Qual o objeto de estudo no mundo da linguagem para Ferdinand Saussure?

Mestre em Ciências Humanas (CEFETRJ, 2014)
Especialista em Linguística, Letras e Artes (CEFETRJ, 2013)
Graduada em Letras - Literatura e Língua Portuguesa (UFRJ, 2011)

Ouça este artigo:

A Linguística é uma ciência recente, inaugurou-se no início do século XX. Mas muito antes disso a humanidade já demonstrava grande interesse pelas questões da linguagem e da mente humana. A Linguística como conhecimento sistematizado teve que demonstrar suas metodologias e delimitar precisamente seu objeto de estudo. Podemos defini-la como o estudo científico que visa descrever ou explicar a linguagem verbal humana. É importante destacar que o estudo da linguagem é distinto do estudo da gramática tradicional normativa. A Linguística não tem como objetivo transcrever normas ou ditar regras de correção para uso da linguagem, mas sim, analisar e estudar o que faz parte da língua em si. Essa ciência se interessa e tem como matéria de reflexão os estudos da linguagem concentrados na parte oral, verbal e também na modalidade escrita.

Vale ressaltar que os sinais que o homem produz quando fala ou escreve são denominados signos. Além de possibilitar uma dimensão simbólica, eles também servem como elemento comunicador e de expressão existencial. Existem outros signos além dos possibilitados pela linguagem verbal, como por exemplo a pintura, a mímica e o sinal de trânsito. Os signos, de modo geral, são objetos de estudo de uma outra ciência, denominada Semiologia. Já os signos da linguagem verbal especificamente são objetos de estudo da Linguística.

A Linguística como é conhecida hoje teve início com o Curso de Linguística Geral, do suíço Ferdinand de Saussure, mestre da Universidade de Genebra e pai da Linguística Moderna. Com Saussure a Linguística ganha um objeto específico: a língua. Na década de 1950, Noam Chomsky oferece outras possibilidades teóricas para a Linguística: a gramática gerativa. Para ele a tarefa do linguista é descrever a competência do falante de produzir e compreender todas as frases de sua língua. Os estudos do norte americano são baseados na sintaxe e trazem contribuições da matemática e da biologia para a área.

A Linguística é construída a partir de uma divisão, já que ela é conhecida como ciência da língua (enquanto sistema de signos e conjuntos lógicos) e das línguas (idiomas históricos falados por outros povos). Assim sendo, na história da linguística, nenhuma questão é definitivamente respondida e nem posta de lado. Após ficar certo tempo deslocada, volta à cena. É importante mencionar que existem inúmeras tendências e abordagens no campo da Linguística atualmente. Abordagens como a Linguística Cognitiva e a Sociolingüística oferecem uma gama diversificada de estudos e possibilidades de se pensar a língua.

No Brasil, o professor e pesquisador Marcos Bagno é um autor de importantes livros que privilegiam a abordagem sociolinguística. Não só o trabalho de Bagno, mas também de diversos pesquisadores e núcleos de pesquisas linguísticas do país trouxeram uma visão de amplitude ao estudo e conceito de língua na educação brasileira. É preciso investigar a língua para além de suas prescrições normativas, entender seus usos e contextos, esse é o compromisso e o desafio das pesquisas linguísticas no Brasil e no mundo.

Bibliografia:

ORLANDI, Eni de Lourdes Puccinelli. O que é lingüística?. São Paulo: Brasiliense, 2009.

Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/portugues/linguistica/

SAUSSURE E A L�NGUA PORTUGUESA

Castelar de Carvalho

(UFRJ, ABF)

A vitalidade do pensamento saussuriano, com o passar do tempo, s� tem feito renovar sua atualidade. Nos �ltimos anos, tem se multiplicado a bibliografia sobre sua doutrina, difundida a partir da publica��o do livro cl�ssico Curso de ling��stica geral (CLG). As repercuss�es de suas id�ias motrizes, assim como as escolas delas decorrentes, criaram uma metodologia pr�tica e funcional de abordagem dos fatos ling��sticos. Tal metodologia pode ser aplicada com sucesso ao estudo e ao ensino de portugu�s, como demonstra o nosso livro Para compreender Saussure, hoje na 12� edi��o, contendo os fundamentos e uma vis�o cr�tica das iluminadas id�ias do genial fundador da Ling��stica moderna, al�m de exerc�cios com quest�es relativas � l�ngua portuguesa. Neste artigo, apresentaremos uma s�ntese de suas c�lebres dicotomias: semiologia / ling��stica, signo: significado / significante, arbitrariedade / linearidade, linguagem: l�ngua / fala (norma), sincronia / diacronia, sintagma / paradigma e o corol�rio de tudo isso: a no��o de valor.

