O falante apresenta o fato como um participante ou como um observador

O relato verbal tem sido utilizado, em diversas áreas do conhecimento, como importante instrumento para a realização de investigações e intervenções (de Rose, 1997). Na psicoterapia, por exemplo, o terapeuta depende, em grande parte, do relato do cliente como fonte para analisar as interações deste com o ambiente em que vive (Medeiros & Medeiros, 2018). No âmbito forense, as informações que auxiliam na tomada de decisão de profissionais do judiciário são obtidas, muitas vezes, por meio do relato de testemunhas (Doepke, Henderson, & Critchfield, 2003).

Em todos esses casos, a acurácia do relato verbal faz-se extremamente importante, uma vez que impactará, diretamente, no comportamento do ouvinte. Um relato não acurado poderá levar o ouvinte a se comportar de forma menos efetiva (e.g., o terapeuta pode propor uma intervenção não apropriada para o problema do cliente) ou até mesmo indevida (e.g., o juiz condena um indivíduo inocente). Nesse sentido, uma análise funcional do comportamento verbal, conforme proposta por Skinner (1957), pode se configurar como uma importante contribuição para investigação da acurácia do relato verbal nos mais diferentes contextos.

Sob essa perspectiva, comportamento verbal é entendido como um comportamento operante, isto é, um comportamento que muda o ambiente e que é afetado pelas mudanças que produz. O comportamento verbal difere dos comportamentos não-verbais apenas pelo fato de que suas consequências são mediadas por um ouvinte especialmente treinado pela comunidade para atuar como tal (Skinner, 1957). Essa concepção permite tratar o comportamento verbal e, mais especificamente, o relato verbal, como passível de manipulações experimentais para demonstrar a dependência entre as variáveis independentes (aspectos do ambiente) e dependentes (Skinner, 1953).

Dadas as diferentes categorias de análise do comportamento verbal propostas por Skinner (1957), o relato verbal pode ser classificado como um tato, isto é, uma resposta verbal sob controle de estímulos antecedentes não verbais e mantida por reforçamento generalizado. A característica relevante deste operante é o controle singular exercido por algum aspecto do ambiente sobre a topografia da resposta, constituindo-se, portanto, em uma relação de controle de estímulos. Para Skinner (1957), para que a precisão do controle de estímulos sobre a resposta seja garantida, faz-se necessário 1) estabelecer a relação da resposta com o estímulo discriminativo por meio do reforçamento consistente de uma dada topografia de resposta na presença de um dado estímulo, utilizando-se diferentes reforçadores ou reforçadores generalizados e, 2) enfraquecer a relação com possíveis variáveis motivacionais (e.g., privação ou estimulação aversiva).

Considerando tais características do tato, a acurácia de um relato verbal dependeria, portanto, do grau de controle da resposta verbal pelo estímulo discriminativo antecedente e não por outras variáveis (de Rose, 1997; Skinner, 1957). Em Análise do Comportamento, a área de estudo que vem se dedicando à investigação das variáveis que afetam a acurácia do relato verbal tem sido denominada de correspondência fazer-dizer ou correspondência verbal/nãoverbal (Beckert, 2005). Nessa direção, uma série de estudos têm manipulado, experimentalmente, diferentes variáveis ambientais e verificado seus efeitos sobre a correspondência do relato com os eventos/comportamentos passados a que se referem (Antunes & Medeiros, 2016; Brino & de Rose, 2006; Brito, Medeiros, Medeiros, Antunes, & Souza, 2014; Cortez, de Rose, & Miguel, 2014; Cortez, de Rose, & Montagnoli, 2013; Cortez, Miguel, & de Rose, 2017; Domeniconi, Perez, & de Rose, 2014; Oliveira, Cortez, & de Rose, 2016; Ribeiro, 1989).

Ribeiro (1989) realizou um estudo em que oito crianças pré-escolares eram requisitadas a brincar com alguns brinquedos e, em seguida, a relatar sobre seus comportamentos prévios de brincar ou não brincar com cada um dos itens. Na linha de base, sem consequências diferenciais para relatos acurados ou não, as crianças apresentaram altos níveis de correspondência entre fazer-dizer. Quando, porém, uma dada topografia de resposta (relatos afirmativos, independentemente da correspondência com o que a criança havia feito) foi reforçada por meio de fichas trocáveis por guloseimas, observou-se que duas das oito crianças passaram a emitir relatos não correspondentes (i.e., relataram ter brincado com brinquedos com os quais não haviam, de fato, brincado). O aumento nos relatos afirmativos não correspondentes foi mantido e estendido para outras três crianças na condição subsequente, em que o reforçamento contingente aos relatos afirmativos de brincar foi realizado em contexto de grupo (i.e., quando as crianças puderam observar umas às outras recebendo fichas para relatos de brincar). Em uma fase subsequente, o reforço foi contingente à correspondência entre relato eo comportamento antecedente, o que ocasionou o retorno aos altos níveis de correspondência observados inicialmente, na linha de base.

A partir dos resultados obtidos, Ribeiro (1989) propôs uma discussão da acurácia do relato em termos dos operantes verbais tato e mando (cf. Skinner, 1957). Por exemplo, durante a linha de base, sem reforçamento diferencial, os relatos dos participantes teriam função de tato, uma vez que estavam sob controle dos estímulos antecedentes (i.e., os brinquedos com os quais brincaram ou não). Durante as condições em que o reforçamento foi contingente a uma topografia de resposta específica (dizer que brincou), os relatos dos participantes foram distorcidos, dado que ficaram sob controle da consequência específica e não do estimulo antecedente. Nesses casos, os relatos tinham topografia de tato, mas função de mando, ou seja, respostas verbais sob controle de variáveis motivacionais (privação ou estimulação aversiva) emitidas em função de um reforçador específico (Skinner, 1957).

