”.

Estava exposto, de forma clara, por que os conflitos que iriam ocorrer ali adquiriam importância tão grande. Ao nível do envolvimento das Forças Armadas na tentativa de solucioná-los ou de combatê-los mediante o uso da força, caso necessário; assim como do enquadramento na Lei de Segurança Nacional de vários camponeses, padres e lideranças políticas que os apoiavam. Tal como registrado no extermínio de dezenas de pessoas durante a Guerrilha do Araguaia, além do sequestro de filhos de militantes políticos e de camponeses.


Eduardo Reina é jornalista e autor de Cativeiro sem fim – As histórias dos bebês, crianças e adolescentes sequestrados pela ditadura militar no Brasil (Alameda).

Quais foram as estratégias adotadas pelo Estado brasileiro em relação à ocupação da Amazônia?

As estratégias de ocupação se deram também nas regiões Sul e Sudeste do Pará, e de acordo com Santos (2017), grandes projetos agropecuários financiados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) se deslocaram para o Sudeste Paraense a partir da década de 1970, junto com as frentes de expansão ...

Por que a região amazônica foi importante para os planos econômicos da ditadura militar?

Principalmente para a extração de recursos naturais, para impulsionar a economia brasileira e também como uma espécie de 'centro de treinamento', aonde eram treinadas diversas divisões especificas de mata densa e também algumas regiões estratégicas dentro ou aproximados da amazônia.

Que mecanismo foi usado pelo governo para estimular a ocupação da Amazônia e com que objetivo?

Em 1976, o governo faz a primeira regularização de terras na Amazônia. Uma Medida Provisória permitiu a regularização de propriedades de até 60 mil hectares que tivessem sido adquiridas irregularmente, mas "com boa fé". A população da Amazônia Legal chega a 7 milhões de pessoas.

Como o governo militar entendia a ocupação da Amazônia?

Durante a ditadura militar, a política para a Amazônia ficou conhecida pelo lema “Integrar para não Entregar”. Junto com a ocupação e o desenvolvimento da região veio também a destruição do bioma.