Semiologia / Ling��stica

A Semiologia (ou Semi�tica) � a teoria geral dos sinais. Ela difere da Ling��stica por sua maior abrang�ncia: enquanto a Ling��stica � o estudo cient�fico da linguagem humana, a Semiologia preocupa-se n�o apenas com a linguagem humana e verbal, mas tamb�m com a dos animais e de todo e qualquer sistema de comunica��o, seja ele natural ou convencional. Desse modo, a Ling��stica insere-se como uma parte da Semiologia. Semiologia e Semi�tica s�o termos permut�veis. A primeira surgiu na Europa, com Saussure, e a segunda, nos Estados Unidos, com o fil�sofo Charles Sanders Peirce.

O signo ling��stico
arbitrariedade / linearidade

Saussure define o signo como a uni�o do sentido e da imagem ac�stica. O que ele chama de �sentido� � a mesma coisa que conceito ou id�ia, isto�, a representa��o mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representa��o essa condicionada pela forma��o sociocultural que nos cerca desde o ber�o. Em outras palavras, para Saussure, conceito � sin�nimo de significado (plano das id�ias), algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte intelig�vel, em oposi��o ao significante (plano da express�o), que � sua parte sens�vel. Por outro lado, a imagem ac�stica �n�o � o som material, coisa puramente f�sica, mas a impress�o ps�quica desse som� (CLG, p. 80). Melhor dizendo, a imagem ac�stica � o significante. Com isso, temos que o signo ling��stico � �uma entidade ps�quica de duas faces�(p. 80), semelhante a uma moeda.

Mais tarde, Jakobson e a Escola Fonol�gica de Praga ir�o estabelecer definitivamente a distin��o entre som material e imagem ac�stica. Ao primeiro chamaram de fone, objeto de estudo da Fon�tica. � imagem ac�stica denominaram de fonema, conceito amplamente aceito e consagrado pela Fonologia.

Os dois elementos � significante e significado � constituem o signo �est�ointimamente unidos e um reclama o outro� (p. 80). S�o interdependentes e insepar�veis, pois sem significante n�o h� significado e sem significado n�o existe significante. Exemplificando, dir�amos que quando um falante de portugu�s recebe a impress�o ps�quica que lhe � transmitida pela imagem ac�stica ou significante / kaza /, gra�as � qual se manifesta fonicamente o signo casa, essa imagem ac�stica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente a id�ia de abrigo, de lugar para viver, estudar, fazer suas refei��es, descansar, etc. Figurativamente, dir�amos que o falante associa o significante / kaza / ao significado domus (tomando-se o termo latino como ponto de refer�ncia para o conceito).

Quanto ao princ�pio da arbitrariedade, Saussure (p. 83) esclarece que arbitr�rio

... n�o deve dar a id�ia de que o significado dependa da livre escolha do que fala, [porque] n�o est� ao alcance do indiv�duo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo ling��stico; queremos dizer que o significante � imotivado, isto �, arbitr�rio em rela��o ao significado, com o qual n�o tem nenhum la�o natural na realidade. (grifo nosso)

Desse modo, compreendemos por que Saussure afirma que a id�ia (ou conceito ou significado) de mar n�o tem nenhuma rela��o necess�ria e �interior� com a seq��ncia de sons, ou imagem ac�stica ou significante /mar/. Em outras palavras, o significado mar poderia ser representado perfeitamente por qualquer outro significante. E Saussure argumenta, para provar seu ponto de vista, com as diferen�as entre as l�nguas. Tanto assim que a id�ia de mar � representada em ingl�s pelo significante �sea� /si / e em franc�s, por �mer� /m�r/.