Considerando a análise proposta por Ribeiro (1989), estudos subsequentes investigaram o papel de diferentes variáveis sobre a acurácia do relato como, por exemplo, o grau de dificuldade da tarefa (Domeniconi et al., 2014), a natureza da tarefa (Cortez et al., 2014), a magnitude da punição (Brito et al., 2014), os efeitos de diferentes tipos de treino de correspondência (Cortez et al., 2013; Cortez et al., 2017), a probabilidade de ganho em um jogo de cartas (Antunes & Medeiros, 2016) e os efeitos de diferentes variáveis sociais como o monitoramento (Brino & de Rose, 2006) e o contexto de grupo (Oliveira et al., 2016).

Com relação às variáveis sociais, Brino e de Rose (2006), observaram que os relatos de crianças sobre seus desempenhos (acertos e erros) em uma tarefa de leitura tenderam a ser distorcidos (i.e., não acurados) em uma condição sem monitoramento e tenderam a ser correspondentes na presença de um agente social. Por outro lado, estudos que investigaram o papel do contexto de grupo com crianças verificaram que os relatos tenderam a ser mais distorcidos quando os participantes eram solicitados a relatar em grupo do que quando relatavam, individualmente, sobre seus comportamentos (Oliveira et al., 2016; Ribeiro, 1989).

Outra variável social potencialmente relevante para a correspondência verbal diz respeito ao papel de diferentes audiências (Alves, 2018). Nas interações cotidianas, é possível observar que os relatos podem ser influenciados, por exemplo, em termos de precisão e/ou completude em função da presença de diferentes audiências. Um estudante, por exemplo, pode relatar sobre seu desempenho em uma prova de forma acurada para um colega mas não para seus pais. Uma jovem pode contar que teve uma “recaída” com o ex-namorado para a terapeuta, mas não para uma amiga. Episódios desse tipo sugerem que a audiência pode ser uma variável determinante na precisão dos relatos de crianças e adultos.

Por fazer parte da ocasião na qual uma dada resposta verbal é consequenciada, o ouvinte pode se tornar um estímulo discriminativo na presença do qual uma dada resposta tem sua probabilidade de ocorrência aumentada. A essa função evocativa do ouvinte, Skinner (1957) dá o nome de audiência. De acordo com Fonai e Sério (2007), no livro de Skinner (1957), a audiência é sempre apresentada como uma condição antecedente à emissão da resposta, atuando como um dos estímulos discriminativos responsáveis pela emissão da resposta. Assim, o ouvinte, que atua como mediador da consequência, poderá ser considerado como uma audiência quando assume função evocativa (ou seja, antecedente) sobre a resposta. Desta forma, considerando tal função, diferentes audiências podem controlar diferentes subdivisões do repertório do falante (e.g., pode-se relatar um mesmo evento de forma completa ou incompleta, precisa ou imprecisa, em linguagem técnica ou gíria, etc.) a depender da história prévia de reforçamento na presença de cada tipo de audiência (Skinner, 1957).

Assim, por exemplo, um ouvinte que apresente, consistentemente, consequências aversivas contingentes a determinadas topografias de respostas verbais pode adquirir, por fazer parte da ocasião na qual a resposta é consequenciada, função discriminativa. Nesse caso, o ouvinte torna-se uma audiência negativa, na presença da qual uma resposta verbal é usualmente punida. De acordo com tal definição, na presença de tais audiências (e.g., pais, agentes do governo, professores, etc.), o falante emitirá poucas respostas (cf., Skinner, 1957) ou poderá, até mesmo, apresentar respostas de fuga-esquiva (como, por exemplo, relatos não correspondentes). Por outro lado, uma audiência na presença da qual uma dada topografia de resposta é seguida consistentemente por, por exemplo, atenção e elogios, evocará, com maior probabilidade a emissão de tal topografia de resposta.

Apesar da explicitação da função evocativa da audiência (Skinner, 1957) e de sua possível influência sobre a acurácia das respostas verbais, até o momento, apenas um estudo investigou o papel da audiência na correspondência fazer-dizer. Alves (2018) expôs 10 estudantes universitários a um jogo virtual em 3D em que os participantes deveriam coletar objetos vermelhos (proibidos, mas que geravam muita energia para continuar no jogo) e verdes (permitidos, mas que geravam pouca energia) e, em seguida, relatar para diferentes audiências se coletaram ou não os objetos vermelhos. As audiências consistiam em três diferentes personagens do jogo, sendo que cada qual sinalizava, por meio de descrições iniciais sobre as características de tais personagens, diferentes contingências (i.e., um sinalizava punição, outro reforçamento positivo e outro tanto punição quanto reforçamento). De forma geral, os resultados indicaram uma maior frequência de relatos não correspondentes sobre a coleta dos objetos proibidos diante das audiências que sinalizavam punição ou ambiguidade entre reforçamento e punição, indicando o tipo de audiência como variável de controle importante para a correspondência fazer-dizer de adultos.

