O indígena que faz uso de celular, tem antena parabólica, continua sendo indígena

1As transformações produzidas pelo amplo processo de globalização têm diferentes impactos sobre o território. De um lado, o principal foco da globalização é o aumento das trocas de informações, capitais e mercadorias para o qual é construído todo um aparato técnico-científico-informacional que dá suporte a esse processo (Santos, 2008); de outro, verifica-se a ampliação das contradições espaciais que impulsionam o aumento do fluxo de pessoas que circulam ao redor do mundo, seja por movimentos espontâneos ou forçados, aumento das diferenças entre ricos e pobres, manutenção da segregação socioespacial (Santos, 2010; Harvey, 2009; Bretagnolle, 2013). Neste sentido, a globalização como afirma Santos (2000), altera o território a partir da introdução de novos conteúdos, práticas e objetos originados naquilo que Ribeiro (2009) denominou de impulsos globais.

2A forma com que os impulsos globais operam no território é desigual, seletiva e diferentemente espacializada. Significa dizer que embora a globalização alcance todos os domínios da sociedade, até mesmo os lugares mais remotos, isto não acontece de forma homogênea, sendo, portanto, condição da globalização a produção de desigualdades. Em outras palavras, a globalização para cada parte do mundo terá uma expressão peculiar (Baumann, 1999; Santos, 2000; Veltz, 1999).

3Nas cidades tais diferenças são mais expressivas, que leva Florida (2009) a afirmar que uma das decisões mais importantes da vida é sobre onde morar. Ou seja, a localização espacial dos atores sociais diz muito da sua interação com o mundo globalizado. Isto significa que a participação de uma cidade ou de uma comunidade rural, tradicional, quilombola ou indígena no mundo globalizado acontece de diferentes formas (Sassen, 2010). Evidentemente que a principal maneira de compartilhar do mundo globalizado é participando do mundo da economia, que funciona através de redes de empresas distribuídas sobre todo o globo e que organizam o sistema produtivo de forma cada vez mais fragmentada. Ao mesmo tempo, desde a última década do século XX, quando a internet comercial (www) se populariza, outra maneira de estar no mundo globalizado ocorre com o uso das tecnologias digitais.

4É importante lembrar que, no Brasil, o uso das tecnologias digitais (celulares, computadores, tablets, smartphones, etc.) está associada ao aumento do poder de consumo, especialmente impulsionado entre os anos 2000 - 2010, quando ocorre um estímulo ao consumismo, a partir da facilitação de crédito, período que é também aquele em que o país retoma seu protagonismo enquanto potência na América Latina. Para tanto, ocorre a busca por qualificar a população no uso de tecnologias modernas para abrir caminho para setores mais modernos da economia e que são aqueles com maior uso de tecnologias digitais.

5Neste sentido, as políticas de inclusão digital fomentam esse processo enquanto políticas públicas que visam à consolidação da base técnica e formação de recurso humano no uso de tecnologias. Somado a isto, as políticas de redistribuição de renda asseguraram maior capacidade de consumo em diferentes partes do território possibilitando maior acesso aos dispositivos tecnológicos.

6Apesar de todos os esforços realizados por entes governamentais e não-governamentais, ainda existem amplas diferenças entre a conectividade e acesso ao mundo digital para as distintas partes do Brasil. Por esta razão, a região concentrada (atuais Sudeste e Sul do país), para usar conceito proposto por Santos e Ribeiro (1979), e que dá base para a regionalização proposta por Santos e Silveira (2001), é aquela com maior potencial de uso de tecnologias digitais historicamente concebida (Costa, 2018), embora, seja de amplo conhecimento que nas zonas mais periféricas dessas regiões, há baixa penetração das tecnologias digitais para alguns grupos sociais. Ao mesmo tempo, nas regiões Norte e Nordeste do país ainda existem elevado déficit informacional.

7Dito isso, a proposta de investigação tem como recorte territorial a Comunidade Fluvial de Rolim de Moura do Guaporé, ilhados e fronteiriços com República Boliviana, é composta por representatividade indígena, quilombola, extrativista e migrantes de diferentes fases do processo histórico de ocupação do Estado de Rondônia (Caramello, 2015). Trata-se de um distrito do município de Alta Floresta D´ Oeste, situado na região do Vale do Guaporé no Estado de Rondônia. O local é considerado um ponto turístico e recebe pessoas de diversos locais do Brasil e do mundo, sendo a economia fluvial gerada pela pesca artesanal e ecoturismo (pesca esportiva) a principal fonte de renda.