Um exemplo bastante representativo da aus�ncia de v�nculo natural entre o significante e o significado � o dos verbos depoentes latinos. Nestes, a forma � passiva, entretanto, o sentido � ativo: sequor �sigo� (e n�o �sou seguido�), utor �uso� (e n�o �sou usado�). Nestes signos, o grau de arbitrariedade � extremo, n�o havendo sequer coer�ncia morfossem�ntica entre o significante e o significado.

Na verdade, existem dois sentidos para arbitr�rio:

a) o significante em rela��o ao significado:

livro, book, livre, Buch, liber, biblion

, etc. (significantes diferentes para um mesmo significado);

b) o significado como parcela sem�ntica (em oposi��o � totalidade de um campo sem�ntico):

ingl. teacher / professor

port. professor

ingl. sheep / muttonport. carneiro

Apesar de haver postulado que o signo ling��stico �, em sua origem, arbitr�rio, Saussure n�o deixa de reconhecer a possibilidade de exist�ncia de certos graus de motiva��o entre significante e significado. Em coer�ncia com seu ponto de vista dicot�mico, prop�e a exist�ncia de um �arbitr�rio absoluto� e de um �arbitr�rio relativo�. Como exemplo de arbitr�rio absoluto, o mestre de Genebra cita os n�meros dez e nove, tomados individualmente, e nos quais a rela��o entre o significante e o significado seria totalmente arbitr�ria, isto �, essa rela��o n�o � necess�ria, � imotivada. J� na combina��o de dez com nove para formar um terceiro signo, a dezena dezenove, Saussure acha que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais se apresenta relativamente atenuada, dando lugar �quilo que ele classificou como arbitrariedade relativa, pois do conhecimento da significa��o das partes pode-se chegar � significa��o do todo.

O mesmo acontece no par pera / pereira, em que pera, enquanto palavra primitiva, serviria como exemplo de arbitr�rio absoluto (signo imotivado). Por sua vez, pereira, forma derivada de pera, seria um caso de arbitr�rio relativo (signo motivado), devido � rela��o sintagm�tica pera (morfema lexical) + -eira (morfema sufixal, com a no��o de ��rvore�) e � rela��o paradigm�tica estabelecida a partir da associa��o de pereira a laranjeira, bananeira, etc., uma vez que � conhecida a significa��o dos elementos formadores.

A respeito da linearidade, este � um princ�pio que se aplica �s unidades do plano da express�o (fonemas, s�labas, palavras), por serem estas emitidas em ordem linear ou sucessiva na cadeia da fala. Esse princ�pio � a base das rela��es sintagm�ticas, assunto que abordaremos mais adiante.

L�ngua / Fala (norma)

Esta � sua dicotomia b�sica e, juntamente com o par sincronia / diacronia, constitui uma das mais fecundas. Fundamentada na oposi��o social / individual, revelou-se com o tempo extremamente prof�cua. O que � fato da l�ngua (langue) est� no campo social; o que � ato da fala ou discurso (parole) situa-se na esfera do individual. Repousando sua dicotomia na Sociologia, ci�ncia nascente e j� de grande prest�gio ent�o, Saussure (p. 16) afirma e adverte ao mesmo tempo: �A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo imposs�vel conceber um sem o outro�. Vale lembrar que, para Saussure, a linguagem � a faculdade natural de usar uma l�ngua, �ao passo que a l�ngua constitui algo adquirido e convencional� (p. 17). Do exame exaustivo do Curso, depreendemos tr�s concep��es para l�ngua: acervo ling��stico, institui��o social e realidade sistem�tica e funcional. Analisemo-las � luz do CLG.

A l�ngua, como acervo ling��stico, � �o conjunto dos h�bitos ling��sticos que permitem a uma pessoa compreender e fazer-se compreender� (p. 92). A l�ngua � �uma soma de sinais depositados em cada c�rebro, mais ou menos como um dicion�rio cujos exemplares, todos id�nticos, fossem repartidos entre os indiv�duos� (p. 27). E, com todo o respeito a Saussure, acrescentar�amos n�s: um dicion�rio e uma gram�tica, cuja extens�o ser� proporcional ao conhecimento e � percep��o ling��stica do falante.