Apesar de o estudo de Alves (2018) apresentar resultados que demonstram o papel da audiência na precisão dos relatos verbais de adultos, nenhum estudo encontrado na literatura da área, até o momento, investigou, empiricamente, os efeitos de diferentes audiências na correspondência fazer-dizer de crianças. Considerando, a proposta de Skinner (1957) de que diferentes audiências podem controlar diferentes subdivisões do repertório do falante a depender da história prévia de reforçamento na presença de cada tipo de audiência, seria importante verificar, portanto, se a presença de diferentes audiências (com possíveis diferentes histórias prévias de reforçamento) poderia afetar, diferencialmente, a acurácia do relato de crianças. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo investigar os efeitos de três diferentes audiências (computador, experimentador e colega) sobre a acurácia do relato de crianças com altos níveis de correspondência fazer-dizer.

MÉTODO

Participantes

Participaram seis crianças com desenvolvimento típico, quatro meninas e dois meninos, com idades entre sete anos e seis meses e 11 anos e cinco meses, que frequentavam diferentes escolas públicas da cidade de São Carlos-SP e foram recrutadas diretamente com os pais. Os participantes foram selecionados para este estudo por apresentarem altos índices de correspondência de relatos de acertos e erros (no máximo dois relatos nãocorrespondentes por sessão) em uma tarefa de leitura, durante sessões de linha de base. O presente projeto foi aprovado por um comitê de ética em pesquisa com seres humanos e a coleta teve início mediante a assinatura, pelos pais, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

SITUAÇÃO E MATERIAIS

A coleta de dados foi realizada, quatro dias por semana, no Laboratório de Estudos do Comportamento Humano da Universidade Federal de São Carlos. As crianças permaneciam no laboratório por uma hora e realizavam, em média, duas sessões experimentais por dia, com duração de, aproximadamente, cinco minutos cada. No tempo restante, os participantes ficavam em uma sala de espera, onde podiam realizar diferentes atividades lúdicas (brincar, pintar, desenhar, etc). A sala experimental era equipada com um computador, mesas e cadeiras, caixas de som (que reproduziam as mensagens pré-gravadas do programa utilizado), um microfone (que captava as respostas vocais dos participantes) e um armário com quatro portas de vidro, onde eram alocados os brinquedos e materiais escolares, utilizados como brindes. Utilizou-se o software “Lendo e Escrevendo em Pequenos Passos” (Rosa Filho, de Rose, de Souza, Hanna, & Fonseca, 1998), que controlava a sequência de tentativas experimentais, apresentando estímulos e registrando dados. Os estímulos utilizados foram palavras, sílabas, letras e figuras coloridas. Para os participantes que liam corretamente palavras consideradas difíceis, foram utilizadas, também, figuras não-familiares (flores, animais, instrumentos musicais) e palavras em inglês, com a finalidade de garantir as probabilidades de erros programadas para cada sessão.

A sala experimental possuía um espelho unidirecional que permitia ao experimentador, em uma sala adjacente, monitorar os comportamentos das crianças. A sala adjacente também continha caixas de som conectadas ao microfone da sala experimental e um monitor de televisão, que exibia a mesma tela exibida no computador do participante, permitindo ao experimentador registrar respostas vocais (leitura/nomeação) e de escolha (com o uso do mouse) em tempo real. O experimentador registrava as respostas vocais das crianças e liberava pontos (reforçadores) por meio de um teclado conectado, por uma extensão, ao computador da criança. O software registrava automaticamente as respostas de relato (clicar em um quadrado verde ou vermelho na tela do computador.

PROCEDIMENTO

As sessões experimentais foram programadas com uma sequência de tentativas que requeriam duas respostas consecutivas dos participantes, estabelecendo, desta forma, a sequência fazer-dizer. A tentativa era iniciada com a apresentação simultânea de um estímulo visual (palavra, sílaba, letra ou figura) centralizado na parte superior da tela e do estímulo auditivo “Que palavra (sílaba/letra/figura) é essa?”. A criança, deveria emitir uma resposta de leitura/ nomeação em voz alta. O experimentador realizava o registro da resposta de leitura emitida pela criança (correta ou incorreta) e pressionava a tecla enter, que produzia a apresentação da tela com a tarefa de relato. Nessa tela, eram apresentados, simultaneamente, o estímulo visual (palavra ou figura apresentada na tarefa de leitura) centralizado na parte superior da tela, um quadrado verde e um quadrado vermelho equidistantes, na parte inferior, e o estímulo auditivo “Se você disse [leitura/nomeação correta do estímulo antecedente], aperte o quadrado verde, se não, aperte o quadrado vermelho”. Assim, o “fazer” da criança neste experimento era vocal: ler ou nomear em voz alta; o relato (“dizer”) consistia em clicar com o mouse sobre o quadrado verde (relatando leitura/nomeação correta) ou sobre o quadrado vermelho (relatando leitura/nomeação incorreta). A posição dos quadrados verde e vermelho mudava aleatoriamente a cada tentativa. O registro da escolha dos quadrados era realizado automaticamente pelo software utilizado.

DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS DEPENDENTES, INDEPENDENTES E DELINEAMENTO EXPERIMENTAL

No presente estudo, considerou-se como variável dependente a correspondência entre fazer e dizer. Na tarefa computadorizada, relatos correspondentes de acertos ou erros foram definidos como clicar, respectivamente, no quadrado verde após respostas corretas de leitura/nomeação e no quadrado vermelho após respostas incorretas de leitura/nomeação. Os relatos não correspondentes foram definidos como clicar no quadrado verde após respostas incorretas de leitura/nomeação e no quadrado vermelho após respostas corretas de leitura/nomeação. Na condição em que foi manipulado o tipo de audiência e a quantidade de pontos para obtenção de brindes de maior preferência, o total de pontos era apresentado na tela após o final da tarefa computadorizada e o participante relatava para uma audiência (computador, experimentador ou colega) a quantidade de pontos que havia somado. Considerou-se o relato como correspondente quando a criança relatava para a audiência o número correto de pontos e como relato não correspondente quando a criança relatava um número de pontos incorreto. Nesta fase era estipulado que a escolha do brinde dependeria da pontuação do participante e a escolha do brinde também podia ser considerada correspondente (quando a criança escolhia um brinde na “lojinha” de acordo com a pontuação obtida) ou não correspondente (quando o brinde escolhido pela criança requeria mais pontos do que ela havia obtido).