8A pesquisa está inserida dentro do Projeto Margem Direita do Guaporé que se propõem a desenvolver estudos sobre as comunidades tradicionais no Vale do Guaporé. Neste sentido, Lima et al., (2020) aponta a necessidade de mais estudos sobre a comunidade diante do fato de ser uma comunidade tradicional com poucos estudos divulgados sobre sua forma de organização territorial, cultural, social, econômica, etc. Dessa forma o objetivo norteador é analisar o grau de conectividade dos moradores da comunidade Fluvial de Rolim de Moura do Guaporé às tecnologias digitais. O fato dessa comunidade ser a única a nível de Estado com as características supracitadas, despertou o interesse em investigar como a mesma vem se conectando com o mundo, sendo ela polo de turismo, porém mantendo suas características tradicionais.

Estado da arte

9Existe consenso de que a revolução digital mudou a forma de comunicação do século XXI, sendo uma das principais condições do atual processo de globalização (Schwab, 2016). Esta revolução que se inicia nas últimas décadas do século XX, tem base nas tecnologias digitais, operando a partir de diferentes dispositivos que asseguram o acesso ao mundo de forma rápida, ubíqua e instantânea (Lévy, 2010; Lévy, 2006).

10É importante dizer que dispositivos tecnológicos podem ser tanto computadores, notebooks, smartphones, tablets, entre outros. Segundo pesquisa do Comité Gestor da Internet, o acesso ao mundo digital via smartphones cresce mais do que o acesso por outros dispositivos. Se nos anos 1990 o acesso ao mundo digital ocorria a partir dos computadores de mesa, nos anos 2000 isso é alterado com a popularização do notebook e atualização dos aparelhos celulares que concentram cada vez mais funções. Na década de 2010, tal processo acontece via diferentes dispositivos portáteis, com destaque aos smartphones (telefones inteligentes).

11No Brasil, a desigualdade de acesso ao mundo digital tem forte marca no território, sendo uma problemática cuja leitura deve ser feita a partir de diferentes dimensões (econômicas, sociais, culturais, entre outras). Além disso, existe uma dimensão regional que aponta para uma desigual acessibilidade ao mundo digital que é produto da desigual modernização do território (Santos, Silveira, 2001), impactando diretamente sobre a capacidade que as diferentes regiões têm de ofertar infraestrutura para avanço das tecnologias digitais.

12Apesar do aumento no número de pessoas que acessam as redes digitais, ainda existem grupos sociais que estão excluídos, inclusive nas grandes cidades. Segundo dados da Cetic.br (Figura 1), em 2017, o Norte do Brasil apresenta o maior número de domicílio sem o acesso à internet. A explicação está tanto em indicadores econômicos, entre eles o baixo poder aquisitivo, aumento da inflação que encarece o preço dos equipamentos, entre outros, mas também está vinculada a elementos técnicos, já que a infraestrutura de rede ainda é incipiente nesta porção do território nacional, fato que é realidade das porções mais interioranas (Becker, 1997).

Figura 1 - Domicílios sem acesso à internet no Brasil

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Fonte: CGI.br/NIC.br, Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros - TIC DOMICÍLIOS 2017.

13Além disso, as cidades são convocadas a participar de uma economia que exige adaptações no território necessárias para a difusão dos impulsos globais, garantindo a ampliação das trocas, sejam elas de mercadorias, de informação ou de pessoas. Para atender tais condicionantes são desenvolvidas políticas públicas que englobam as dimensões técnicas e sociais. Assim, Lucci, Branco e Mendonça (2013, p.155) afirmam que:

O processo de globalização em particular e as mudanças provocadas pela introdução das tecnologias da informação criaram novos ambientes de trabalho e novos hábitos de consumo. Além disso, promoveram uma revolução na maneira de fazer negócios e no modo de vida da sociedade atual. Nesse contexto, em que se configura uma sociedade da informação, estrutura-se o que alguns economistas chamam de nova economia, que explora a área de tecnologia de telecomunicações, informática e internet.

