Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos ano

 

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos ano

Direitos Humanos, Exclus�o Social e Educa��o para o Humanismo

Dalmo de Abreu Dallari[1]  

Direitos Humanos: marco fundamental de uma nova era

Educa��o para os Direitos Humanos: "basta" � exclus�o social

Direitos Humanos: marco fundamental de uma nova era  

A aprova��o da Declara��o Universal dos Direitos Humanos pela Organiza��o das Na��es Unidas, em 1984, foi o marco inicial de um novo ciclo na hist�ria da humanidade. Elaborado e proclamado pouco depois do t�rmino da segunda guerra mundial, esse documento fundamental n�o foi apenas um grito de protesto, uma explos�o moment�nea de indigna��o, contra as agress�es armadas e a nega��o da racionalidade impl�cita em todas as guerras.

Muito mais do que isso, a Declara��o Universal de 1948 foi a proclama��o solene da rejei��o do individualismo ego�sta e do materialismo mal disfar�ado, implantados no mundo ocidental no fim do s�culo dezoito, utilizando o r�tulo do liberalismo e, no entanto, s� cuidando da liberdade dos privilegiados econ�micos.

A par dessa rejei��o, a declara��o Universal proclama com muita clareza a primazia da pessoa humana, com suas dimens�es espiritual e material, com sua dignidade impl�cita na condi��o humana e com seus valores fundamentais, protegidos como direitos pr�prios da natureza humana.

Desse modo, os valores humanos essenciais, aqueles que s�o indispens�veis para a preserva��o da dignidade e o crescimento interior da pessoa, valores que nascem com a pessoa humana e que n�o dependem das circunst�ncias de tempo e lugar, das condi��es materiais e da situa��o social, foram novamente colocados em primeiro plano.

A consci�ncia de tais valores, j� revelados na antig�idade e postos em evid�ncia, sobretudo, atrav�s da obra de grandes pensadores da Gr�cia antiga, havia sido perdida pela humanidade, o que levara, afinal, ao sistema de arb�trio do absolutismo e � ordem aristocr�tica caracterizada pelas discrimina��es e exclus�es.

Embora algumas vozes isoladas j� tenham denunciado as viol�ncias contra os valores inerentes � natureza ainda no per�odo medieval, como se verifica, por exemplo, na obra de Santo Tom�s de Aquino, foi nos s�culos dezessete e dezoito que se conjugaram v�rios fatores que iriam levar � implanta��o de uma nova ordem. Fil�sofos pol�ticos de grande envergadura, testemunhas e �s vezes v�timas de discrimina��es sociais e persegui��es pol�ticas e religiosas, demonstraram com s�lida argumenta��o a injusti�a das agress�es a valores inerentes � natureza humana.

Ao mesmo tempo, uma nova for�a social, a burguesia, que se formara a partir do s�culo doze e que no s�culo dezessete j� era o segmento mais rico da popula��o, em termos de patrim�nio e renda, n�o queria mais aceitar sua exclus�o pol�tica e a inseguran�a que da� decorria para a pessoa, o patrim�nio e as rela��es econ�micas. Suas aspira��es e a necessidade de prote��o para os seus interesses foram bem sistematizados na afirma��o da liberdade e da igualdade como valores fundamentais e direitos naturais da pessoa humana.

Esses mesmos valores e direitos, proclamados e defendidos pelos fil�sofos humanistas e cujo respeito era desejado pelos burgueses, davam resposta �s necessidades dos trabalhadores e das camadas mais pobres da popula��o de modo geral. Todos esses sofriam agress�es, humilha��es e exclus�es, n�o havendo o m�nimo respeito por sua dignidade e pelas exig�ncias naturais de sua condi��o humana.

Foi sob inspira��o desses valores humanos fundamentais que ocorreram as revolu��es burguesas dos s�culos dezessete e dezoito, lideradas por intelectuais e burgueses e fortemente apoiadas pelas massas populares, crentes em que a imposi��o de limita��es ao poder pessoal dos governantes e a elimina��o dos privil�gios da nobreza dariam lugar a uma ordem social justa, a uma sociedade de pessoas livres e iguais.

Essas cren�as e aspira��es foram bem resumidas no lema da Revolu��o Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Elas foram tamb�m incorporadas � Declara��o dos Direitos do Homem e do Cidad�o, aprovada pela assembl�ia Francesa em 1789. Acredita-se que os valores humanos fundamentais iriam determinar os rumos da humanidade da� por diante.

O que ocorreu, entretanto, foi bem diferente do que se poderia supor pela aparente cren�a comum nos valores fundamentais da pessoa humana e pela conjuga��o de esfor�os para demoli��o da antiga ordem injusta. A nova ordem estabelecida, liderada pelos detentores do poder econ�mico, apenas substituiu os privil�gios, pois a partir de uma afirma��o formal e abstrata de respeito � liberdade, assegurou a supremacia pol�tica e social dos detentores de bens econ�micos e de maior renda.