Com relação à variável independente principal (audiência), os participantes foram expostos a três tipos de audiências (computador, experimentador e colega), escolhidas de acordo com suas possíveis diferentes histórias prévias de reforçamento (cf. Skinner, 1957). Desta forma, o computador poderia ser considerado como uma audiência neutra (i.e., sem história prévia consistente de reforçamento ou punição para topografias de respostas específicas) enquanto o experimentador, por sua vez, poderia, por se tratar de um adulto e de uma figura de autoridade, se constituir, por generalização de características físicas e funcionais de outras audiências relacionadas a uma história prévia de punição para erros ou relatos de erros, como “audiência negativa”. Com relação ao colega, este também poderia atuar como uma possível “audiência negativa”, (dado que é comum, em escolas, crianças terem seus relatos de erros ou de maus desempenhos em tarefas acadêmicas e/ou esportivas punidos, por meio de piadinhas ou comentários depreciativos, por seus colegas de turma).

No presente estudo, para avaliar o papel da variável independente na acurácia do relato das crianças foi utilizado um delineamento de linha de base múltipla não concorrente entre participantes (Watson & Workman, 1981). Cada dupla de participantes (P1-P3, P2-P5 e P4- P6) realizou as atividades experimentais, aproximadamente, ao mesmo tempo.

CONDIÇÕES EXPERIMENTAIS

Avaliação de leitura. Foi realizada uma avaliação de leitura de letras, sílabas, palavras compostas por sílabas simples (consoante-vogal) e de palavras com unidades consideradas mais complexas (encontros consonantais, ç, x, etc.), por meio do diagnóstico de leitura do software “Lendo e Escrevendo em Pequenos Passos” (Rosa Filho et al., 1998). Com base nesta avaliação foram identificadas letras, sílabas e palavras que o participante era ou não capaz de ler. Estas palavras foram usadas nas fases seguintes para manipular a dificuldade da tarefa e, consequentemente, a probabilidade de erros na tarefa computadorizada.

Pré-treino. Foram realizadas três sessões de dez tentativas cada com o objetivo de ensinar aos participantes a sequência fazer-dizer empregada no presente estudo. Na primeira sessão, todas as tentativas apresentavam a instrução pré-gravada completa da tarefa de relato, isto é, “Se você disse [leitura/nomeação], aperte o quadrado verde, se não, aperte o quadrado vermelho”. Na sessão seguinte, tentativas com a instrução completa eram intercaladas a tentativas que apresentavam apenas a leitura/nomeação correta do estímulo antecedente (por exemplo: “gato”). Na última sessão, a instrução completa era apresentada apenas na primeira tentativa. O critério de encerramento desta condição foi de 100% de relatos correspondentes nas três sessões.

Linha de base. As sessões desta condição tiveram por objetivo avaliar a correspondência dos relatos de acertos e erros em função do aumento da probabilidade de erro em leitura (10, 25, 50 ou 70%), replicando estudos anteriores (Cortez et al., 2013; Cortez et al., 2017; Domeniconi et al., 2014). Foram realizadas, no mínimo, três sessões consecutivas para cada faixa de probabilidade de erro. Nesta condição, não foram programadas consequências diferenciais para os relatos ou para o desempenho na tarefa de leitura/nomeação. A criança realizava a tarefa sozinha na sala experimental e recebia, ao final da sessão, um brinde por sua participação.

Teste de Audiência. Imediatamente, antes da primeira sessão desta condição, o computador reproduzia a seguinte mensagem pré-gravada: “Atenção! A partir de agora você vai começar a ganhar pontos que serão trocados por brindes ao final da sessão, de acordo com a pontuação que você conseguir. Não se esqueça de ver quantos pontos você fez quando a sessão acabar, pois só você verá o total de pontos que conseguiu”. Ao final da tarefa computadorizada, a tela com o número total de pontos obtidos era apresentada por, aproximadamente, dez segundos, sendo removida em seguida. Foram realizadas três sessões consecutivas com cada audiência, na mesma ordem para todas as crianças: computador, experimentadora e colega.

Nesta condição, os participantes passaram a receber pontos contingentes aos relatos correspondentes de acerto. Desta forma, considerando a probabilidade de erro programada em cada sessão (50%), esperava-se que as crianças poderiam receber, no máximo, 10 pontos. Dependendo da quantidade de pontos obtidos, as crianças poderiam escolher, na “lojinha”, um brinde de alta preferência (acima de 12 pontos), média preferência (6 a 11 pontos) e baixa preferência (0 a 5 pontos). A preferência da criança pelos itens foi avaliada pelas escolhas feitas durante as sessões de linha de base, nas quais a escolha pelos brindes era livre e, também, por meio das próprias verbalizações dos participantes. O total de pontos obtidos pela criança em uma sessão dependia, portanto, apenas da acurácia de seus relatos de acerto. Relatos não correspondentes de erro (relatar um erro como acerto) não alteravam o total de pontos ganhos, que foi programado para nunca ultrapassar o total de 10. Porém isto não era facilmente discriminável porque o total de pontos só era apresentado ao participante ao final da tarefa computadorizada.