14As tecnologias podem interferir socialmente e virtualmente até mesmo em espaços com diferentes dimensões, desde um pequeno povoado, comunidade ribeirinha, rural, indígena, quilombola, até, e principalmente, nas grandes cidades. Significa dizer que um pequeno povoado ou comunidade, por mais distante que esteja de grandes centros urbanos, pode sim estar integrada ao amplo e contraditório processo de globalização. O que temos que questionar é em que medida esse processo é benéfico ao território e quais os ônus de tal ação.

Cidades digitais

15Frequentemente, as políticas públicas são estratégias para adaptar o território ao processo de globalização, tanto na base física quanto no conteúdo social. Durante a última década do século XX, ao redor do mundo, e na primeira década dos anos 2000 no Brasil, políticas de digitalização foram levadas a cabo na tentativa de socializar a população no uso das tecnologias digitais, abrindo caminhos a economia global (Barceló, Oliva, 2002; Ishida, 2000; Yasuoka, Ishida, Aurigi, 2010; Cocchia, 2014).

16Neste sentido, as cidades digitais são políticas públicas praticadas a partir de países desenvolvidos na última década do século XX com o objetivo de dar maior visibilidade das ações governamentais à população, incentivando novas formas de governança (Ishida, 2000). A política pública de digitalização surge num contexto de popularização da internet e avanço das tecnologias digitais, questionamento das práticas de governança, especialmente em razão das orientações de órgãos multilaterais quanto ao que seria o “bom governo” (Frey, 2002).

17No Brasil, as cidades digitais foram inseridas no início dos anos 2000, num movimento de introdução do país na lógica global e também de questionamento das práticas de governo nos serviços públicos. Naquele momento, e de semelhante modo ao contexto internacional, havia uma crença de que as tecnologias potencializariam as ações governamentais, impulsionando a participação cidadã, possibilitando a usabilidade dos sistemas informáticos que também atendiam às necessidades das empresas multinacionais, automatizaram serviços cotidianos (Holanda, Dall'Antonia, Souto, 2006).

18Assim, políticas de cidades digitais são implementadas, num primeiro momento, em grandes cidades, a exemplo de São Paulo, onde no bairro de Cidade Tiradentes, é implementada uma cidade digital que busca levar a inclusão digital aos moradores daquela periferia da cidade. Caso especial é o que acontece e Porto Alegre - RS, onde a cidade digital além de promover a inclusão digital, também através de telecentros, enceta novas estratégias governamentais, como o que se entende por governança eletrônica. Na região Norte do Brasil, Palmas, no estado do Tocantins, foi a cidade que teve o projeto cidade digital implementada nesse mesmo período histórico, de forma a levar através de telecentros, a prática do uso de tecnologias digitais (Finquelievich, 2016; Frey, 2007). No entanto, observa-se ainda que outras porções, como comunidades indígenas, tradicionais ou fluviais, ainda seguem a reboque de políticas de digitalização, o que justifica nosso interesse em avaliar o grau de conectividade da Comunidade Fluvial de Rolim de Moura do Guaporé

Metodologia

Território Analisado

19A comunidade está situada na Bacia Hidrográfica do Rio Mequéns (Figura 2), afluente da margem direita do Rio Guaporé, corpos hídricos que fazem a divisa internacional com a República Boliviana (Cota et. al., 2019). Situada no pantanal do Guaporé e estando ilhada, o único acesso ocorre via aérea (pequenas aeronaves) ou por rota fluvial. Seu acesso ocorre pelo Parque Estadual de Corumbiara e pela Reserva Biológica do Guaporé que são reservas naturais de extrema importância. Não há um número definido de habitantes, tendo um fluxo de migração associado ao turismo no período de pesca. Na primeira etapa do projeto Margem Direita do Guaporé e da busca de indicadores para gestão fluvial da comunidade foi identificado um total de 50 residência, das quais 21 estavam fechadas no período da expedição cientifica ocorrida em dezembro de 2018 (Lima et. al., 2020).

Figura 2 – Mapa da Comunidade Rolim de Moura do Guaporé – Rondônia / Brasil

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Fonte: Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

20Trata-se de uma pesquisa exploratória realizada em dezembro de 2018. Inicialmente foi realizado a visita a 29 residência para explicação do objetivo do projeto e solicitação de contribuição e autorização para o acesso dos pesquisadores. A obtenção de dados ocorreu através do diálogo informal e da aplicação de uma entrevista semiestruturada aplicada a 16 moradores (1 por residência) escolhidos de forma aleatória entre as 29 residências visitadas.