Na condi��o de acervo, a l�ngua guarda consigo toda a experi�ncia hist�rica acumulada por um povo durante a sua exist�ncia. Disso nos d� testemunho o latim, s�mbolo permanente da cultura e das institui��es romanas. Tamb�m o portugu�s, nos seus oito s�culos de exist�ncia, acumulou um rico e not�vel acervo ling��stico e liter�rio. Importante l�ngua de cultura, constitui tesouro comum dos povos irmanados pela lusofonia.

Como institui��o social, a l�ngua �n�o est� completa em nenhum [indiv�duo], e s� na massa ela existe de modo completo� (p. 21), por isso, ela �, simultaneamente, realidade ps�quica e institui��o social. Para Saussure, a l�ngua ��, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de conven��es necess�rias, adotadas pelo corpo social para permitir o exerc�cio dessa faculdade nos indiv�duos� (p. 17); � �a parte social da linguagem, exterior ao indiv�duo, que, por si s�, n�o pode nem cri�-la nem modific�-la; ela n�o existe sen�o em virtude de uma esp�cie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade� (p. 22).

A vis�o da l�ngua como realidade sistem�tica e funcional � o conte�do mais importante da concep��o saussuriana. Para o mestre de Genebra, a l�ngua �, antes de tudo, �um sistema de signos distintos correspondentes a id�ias distintas� (p. 18); � um c�digo, um sistema onde, �de essencial, s� existe a uni�o do sentido e da imagem ac�stica� (p. 23). Saussure v� a l�ngua como um objeto de �natureza homog�nea� (p. 23) e que, portanto, se enquadra perfeitamente na sua defini��o basilar: �a l�ngua � um sistema de signos que exprimem id�ias� (p. 24). Essa concep��o da l�ngua como sistema funcional est� imbricada com a no��o de valor (v. conclus�o).

A fala, ao contr�rio da l�ngua, por se constituir de atos individuais, torna-se m�ltipla, imprevis�vel, irredut�vel a uma pauta sistem�tica. Os atos ling��sticos individuais s�o ilimitados, n�o formam um sistema. Os fatos ling��sticos sociais, bem diferentemente, formam um sistema, pela sua pr�pria natureza homog�nea. Vale ressaltar, no entanto, que tanto o funcionamento quanto a explora��o da faculdade da linguagem est�o intimamente ligados �s implica��es m�tuas existentes entre os elementos l�ngua (virtualidade) e fala (realidade).

Quanto ao conceito denorma, trata-se de uma contribui��o do ling�ista romeno Eugenio Coseriu, que prop�s um acr�scimo � dicotomia saussuriana. Sua tricotomia vai do mais concreto (fala, uso individual da norma) ao mais abstrato (l�ngua, sistema funcional), passando por um grau intermedi�rio: a norma (uso coletivo da l�ngua). Em outras palavras, h� realiza��es consagradas pelo uso e que, portanto, s�o normais em determinadas circunst�ncias ling��sticas, previstas pelo sistema funcional. � � norma que nos prendemos de forma imediata, conforme o grupo social de que fazemos parte e a regi�o onde vivemos. A norma seria assim um primeiro grau de abstra��o da fala. Considerando-se a l�ngua (o sistema) um conjunto de possibilidades abstratas, a norma seria ent�o um conjunto de realiza��es concretas e de car�ter coletivo da l�ngua. Vejamos alguns exemplos da oposi��o norma / sistema no portugu�s do Brasil.