Procedimentos específicos para cada tipo de audiência foram realizados, conforme descrito a seguir:

Audiência 1- Computador. Assim que a tela com número total de pontos era removida, o computador reproduzia a seguinte mensagem pré-gravada “Agora que você terminou, me diga em voz alta: Quantos pontos você fez nesta sessão?”. Alguns segundos após a criança emitir uma resposta, o experimentador entrava na sala experimental e dizia “Responda apenas sim ou não. Você viu o número de pontos que você fez?”. Após a resposta da criança, o experimentador abria as portas da “lojinha” e dizia “Então escolha um presente na porta que tem o mesmo número de pontos que você fez, mas não me conte quantos pontos fez, tá bom?”. Nesta condição, a criança não contava ao experimentador quantos pontos havia feito na sessão e retirava o brinde da “lojinha”, sem nenhuma intervenção do experimentador. Eram registrados, conforme definição da variável de- pendente apresentada na seção “Definição das variáveis dependentes, independentes e delineamento experimental”, os dados de correspondência produzidos durante a tarefa no computador (ou seja, os Relatos durante a Sessão - RS), a correspondência do Relato para a Audiência (RA), neste caso, o computador, e a Escolha do Brinde (EB) pela criança quando diante da “lojinha”.

Audiência 2 - Experimentador. Após a exibição e remoção da tela com o número total de pontos, o experimentador entrava na sala experimental e perguntava “Você viu quantos pontos fez nesta sessão?”. Assim que a criança emitia uma verbalização afirmativa, o experimentador dizia “Certo! Agora me conte quantos pontos fez.” Após a resposta da criança, o experimentador abria apenas a porta da “lojinha” correspondente ao número de pontos verbalizado pela criança (independentemente de este corresponder ou não com o número de pontos obtido) e dizia, “Você me disse que fez XX pontos, então pode escolher o presente aqui”. Eram registrados, nesta fase, os dados de correspondência produzidos durante a sessão realizada no computador (RS) e a correspondência do relato emitido pela criança para o experimentador (RA).

Audiência 3 - Colega. Após a apresentação e remoção da tela de pontos, o experimentador entrava na sala experimental e dizia “Responda apenas sim ou não. Você viu o número total de pontos que você fez?”. Após a resposta da criança, o experimentador dizia “Certo! Então não esqueça este número, tá bom? Eu vou fazer uma sessão com o [nome do outro participante] e daqui a pouco você pega o seu brinde!”. Em seguida, o experimentador conduzia este participante para a sala de espera e levava um segundo participante para a sala experimental, impedindo que os dois pudessem conversar. O mesmo procedimento era realizado com a segunda criança. Ao final da tarefa com o segundo participante, o experimentador reunia as duas crianças na sala experimental e dava a seguinte instrução “Assim que eu sair da sala, quero que um de cada vez conte ao outro quantos pontos fez durante a sessão. Depois que vocês contarem um para o outro, abram a portinha que tem o mesmo número de pontos que vocês fizeram e peguem, cada um, um brinde. Lembremse, o brinde tem que ser aquele da porta com a mesma quantidade de pontos que vocês disseram ter feito para o outro, tá bom?”.

O experimentador especificava, na regra, qual das duas crianças deveria perguntar primeiro e qual deveria responder primeiro. Isto era repetido nas duas sessões seguinte, revertendo-se, a cada sessão, a ordem das crianças na realização da sessão experimental e no relato. Ao final da interação entre as crianças, que foi observada da sala adjacente pelo experimentador e por um auxiliar de pesquisa, o experimentador entrava na sala experimental e não fazia comentário algum sobre os itens escolhidos pelas crianças. As duplas foram sempre as mesmas: P1-P3, P2-P5 e P4-P6. Foram registrados os dados de correspondência durante a sessão no computador (RS), o relato de uma criança para a outra sobre o número total de pontos ganhos (RA) e se as crianças escolhiam ou não o brinde na faixa de pontos correspondente àquela verbalizada para a outra criança (EB).

Treino de Correspondência. Para os casos em que foram observadas diminuições nos níveis de correspondência dos relatos dos participantes em função das manipulações experimentais empregadas, foi realizado um treino de correspondência (cf. Domeniconi et al., 2014) que teve por objetivo restaurar os altos índices de relatos correspondentes observados nas sessões de linha de base. Optou-se por não apresentar a descrição e resultados do Treino de Correspondência no presente manuscrito porque esta condição foi conduzida por razão ética e não fazia parte da pergunta de pesquisa (dado que estudos prévios já indicaram os efeitos positivos do treino de correspondência na produção de relatos acurados – ver Cortez et al., 2017). O leitor interessado poderá acessar a descrição dos procedimentos pós-experimentais e seus resultados em material suplementar disponibilizado pelos autores por meio do link (https://www.researchgate.net/publication/330116939_Descricao_dos_procedimentos_pos- experimentais_e_resultados_completos_-_Estudo_2_-_Tese_de_Doutorado_Cortez_2012).

CONDIÇÕES EXPERIMENTAIS

As respostas de leitura de dois dos seis participantes foram registradas por um segundo observador a partir de gravações de áudio das sessões realizadas (as medidas de relato foram registradas automaticamente pelo programa). Um acordo foi considerado quando tanto experimentador quanto observador registraram que uma dada criança acertou ou errou a leitura. A porcentagem de acordo foi calculada pela divisão entre o número de acordos pelo número total de tentativas avaliadas, isto é, acordos mais desacordos (Kazdin, 2011). A porcentagem de acordo foi de 97,9%, ou seja, 881 acordos das 899 tentativas avaliadas ao longo de diferentes condições experimentais.