21Esse primeiro contato resultou em um diagnóstico analisado posteriormente por todos os envolvidos pelo projeto Margem Direita do Guaporé. Nas residências 59% dos que receberam a equipe de sistematização eram do sexo masculino, sendo esses responsáveis por responder o primeiro questionário. Algo peculiar é que a família toda se uniu no momento de responder o questionário junto ao representante da residência. O povoamento da comunidade é formado por processo migratório, entretanto a região de origem predominou em 66% os que são da própria região Norte, sendo em menor número os que vieram das regiões Sudeste (3%), Sul e Centro- Oeste (7% cada), sendo que 14% nasceram na própria comunidade e 3% originário da Bolívia que fica na outra margem do Rio Guaporé onde está inserida a comunidade.

22O alto percentual de entrevistados que alegaram ser do Norte pode ser justificado pela comunidade ter uma formação multiétnica significativa na região Amazônica com destaque entre os entrevistados que se declararam Quilombolas com 38%, os Povos Indígenas com 17% e os migrantes que se declararam ser Caucasiano com 10%. Há outras variações que une o país de origem com a etnia e os que alegaram não ter uma definição sobre a qual grupo pertencem (Figura 3).

Figura 3 - Origem étnica autodeclarada

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

23A faixa etária dos entrevistados predominou em cerca de 38% os que tinham de 41 a 50 anos, 21% entre 51 a 60 anos de idade e 17% na faixa de 31 a 40 anos. As faixas de 16-20, 61-70 e 71 a 80 anos de idade foram de 7% cada, sendo 3% os que estavam entre 21 a 30 anos. O tempo de moradia desses entrevistados varia de 11 a mais de 61 anos, com predominância dos que moram na ilha de 31 a 50 anos (55%) e de 11 a 30 anos (28%), os moradores mais antigos acima de 61 anos alcançam o percentual de 14%.

Coleta e análise dos dados da conexão informacional

24O instrumento de investigação foi desenvolvido no Microsoft Excel 2010, através de uma planilha com menu suspenso (Figura 4), com intuito de agilizar a entrevista no qual o entrevistador seleciona a opção conforme resposta do entrevistado, facilitando o processo de análise inicial da estatística descritiva. Além de outras ferramentas e softwares utilizados como o Microsoft Word.

Figura 4 - Planilha do entrevistador

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Fonte: Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

25As questões foram elaboradas com base em diversos modelos de questionários, dando ênfase aos modelos: TIC DOMICÍLIOS 2015- Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação e TIC Educação 2015 - Apresentação dos resultados. Assim, para a coleta de dados, foi realizada a pesquisa de campo que procurou investigar como a comunidade local utiliza as diversas tecnologias, através da aplicação de um questionário com 18 perguntas direcionada a temática. Para a pesquisa em in locoos recursos tecnológicos que facilitaram a coleta de dados foram: Notebook e o software Microsoft Excel 2010. As representações gráficas foram elaborados a partir dos dados coletados na planilha e criados no próprio Excel.

Apresentação e discussão de dados

26As tecnologias fazem com que as informações se disseminem com mais rapidez e fluidez, sobretudo num momento em que a informação é o motor das atuais condições históricas (Santos, 2008). Hoje, é difícil imaginar um retrocesso no fluxo de informações, o que aumenta a necessidade de questionarmos até que ponto as tecnologias que fomentam esse fluxo alcançam o tecido social e como ocorre esse processo. Segundo o Panorama Setorial da Internet, que mostra o resultado da pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação - CETIC em 2016, o percentual de brasileiros com idade entre 10 anos ou mais que acessou a Internet por meio do telefone celular triplicou entre os anos de 2011 a 2014. Isso também chama a atenção ao fato de que tecnologias digitais têm um espectro mais amplo do que o uso por meio do computador.