A igualdade de direitos e de oportunidades foi completamente esquecida, usando-se o sofisma de que a desigualdade � justa se todos forem livres. N�o se levou em conta que nada significa o direito de ser livre para quem, nascido na pobreza e sem ter acesso � educa��o, aos cuidados de sa�de, � boa alimenta��o e a tudo o mais de que a pessoa humana necessita para sobreviver e para viver com dignidade, n�o tem, por todas essas limita��es, o poder de ser livre.

A liberdade econ�mica e a prote��o do patrim�nio foram muito ben�ficas para quem tinha condi��es materiais para gozar dessa liberdade. Assim se desenvolvem no s�culo dezenove a rela��o industrial, houve not�veis avan�os cient�ficos e tecnol�gicos e as fortunas aumentaram. Mas as diferen�as sociais aumentaram profundamente, a explora��o do homem pelo homem atingiu propor��es degradantes para toda a humanidade.

Na enc�clica "Cent�simo Ano", publicada em 1981 para comemorar o centen�rio da publica��o da enc�clica "Rerum Novarum", na qual o papa Le�o XIII fazia a den�ncia da exist�ncia de graves e extensas injusti�as sociais, com multid�es de marginalizados e exclu�dos, o papa Jo�o Paulo II ressaltou que o s�culo dezenove, t�o celebrado pelo dinamismo da economia, foi o mesmo que criou o capitalismo e o proletariado. E poderia acrescentar que foi um s�culo em que se usou amplamente o trabalho escravo.

Supremacia absoluta para a riqueza material, privil�gios pol�ticos e sociais para os detentores dessa riqueza, ego�smo a avidez em lugar da fraternidade e solidariedade, foi essa a marca da sociedade implantada no s�culo dezoito. Com o mais absoluto desprezo pelos valores humanos fundamentais, esse tipo de sociedade criou dist�ncias enormes entre pobres e ricos, estabelecendo barreiras insuper�veis para os nascidos na mis�ria, estabelecendo uma ordem legal essencialmente injusta, os dominadores legalizaram as injusti�as, dando o nome de "direitos" aos seus privil�gios e assim impuseram um sistema de marginaliza��o cr�nica e heredit�ria, pretendendo-se transferir para os exclu�dos a culpa por sua exclus�o.

As duas guerras do s�culo vinte, que envolveram, direta ou indiretamente, quase toda a humanidade, espalhando morte e destrui��o e plantando as sementes de novas guerras inevit�veis se n�o ocorrerem mudan�as profundas, foram produtos desse tipo de sociedade e de sua escala de valores. Ambi��es materiais sem limites, ao lado de injusti�as insuport�veis, s� podem levar ao conflito e � viol�ncia e jamais produzir�o a paz.

Foi a consci�ncia dessa necessidade de mudan�a profunda que produziu a Declara��o Universal dos Direitos Humanos em 1948. Um dado fundamental da declara��o, que � o ponto de partida para a recupera��o da consci�ncia da dignidade e dos valores b�sicos da pessoa humana, � a proclama��o contida no artigo 1�: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos e dignidade...". A� est�, na utiliza��o da palavra "todos", abrindo o documento e condicionando sua leitura, compreens�o e aplica��o, a afirma��o expressa da Universalidade dos Direitos Humanos.

Isso tem como conseq��ncia que se alguma pessoa nascer em condi��es tais que impliquem discrimina��o ou exclus�o, quanto � titularidade dos direitos e � igual possibilidade de seu uso, estar� ocorrendo uma agress�o aos direitos Humanos.

Educa��o para os Direitos Humanos: "basta" � exclus�o social

Educar para os Direitos Humanos � infundir e implementar a consci�ncia de que a pessoa humana � o primeiro dos valores. Disso decorre o compromisso de respeito � dignidade dos seres humanos e aos valores fundamentais que s�o de toda a humanidade. Sendo direitos e valores universais nenhuma pessoa pode ser exclu�da desse respeito e toda exclus�o social � nega��o do humano.

Um ponto que deve ficar bem claro � que a educa��o para os Direitos Humanos � sempre, necessariamente, preparo e est�mulo para a pr�tica. Nas �ltimas d�cadas aumentou muito o n�mero de instrumentos normativos de Direitos Humanos, havendo j� uma quantidade consider�vel de conven��es, pactos, acordos, tratados e outros instrumentos de natureza jur�dica a afirma��o e a prote��o dos Direitos Humanos, sobretudo para a corre��o de situa��es em que tem sido habitual a pr�tica de ofensas graves a esses direitos.

Ao mesmo tempo, e em parte como conseq��ncia da evolu��o normativa, vem aumentando constantemente o n�mero de pessoas que falam e escrevem sobre Direitos Humanos. Em princ�pio � bom que isso aconte�a, mas existe, em primeiro lugar, o risco de se confundir o tratamento te�rico com a pr�tica. N�o basta falar em Direitos Humanos, escrever sobre eles e at� fazer leis em seu favor se isso n�o tiver autenticidade, se n�o houver a firme disposi��o de respeit�-los e faz�-los respeitar.