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta os resultados de todos os participantes ao longo das sessões de linha de base e teste de audiência (computador, experimentador, colega). As barras correspondem à porcentagem de erros em leitura/nomeação em cada sessão. As linhas contínuas indicam a porcentagem de relatos correspondentes de erro e as linhas pontilhadas representam a porcentagem de relatos correspondentes de acerto. Abaixo do eixo “x”, estão apresentados, para cada sessão, os resultados de correspondência durante o relato para a audiência (RA) e durante a escolha do brinde (EB). A letra “S” (SIM) indica que o relato para a audiência ou a escolha do brinde foi correspondente ao total de pontos obtidos. A letra “N” (NÃO) indica que relato ou escolha do brinde não foram correspondentes ao número de pontos obtidos. Um asterisco acima das barras correspondentes às sessões de teste de audiência indica que o participante recebeu o brinde de alta preferência na respectiva sessão, o que só poderia acontecer mediante quebra da correspondência.

O falante apresenta o fato como um participante ou como um observador

Figura 1.
Porcentagem de erros e de relatos correspondentes de acertos e erros ao longo das condições experimentais.

As letras abaixo do eixo x (S e N) referem-se, respectivamente, à correspondência (SIM) ou não correspondência (NÃO) tanto dos relatos para as audiências (RA) sobre o total de pontos ao final da sessão quanto da escolha dos brindes (EB). Asteriscos sobre as barras indicam sessões em que o participante obteve o brinde de alta preferência.

Foram selecionados para o estudo apenas participantes que apresentavam alta correspondência na linha de base. Por este motivo, para simplificar a apresentação, a Figura 1 apresenta apenas as sessões de linha de base nas quais a porcentagem programada de erros foi de 50% (nas quais a porcentagem de erros apresentada de fato pelos participantes variou entre 40% a 60%) e a porcentagem de relatos correspondentes necessariamente foi próxima de 100%, tanto para acertos como para erros. Os resultados completos (relativos a todas as faixas de probabilidades de erros programadas) podem ser acessados no material suplementar pelos autores por meio do link disponibilizado.

Com relação ao teste de audiência, observou-se que quatro dos seis participantes (P1, P3, P4 e P5) apresentaram diminuição nos níveis de acurácia para relatos de erro quando realizavam a tarefa no computador. Os níveis de correspondência para relatos de acerto mantiveram-se sempre elevados. A queda na correspondência foi, de modo geral, menor nas sessões em que a audiência era o computador e acentuou-se nas sessões em que a audiência foi o experimentador ou o colega.

Com relação à correspondência dos relatos para as diferentes audiências (RA), apenas P2 e P5 relataram de forma acurada sobre a pontuação recebida em todas as oportunidades de relato. Nas sessões realizadas tendo o computador como audiência, apenas P1 emitiu relatos não correspondentes, a partir da segunda sessão desta condição. Quando os participantes tiveram de relatar seus pontos para o experimentador, três crianças (P1, P4 e P6) emitiram relatos não correspondentes para esta audiência em, pelo menos, uma sessão. P1 relatou de forma não correspondente nas três sessões realizadas com essa audiência, P6 superestimou a quantidade de pontos em uma sessão e P4 em duas sessões. O número crianças que emitiram relatos não correspondentes foi maior quando a audiência era um colega. P1, P4 e P6 relataram seus pontos de forma não correspondente nas três sessões realizadas sob esta condição. P3, por sua vez, começou a emitir relatos não acurados para a audiência a partir da segunda sessão desta fase (após observar, na sessão anterior, que o colega P1 relatou ter feito 12 pontos e, por consequência, teve acesso aos itens de maior preferência).

No que diz respeito à correspondência no momento da escolha do brinde (EB), observou-se que, as quatro crianças (P1, P3, P4 e P6) que emitiram relatos não correspondentes sobre o número de pontos obtidos (RA), para pelo menos uma das audiências, também foram aquelas que escolheram, em pelo menos uma oportunidade, o brinde na faixa de pontuação maior do que a obtida durante a execução da tarefa no computador. P1 e P4 escolheram seus brindes acima de sua faixa de pontuação em todas as sessões desta condição, independentemente do tipo de audiência ao qual estavam sendo expostos. P6 escolheu o brinde de forma não correspondente em todas as sessões realizadas tendo o colega como audiência e apenas em uma sessão realizada diante da audiência “computador”. P3 escolheu o brinde de maior preferência (ou seja, não correspondente), apenas nas duas últimas sessões realizadas, diante da audiência “colega”.

DISCUSSÃO

O presente estudo investigou o papel de três audiências com possíveis diferentes histórias prévias de reforçamento (computador, experimentador ou colega) sobre a acurácia do relato de crianças com altos níveis de correspondência fazer-dizer, em uma situação na qual a dificuldade da tarefa e o número de pontos requeridos para obter os brindes foram manipulados de modo a tornar virtualmente impossível a obtenção dos brindes de maior preferência. Os resultados indicaram que cinco de seis participantes apresentaram redução de correspondência em uma ou várias medidas.