O conhecido [�], chiante p�s-voc�lica, variante de [s], � norma no Rio de Janeiro em todas as classes sociais: g�s [ga�], m�s [me�], basta [ba�ta]. J� no Sul, a pron�ncia sancionada pelo uso (ou norma) � marcadamente alveolar: [basta], [m�s], [g�s]. No campo da Morfologia, o sistema disp�e dos sufixos -ada e -edo, ambos com o sentido de cole��o. Enquanto, para designar grande quantidade de bichos, a norma culta prefere o primeiro (bicharada), a norma geral no falar ga�cho consagrou o segundo: bicharedo. O mesmo acontece com os sufixos diminutivos -inho e -ito, ambos dispon�veis no sistema funcional: a norma fora do Rio Grande do Sul � dizer-se salaminho;j� em terras ga�chas o uso sancionou salamito. No plano sint�tico, a l�ngua(sistema) portuguesa disp�e dos adv�rbios j� e mais, que, quando usados numa frase negativa, indicam a cessa��o de um fato ou de uma a��o. A norma brasileira preferiu o segundo: �Eu n�o vou mais�; �N�o chove mais�. A portuguesa optou pelo primeiro: �Eu j� n�o vou�; �J� n�o chove�. O portugu�s do Brasil prefere descrever um fato em progress�o dizendo: �Estou estudando� (aux. + ger�ndio); j� em Portugal, a norma � usar-se aux. + infinitivo: �Estou a estudar�. Ainda com rela��o � norma brasileira, n�o podemos deixar de mencionar o uso consagrado do verbo ter no lugar de haver, com o sentido de �existir�, uso inclusive j� referendado por v�rios autores brasileiros de peso, como Carlos Drummond de Andrade (�No meio do caminho tinha uma pedra�) e Manuel Bandeira (�Em Pas�rgada tem tudo�), dentre outros.

Nesse sentido, cabe ressaltar que certos deslocamentos da norma, constantes e repetidos, podem, com o tempo, fazer evoluir (mudar) a l�ngua. � o que vem ocorrendo, por exemplo, com a pron�ncia do adjetivo �ruim�. A norma gramatical em vigor recomenda pronunci�-lo como hiato: ru�m. Entretanto, a norma geral no portugu�s do Brasil � a sua realiza��o como ditongo: r�im, malgrado os esfor�os da escola. � poss�vel que no futuro seja esta a �nica pron�ncia em vigor, tanto no sistema (l�ngua) quanto na norma (uso).

Tipos de Norma

As variantes coletivas (ou subc�digos) dentro de um mesmo dom�nio ling��stico dividem-se em dois tipos principais: diat�picas (variantes ou normas regionais ) e diastr�ticas (variantes culturais ou registros).

As variantes diat�picas caracterizam as diversas normas regionais existentes dentro de um mesmo pa�s e at� dentro de um mesmo estado, como o falar ga�cho, o falar mineiro, etc. Por exemplo, �cair um tombo�, no Rio Grande do Sul; �levar um tombo�, no Rio de Janeiro.

As variantes diastr�ticas, intimamente ligadas � estratifica��o social, evidenciam a variedade de diferen�as culturais dentro de uma comunidade e podem subdividir-se em norma culta padr�o (ou nacional), norma coloquial (tensa ou distensa) e norma popular (tamb�m chamada de vulgar).

A norma culta � a modalidade escrita empregada na escola, nos textos oficiais, cient�ficos e liter�rios. Baseada na tradi��o gramatical, � a variante de maior prest�gio sociocultural. Ex.: H� muito tempo n�o o vejo. Vendem-se carros. Havia dez alunos em sala.

A norma coloquial � aquela empregada oralmente pelas classes m�dias escolarizadas. Viva e espont�nea, seu grau de desvio em rela��o � norma culta pode variar conforme as circunst�ncias de uso. Ex.: Tem muito tempo que n�o lhe vejo / n�o vejo ele. Vende-se carros. Tinha dez alunos em sala.

A norma popular caracteriza a fala das classes populares semi-escolarizadas ou n�o-escolarizadas. Nessa modalidade, o desvio em rela��o � norma gramatical � maior, caracterizando o chamado �erro�. Ex.: A gente fomos na praia. Dois cachorro-quente custa tr�s real.

H� tamb�m as variantes diaf�sicas, que dizem respeito aos diversos tipos de modalidade expressiva (familiar, estil�stica, de faixa et�ria, etc.).