Outro risco � a cria��o da ilus�o de respeito, � a introdu��o dos Direitos Humanos na linguagem comum como simples modismo, sem conseq��ncias pr�ticas. Assim, por exemplo, hoje ningu�m diz que a mulher � inferior ao homem e que as posi��es de comando na sociedade devem ser reservadas aos homens. E no entanto em muitas partes do mundo, inclusive no Brasil, as mulheres continuam sofrendo muitas exclus�es, n�o tendo as mesmas oportunidades pelo simples fato de serem mulheres, independente do m�rito que possam ter.

Na realidade, j� houve consider�veis avan�os, o que deve ser reconhecido e louvado, mas persistem ainda muitas exclus�es, que devem ser identificadas, denunciadas e combatidas sem descanso. Existem os exclu�dos tradicionais, que s�o os herdeiros da pobreza, os marginais da educa��o, os imigrantes e refugiados, entre outros.

Em pesquisa realizada na Fran�a recentemente, verificou-se que cerca de 70% dos jovens sem qualquer diploma e sem qualifica��o profissional eram mais humildes e de menor remunera��o, ou ent�o eram filhos de desempregados ou de pessoas que nunca tiveram um emprego fixo.

Esse � um aspecto que deve merecer especial aten��o: a exist�ncia de pessoas que j� nascem exclu�das e que muito provavelmente jamais poder�o superar a situa��o de exclus�o. N�o � preciso ir longe, fazer uma pesquisa aprofundada ou ser especialista em qualquer ci�ncia para perceber que isso acontece hoje no Brasil. Embora a Constitui��o afirme a igualdade de todos e assegure a todos a mesma liberdade, s� por hipocrisia algu�m poder� dizer que o filho de pais ricos tem a mesma liberdade e as mesmas oportunidades quanto ao acesso aos direitos fundamentais que os filhos de pais pobres ou miser�veis.

Basta ter olhos para ver que um n�mero muito grande de crian�as brasileiras nasce em situa��o de exclus�o social. Muitas dessas crian�as n�o ultrapassam o primeiro ano de vida e se resistirem estar�o sempre � margem da sociedade ou numa long�nqua retaguarda, v�timas da fome e da falta de cuidados de sa�de, com pouca ou nenhuma possibilidade de educa��o, morando na rua ou em condi��es extre3mamente prec�rias, sofrendo humilha��es e agress�es � sua pessoa e completamente desprovidas de bens materiais. E no entanto o Brasil assinou a Declara��o Universal dos Direitos Humanos, segundo a qual "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos".

A esses exclu�dos tradicionais juntam-se agora novos exclu�dos. S�o filhos malditos da globaliza��o, os que n�o s�o aquinhoados com a liberdade do neo-liberalismo, os que s�o inexoravelmente condenados pelas leis do ,mercado, porque nem sequer chegam ao mercado. Na verdade, o que se procura esconder sob esses r�tulos � a �ltima tentativa de manuten��o dos privil�gios usufru�dos h� duzentos anos, com ego�smo e insensibilidade moral, pelos detentores de superioridade econ�mico e financeira.

Em �ltima an�lise, a globaliza��o econ�mica, apresentada como novidade embora j� exista h� quinhentos anos com o estabelecimento de rotas mar�timas e terrestres para o com�rcio, � um artif�cio do materialismo ego�sta para dificultar o avan�o dos Direitos Humanos.

Sem exagerar no otimismo e sem deixar de reconhecer que ainda s�o muitos os obst�culos para que as ambi��es materiais e a busca desenfreada de poder p�blico e prest�gio social cedam lugar � predomin�ncia da �tica e da solidariedade humana, pode-se afirmar que a humanidade reencontrou o bom caminho.

Atrav�s da educa��o para os Direitos Humanos os dominados, discriminados e exclu�dos adquirem consci�ncia dos direitos inerentes � sua condi��o humana e come�am a lutar por eles. Entre os dominadores alguns j� perceberam que se persistirem as injusti�as e as viola��es graves de Direitos Humanos haver� a "guerra de todos contra todos". Se houver empenho e determina��o n�o estar� longe a nova sociedade, livre de injusti�as e exclus�es sociais.


[1] Prof. Dr. Titular da Universidade de S�o Paulo. Membro da Comiss�o de Justi�a e Paz.

Em que ano foi assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos?

Em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas promulgava a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Era uma resposta imediata às atrocidades cometidas nas duas guerras mundiais, mas não só isso.

O que é o artigo 2 dos direitos humanos?

2. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto delituoso foi cometido.

O que diz o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos?

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

O que diz o artigo 30 da Declaração Universal dos Direitos Humanos?

“Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos”, estabelece o artigo 30.