Com exceção de P2 e de P6, todos apresentaram redução na correspondência para relatos de erro durante a realização da tarefa computadorizada (i.e., relatos durante a sessão – RS), ou seja, passaram a relatar uma parte dos seus erros, ou todos eles, como acertos. Estes relatos não correspondentes não acrescentavam pontos, porém, como os pontos só eram revelados ao final da tarefa, é possível que, em razão de uma história prévia de reforçamento para relatos de acertos, os participantes tenham emitido, sob tais condições, respostas (mesmo que de forma não correspondente) que no passado produziram a apresentação de pontos (e.g. relatos de acertos). Desta forma, o número de pontos para a obtenção do brinde serviu como um reforçador condicionado específico, característico de relações de mando. Assim, o controle supostamente exercido por estímulos discriminativos não verbais para o relato da criança foi distorcido por operações motivacionais. Eventualmente, consequências especificas contingentes ao tato podem levar a uma “quebra” do controle de estímulos e o relato passa a ser “inventado” (Skinner. 1957, p. 153). Essa distorção também é provável quando a resposta previne consequências aversivas. Assim, ao impor um número mínimo de pontos para a obtenção do brinde, o experimentador conferiu valor reforçador aos pontos obtidos, aumentando também a frequência de comportamentos que levaram a obtenção de tais consequências (cf. Michael, 1993). No caso dos resultados do presente estudo, este repertório poderia incluir, para todas as crianças (exceto P2), respostas de distorcer relatos, que não eram necessárias para a obtenção do reforço na linha de base, mas foram evocadas pela operação estabelecedora. A mesma operação também pode ter conferido funções aversivas para relatar erro, de modo que os participantes passaram a relatar que haviam acertado mesmo após ter errado, ainda que esta distorção de relato não tivesse efeito sobre a pontuação.

Além de P2, o único participante que não obteve o brinde de alta preferência em nenhuma das sessões de teste de audiência foi P5, que sempre relatou corretamente o número de pontos para as audiências e escolheu o brinde de média preferência, correspondente à pontuação obtida. No entanto, ele apresentou um acentuado decréscimo na correspondência para relatos de erro durante a realização da tarefa de leitura no computador, ou seja, passou a relatar erros como acertos. O desempenho de P3 foi semelhante, com diminuição acentuada na correspondência para relatos na tarefa computadorizada, principalmente para as audiências experimentador e colega. No entanto, P3 permaneceu escolhendo o brinde correspondente a sua faixa de pontuação, até a primeira sessão em que a audiência foi o colega, e passou a apresentar relatos e escolhas não correspondentes na sessão seguinte, após exposição ao relato da pontuação pelo colega, que relatou ter feito 12 pontos e que, por consequência, teve acesso ao item de maior preferência.

Os outros três participantes, P1, P4 e P6 foram os que obtiveram os brindes de maior preferência em número maior de sessões. Todos os relatos de P4 para o computador foram correspondentes, mas ele escolheu o brinde de maior preferência, de forma não correspondente à pontuação obtida, em todas estas três sessões. Ele também emitiu relatos correspondentes nas três sessões em que o experimentador foi audiência e, consequentemente, não obteve o brinde de maior preferência, pois nesta condição era o experimentador que dava acesso aos brindes. Nas três sessões seguintes, em que a audiência era o colega, esta criança apresentou relatos não correspondentes sobre sua pontuação e escolheu o brinde de maior preferência. Já P6 manteve taxas elevadas de relatos correspondentes de erros na tarefa computadorizada de leitura, mas obteve o brinde de maior preferência (por emitir relatos não correspondentes

para a audiência ou por escolher o brinde de forma não correspondente) em uma sessão em que a audiência era o computador, uma em que o experimentador era a audiência e em todas as três em que a audiência foi o colega. É possível que P6, por produzir os reforçadores por meio dos relatos distorcidos para a audiência ou por meio da escolha de brindes de forma não correspondente, tenha mantido a correspondência de seus relatos de acertos e erros durante a realização da tarefa de leitura no computador. Os resultados de P1, que também manteve alta taxa de relatos correspondentes na tarefa computadorizada (embora um pouco menor do que a de P6), também poderiam ser explicados da mesma forma.

De acordo com Skinner (1957), a audiência pode ser definida como um estímulo discriminativo na presença do qual uma resposta verbal é caracteristicamente reforçada e na presença do qual é caracteristicamente forte, de modo que, diferentes audiências podem controlar diferentes subdivisões do repertório do falante. Os resultados de cinco dos seis participantes desse estudo e, em especial, os resultados de P5 (durante a execução da tarefa de leitura no computador) são consistentes com esta definição, uma vez que, no presente estudo, diferentes audiências ocasionaram diferentes padrões de relato. De forma geral, foi observada uma maior ocorrência de relatos não correspondentes (tanto durante a realização da tarefa de leitura no computador, quanto nos relatos para a audiência e escolha do brinde) diante das audiências com possíveis histórias prévias de punição para relatos de erros (i.e., “audiências negativas”), ou seja, o experimentador (figura de autoridade) e os colegas.

Efeito semelhante foi observado no estudo de Alves (2018) realizado com participantes adultos. Verificou-se a emissão de um maior número de relatos não correspondentes sobre a coleta de objetos proibidos na presença das audiências que sinalizavam punição ou ambiguidade entre reforço e punição do que na presença da audiência que sinalizava reforçamento positivo. Os resultados do presente estudo e do estudo de Alves (2018) parecem, portanto, atestar, experimentalmente, a função evocativa da audiência e a noção de audiência negativa propostas por Skinner (1957).