Constatamos assim a pertin�ncia da divis�o tripartida de Coseriu. Todos os exemplos citados, quer caracterizando o falar de uma regi�o, quer identificando o pr�prio portugu�s do Brasil, mostram a propriedade e a conveni�ncia do fator intermedi�rio norma entre a fala e a l�ngua, fator este que tem por princ�pio realizar e dinamizar o sistema funcional (l�ngua). Ressalve-se, contudo, que a concep��o saussuriana da l�ngua como institui��o social se aproxima, de certo modo, da teoria da norma de Coseriu.

Sincronia / Diacronia

A sincronia � o eixo das simultaneidades, no qual devem ser estudadas as rela��es entre os fatos existentes ao mesmo tempo num determinado momento do sistema ling��stico, que pode ser tanto no presente quanto no passado. Em outras palavras, sincronia � sin�nimo de descri��o, de estudo do funcionamento da l�ngua. Por outro lado, no eixo das sucessividades ou diacronia, o ling�ista tem por objeto de estudo a rela��o entre um determinado fato e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe sucederam. E Saussure adverte que tais fatos (diacr�nicos) �n�o t�m rela��o alguma com os sistemas, apesar de os condicionarem� (p. 101). Em outras palavras, o funcionamento sincr�nico da l�ngua pode conviver harmoniosamente com seus condicionamentos diacr�nicos. Acrescente-se ainda que a diacronia divide-se em hist�ria externa (estudo das rela��es existentes entre os fatores socioculturais e a evolu��o ling��stica) e hist�ria interna (trata da evolu��o estrutural � fonol�gica e morfossint�tica � da l�ngua).

Saussure considera priorit�rio o estudo sincr�nico porque o falante nativo n�o tem consci�ncia da sucess�o dos fatos da l�ngua no tempo. Para o indiv�duo que usa a l�ngua como ve�culo de comunica��o e intera��o social, essa sucess�o n�o existe. A �nica e verdadeira realidade tang�vel que se lhe apresenta de forma imediata � a do estado sincr�nico da l�ngua. Al�m disso, como a rela��o entre o significante e o significado � arbitr�ria, estar� continuamente sendo afetada pelo tempo, da� a necessidade de o estudo da l�ngua ser prioritariamente sincr�nico. Sirva de exemplo o substantivo romaria, que significava originalmente �peregrina��o a Roma para ver o Papa�. Hoje, no entanto, � usado unicamente para designar �peregrina��o religiosa em geral�. Entre n�s, por exemplo, s�o muito comuns as romarias a Aparecida do Norte, em S�o Paulo.

Advirta-se, contudo, o seguinte: Saussure postula a prioridade da sincronia e, conv�m lembrar, prioridade n�o significa exclusividade. De nossa parte, entendemos a distin��o sincronia / diacronia unicamente como procedimentos metodol�gicos de an�lise ling��stica. A esse respeito, ou�amos as pondera��es, at� certo ponto premonit�rias, do pr�prio Saussure (p. 16):

A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolu��o: a cada instante, ela � uma institui��o atual e um produto do passado.

A l�ngua, portanto, ser� sempre sincronia E diacronia em qualquer momento de sua exist�ncia. O ponto de vista da ci�ncia ling��stica � que poder� ser OU sincr�nico OU diacr�nico, dependendo do fim que se pretende atingir. E h� determinados casos, por exemplo, em que a descri��o sincr�nica pode perfeitamente ser conjugada com a explica��o diacr�nica, enriquecendo-se, desse modo, a an�lise feita pelo ling�ista. Por exemplo, podemos descrever o verbo p�r como pertencente � segunda conjuga��o, apelando para as formas sincr�nicas atuais p�es, p�e, puseste, etc., al�m dos adjetivos poente e poedeira, nos quais o -e- medial a� existente (ou remanescente) funciona estruturalmente como vogal tem�tica. Ao mesmo tempo, podemos enriquecer a descri��o sincr�nica, complementando-a com a explica��o diacr�nica: o atual verbo p�r j� foi representado pelo infinitivo arcaico poer, que, por sua vez, se vincula ao latim vulgar ponere, com a seguinte cadeia evolutiva: poněre > ponēre > poner > p�er > poer > p�r.