O efeito de variação da correspondência do relato em função do tipo de audiência pôde ser observado, também, por meio das outras medidas de correspondência do relato realizadas no presente estudo, como por exemplo, nos relatos para as audiências (RA) sobre o total de pontos obtidos. As quatro crianças que apresentaram relatos não acurados nesse tipo de medida (P1, P3, P4 e P6), o fizeram, de forma mais frequente, quando o relato era realizado para o colega. Para a audiência computador, por outro lado, apenas P1 emitiu relatos não correspondentes sobre a pontuação recebida.

Segundo Spradlin (1985), a taxa, a extensão e a complexidade do comportamento verbal do falante podem ser influenciadas pelo tipo de audiência. Sob essa perspectiva, o repertório controlado por uma dada audiência dependeria de fatores como a similaridade da audiência presente com audiências passadas e a similaridade das contingências que a audiência atual compartilha com aquelas de audiências prévias. Esses fatores poderiam, portanto, explicar o porquê, diante da mesma condição (quantidade de pontos requerida para obter os itens preferidos maior que a possível de ganhar durante a sessão), diferentes padrões de relato foram observados na presença de diferentes audiências.

Diferentemente dos demais participantes, P2 continuou a apresentar altos índices de relatos correspondentes de erro em todas as sessões de Teste de Audiência e em todas as medidas de correspondência realizadas (RS, RA e EB). Um fato interessante relacionado a esta participante é que sua mãe informou à experimentadora que sempre dizia à filha que esta não deveria mentir para ninguém e que deveria contar tudo o que acontecia. É possível notar, portanto, que para P2, regras estabelecidas pela mãe (“nunca mentir” e “contar tudo para a mãe”), e a possível checagem frequente da veracidade de seus relatos poderiam se contrapor a contingências que teriam maior probabilidade de produzir relatos não correspondentes. De acordo com Ekman (1996), a falta de privacidade, por exemplo, implicaria no aumento da probabilidade de que, por meio de observação direta ou de outras evidências físicas, uma mentira pudesse vir a ser descoberta.

De forma geral, no presente estudo, a acurácia do relato de cinco dos seis participantes foi influenciada pela impossibilidade de obter a pontuação necessária para os brindes de maior preferência, mas também dependeu da exposição a diferentes audiências, conforme a definição de audiência proposta por Skinner (1957). Apesar de o padrão de mudança do relato não ter sido o mesmo para todos os participantes (alguns relataram de forma não correspondente apenas ao longo da execução da tarefa no computador; outros durante o relato para as audiências ou no momento de escolha do brinde), observou-se que a presença de diferentes audiências afetou os níveis de correspondência destes participantes (i.e., observou-se diminuição na acurácia do relato) em relação ao padrão exibido durante as sessões de linha de base.

Nesse sentido, professores, pesquisadores, terapeutas, ou outros profissionais das áreas da saúde, judiciário ou educacional, que utilizam o relato verbal como instrumento para coletar de dados e/ou obter informações, deveriam atentar para os efeitos de determinadas audiências sobre a fidedignidade do relato de seus alunos, clientes ou participantes. A partir dos dados da literatura e/ou identificando, em alguma medida, as relações de reforçamento estabelecidas entre o falante e as audiências as quais está exposto, o profissional estaria em melhores condições de prever, com certo grau de certeza, a probabilidade de emissão de relatos não correspondentes diante de determinadas audiências.

Apesar da relevância desta temática em diversos contextos e para diversas atuações profissionais, são poucos os estudos experimentais que investigaram o papel da audiência sobre a correspondência do relato verbal de crianças e adultos. Estudos futuros deveriam dar continuidade à investigação do papel de tal variável na correspondência fazer-dizer por meio de diferentes arranjos e controles experimentais. A generalidade dos resultados apresentados no presente estudo ainda precisaria ser melhor estabelecida por meio de replicações sistemáticas realizadas com um maior número de participantes, com outras populações, com outros tipos e audiências, em outros tipos de contextos/atividades e com maior controle da ordem de exposição às diferentes audiências. Nesse último caso, o emprego de um delineamento de tratamentos alternados (Sindelar, Rosenberg, & Wilson, 1985), por exemplo, poderia eliminar possíveis efeitos da ordem de exposição às diferentes audiências. Além disso, no presente estudo, a condição de relato para o experimentador diferiu, em mais de um aspecto, com relação às demais condições de relatos para as audiências (i.e., em tal condição, além da mudança de audiência, o participante não podia escolher o brinde, o que diferia com relação às demais audiências). Nesse sentido, seria importante garantir, em estudos futuros, maior controle experimental entre as diferentes condições realizadas de forma a minimizar efeitos de possíveis variáveis intervenientes. Apesar de tais aspectos, a serem respondidos por meio de replicações, considera-se que os resultados obtidos no presente estudo constituem-se como evidências satisfatórias para documentar, empiricamente, o papel da audiência, conforme de- finição de Skinner (1957), sobre o comportamento verbal e, mais especificamente, sobre a correspondência fazer-dizer de crianças.

REFERÊNCIAS

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Autor notes

1 Endereço: Mariéle Diniz Cortez, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos, Via Washington Luis, Km 235, São Carlos-SP, CEP 13565-905. Email

Este manuscrito é parte da tese de doutorado da primeira autora, financiada pela FAPESP (Processo #2008/50998-4). O terceiro autor contou com bolsa produtividade em pesquisa do CNPq. Esta pesquisa faz parte do programa científico do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT/ECCE) financiado pelo CNPq (Processos #573972/2008-7 e #465686/2014-1), FAPESP (Proces- sos #2008/57705-8 e 2014/50909-8) e CAPES (Processo #88887.136407/2017-00). Agradecemos à Profa. Dra. Deisy das Graças de Souza, coordenadora do INCT/ECCE.