Encarados sob essa perspectiva, os pontos de vista sincr�nico e diacr�nico n�o s�o excludentes, ao contr�rio, s�o complementares. Seja como for, vale registrar que Saussure, deixando de se preocupar com o processo pelo qual as l�nguas se modificam, para tentar saber o modo como elas funcionam, deu, coerentemente, primazia ao estudo sincr�nico, ponto de partida para a Ling��stica Geral e o chamado m�todo estruturalista de an�lise da l�ngua.

Sintagma / Paradigma

Para Saussure, tudo na sincronia se prende a dois eixos: o associativo (= paradigm�tico) e o sintagm�tico.

As rela��es sintagm�ticas baseiam-se no car�ter linear do signo ling��stico, �que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo� (p. 142). A l�ngua � formada de elementos que se sucedem um ap�s outro linearmente, isto �, �na cadeia da fala� (p. 142). � rela��o entre esses elementos Saussure (p. 142) chama de sintagma:

O sintagma se comp�e sempre de duas ou mais unidades consecutivas: re-ler, contra todos, a vida humana, Deus � bom, se fizer bom tempo, sairemos, etc.

Colocado na cadeia sintagm�tica, um termo passa a ter valor em virtude do contraste que estabelece com aquele que o precede ou lhe sucede, �ou a ambos�, visto que um termo n�o pode aparecer ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu car�ter linear. Em �Hoje fez calor�, por exemplo, n�o podemos pronunciar a s�laba je antes da s�laba ho, nem ho ao mesmo tempo que je; lor antes de ca, ou ca simultaneamente com lor � imposs�vel. � essa cadeia f�nica que faz com que se estabele�am rela��es sintagm�ticas entre os elementos que a comp�em. Como a rela��o sintagm�tica se estabelece em fun��o da presen�a dos termos precedente e subseq�ente no discurso, Saussure a chama tamb�m de rela��o in pr�sentia.

Por outro lado, fora do discurso, isto �, fora do plano sintagm�tico, se, em �Hoje fez calor�, dizemos hoje pensando op�-lo a outro adv�rbio, ontem, por exemplo, ou fez em oposi��o a faz, e calor a frio, estabelecemos uma rela��o paradigm�tica associativa ou in absentia, porque os termos ontem, faz e frio n�o est�o presentes no discurso. S�o elementos que se encontram na nossa mem�ria de falante �numa s�rie mnem�nica virtual�, conforme esclarece Saussure na p�g. 143 do CLG.

O paradigma � assim uma esp�cie de �banco de reservas� da l�ngua, um conjunto de unidades suscet�veis de aparecer num mesmo contexto. Desse modo, as unidades do paradigma se op�em, pois uma exclui a outra: se uma est� presente, as outras est�o ausentes. � a chamada oposi��o distintiva, que estabelece a diferen�a entre signos como gado e gato ou entre formas verbais como estudava e estudara, formados respectivamente a partir da oposi��o sonoridade / n�o-sonoridade e pret�rito imperfeito / mais-que-perfeito. A no��o de paradigma suscita, pois, a id�ia de rela��o entre unidades alternativas. � uma esp�cie de reserva virtual da l�ngua.

Define-se o sintagma como �a combina��o de formas m�nimas numa unidade ling��stica superior�. Trata-se, portanto, de rela��es (rela��o = depend�ncia, fun��o) onde o que existe, em ess�ncia, � a reciprocidade, a coexist�ncia ou solidariedade entre os elementos presentes na cadeia da fala. Essas rela��es sintagm�ticas ou de reciprocidade existem, a nosso ver, em todos os planos da l�ngua: f�nico, m�rfico e sint�tico, ao contr�rio do que deixa entrever a defini��o do pr�prio Saussure, que nos induz a conceber o sintagma apenas nos planos m�rfico e sint�tico. Sendo assim, o sintagma, em sentido lato, � toda e qualquer combina��o de unidades ling��sticas na seq��ncia de sons da fala, a servi�o da rede de rela��es da l�ngua. Por exemplo, no plano f�nico, a rela��o entre uma vogal e uma semivogal para formar o ditongo (ai /ay/); no n�vel m�rfico, a pr�pria palavra, com seus constituintes imediatos, � um sintagma lexical (am + a + va + s); sintaticamente, a rela��o sujeito + predicado caracteriza o sintagma oracional (Pedro / estudou a li��o.).

Uma Vis�o Estil�stica

No plano da express�o, as rela��es paradigm�ticas operam com base na similaridade de sons. � o caso das rimas (�Mas que dizer do poeta / numa prova escolar? / Que ele � meio pateta / e n�o sabe rimar?�, Carlos Drummond de Andrade), alitera��es (�Vozes veladas, veludosas vozes�, Cruz e Sousa), asson�ncias (�T�bios flautins fin�ssimos gritavam�, Olavo Bilac), homoteleutos [ou homeoteleutos] (�Rita n�o tem cultura, mas tem finura�, Machado de Assis).

No plano do conte�do, as rela��es paradigm�ticas baseiam-se na similaridade de sentido, na associa��o entre o termo presente na frase e a simbologia que ele desperta em nossa mente. � o caso da met�fora: �O pav�o � um arco-�ris de plumas.� (Rubem Braga), ou seja, arco-�ris = semic�rculo ou arco multicor. Embora presente no texto em prosa, a met�fora � mais usual na poesia.

J� a meton�mia, mais comum na prosa, por basear-se numa rela��o de contig�idade de sentido, atua no eixo sintagm�tico. Ex.: O autor pela obra: �Gosto de ler Machado de Assis�; a parte pelo todo: �Os desabrigados ficaram sem teto� (= casa); o continente pelo conte�do: �Tomei um copo de vinho� (o vinho contido no copo), etc.

Conclus�o

A vis�o saussuriana da l�ngua como um sistema de valores est� intimamente associada � sua c�lebre frase: �na l�ngua s� existem diferen�as�, ou seja , ela funciona sincronicamente e com base em rela��es opositivas (paradigm�ticas) no sistema e contrastivas (sintagm�ticas) no discurso. Tendo como ponto de partida as id�ias motrizes contidas no Curso de ling��stica geral, formaram-se v�rias escolas estruturalistas (fonol�gica de Praga, estil�stica de Genebra, funcionalista de Paris, glossem�tica de Copenhague), que deram conseq��ncia e continuidade ao pensamento infelizmente inacabado do genial fundador da Ling��stica moderna. A vis�o da l�ngua como um sistema semiol�gico, a teoria do signo, com seus dois princ�pios fundamentais: arbitrariedade / linearidade, a diferen�a entre sincronia (funcionamento) e diacronia (evolu��o), a distin��o fon�tica / fonologia, fone / fonema, a dupla articula��o da linguagem (1� = plano do conte�do ou morfossintaxe; 2� = plano da express�o ou fonologia), as no��es de morfema e gramema, a tricotomia l�ngua / fala / norma s�o categorias ling��sticas extremamente f�rteis, todas decorrentes do pensamento de Saussure e hoje definitivamente incorporadas �s ci�ncias da linguagem.

Bibliografia

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12� ed. Petr�polis: Vozes, 2003.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de ling��stica geral. Trad de A. Chelini , Jos� P. Paes e I. Blikstein. S�o Paulo: Cultrix; USP, 1969.

Qual é o objeto de estudo da linguística para Saussure?

Para Saussure, o objeto de estudo da Lingüística é o signo lingüístico. O signo lingüístico é uma associação de um conceito, chamado significado, a uma imagem acústica (ou ótica) chamada significante ..

Qual é o objeto de estudo da linguagem?

Linguística é a ciência que estuda a linguagem verbal humana com base em observações e teorias que possibilitam a compreensão da evolução das línguas e desdobramentos dos diferentes idiomas. Ela é responsável também pelo estudo da estrutura das palavras, expressões e aspectos fonéticos de cada idioma.

Qual a ideia principal de Saussure?

Saussure defendeu que a linguagem seria um fenômeno psicossocial constituído de língua e fala. “A língua é o sistema, é aquilo que nenhum falante pode mudar. O sistema da língua portuguesa é o mesmo no Brasil, em Portugal, em Angola, em Macau. Langue, ou língua, é comum a todos, um patrimônio coletivo.