27Os aparelhos móveis, em especial smartphones, trouxeram uma imensa facilidade para a comunicação entre as pessoas, e difusão ampliada de informações, na medida em que concentram em um só aparato, diferentes funções: voz, vídeo, texto, imagens, dados, etc. No entanto, é importante considerar processos de inclusão que permitiram maior socialização da população no uso de tecnologias digitais. A inclusão digital implica considerar de um lado o aparato técnico e de outro o contexto socioespacial. No contexto social brasileiro, verifica-se que a inclusão digital da população depende da melhoria no acesso, incentivo do governo, entre outros, mas não há como negar a importância de políticas públicas governamentais, sobretudo as políticas de digitalização, no sentido de socializar a população no uso de tecnologias e na acessibilidade à internet.

28Cabe lembrar que a política de digitalização não alcança todas as partes do território, sendo o Norte do país a parcela do território nacional que ainda carente de maior infraestrutura, agravando-se em comunidades tradicionais e aldeias indígenas de difícil acesso, como a ilha composta por uma população multiétnica de Rolim de Moura do Guaporé. Com aproximadamente 500 moradores na vila, enfrentam o desafio do acesso à comunicação e a informação extraterritorial, fato que evidencia a necessidade de conhecer a dinâmica utilizada e as lacunas existentes.

29Neste contexto, a pesquisa realizada apresenta o índice de tecnologias mais usadas e outras que já estão em desuso, apontando um panorama da influência da globalização neste meio e também demonstra as finalidades do uso de algumas delas. As perguntas estão alinhadas aos principais avanços tecnológicos dos meios de comunicação e informação, como a utilização de cartas, rádios, televisores, o celular, a internet e outros (Figura 5).

30Assim, observa-se que o grupo escolhido não tem o hábito de enviar e receber cartas, sendo realizado por somente 6,25% dos entrevistados. No restante do país, a alteração desse hábito ocorreu como resultado de um amplo processo cujo início se dá a partir de meados de 1990, quando começam a surgir os primeiros serviços de hospedagem de internet e com isso as pessoas que adquiriam a assinatura recebiam o seu próprio e-mail do provedor contratado, no Brasil o mais famoso da época foi o BOL (BOL, 2017).

Figura 5 - Recebem e enviam cartas

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

31Entretanto, a dimensão dessa comunicação ocorre de forma diferente em áreas urbanas e rurais, e se agrava em comunidades semi-isoladas. Uma outra razão que ainda pode justificar o fato de 93,75% não receberem ou enviarem cartas pode ser atribuída a dificuldade de comunicação por material impresso, porque depende de um mensageiro para se deslocar, como os carteiros por exemplo. Contudo, a comunidade Rolim de Moura do Guaporé apresenta difícil acesso, sendo necessário desde o município sede que é Alta Floreta D`Oeste o deslocamento de 100km de estrada vicinais sem pavimentação e algumas horas de barco (o tempo pode variar conforme o período climático), o que acaba por comprometer a periodicidade de tal meio de comunicação.

32O rádio, outro meio de comunicação muito usado no Brasil, data a primeira transmissão radiofônica em 1919, na cidade de Recife. De lá pra cá, com o crescente desenvolvimento das tecnologias, muitos equipamentos foram desenvolvidos para aprimorar as transmissões. [...] Segundo os dados publicados pelo IBGE no ano de 2011. [...] a menor taxa de aparelhos de rádios por domicílio é a da Região Norte, com 65,04%. Isso equivale a dizer que, no ano de 2011, 34,96% dos domicílios da Região Norte não contavam com um aparelho receptor de rádio, uma grave indicação de exclusão social [...]. O índice de usuários desse dispositivo receptor de informação na comunidade Rolim de Moura do Guaporé é ainda inferior que a média nacional (Figura 6). A comunidade segue a dinâmica do conjunto da região, sendo que somente 6,25% dos entrevistados escutam rádio. Não foi questionado se o acesso às programações de rádios era realizado através dos aparelhos como os Smartphones.

Figura 6 - Uso de rádio

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

33A televisão se destaca como o meio de comunicação mais acessível e popular. Segundo dados publicados em 2012, no site da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - ABERT, cerca de 19,5 milhões de adultos compõem a audiência do horário nobre nacional. Os EUA, com uma população 1,6 vezes maior, têm cerca de 10,2 milhões de adultos que assistem à TV no horário nobre. Com os avanços tecnológicos os aparelhos de televisão acompanharam as tendências do mercado atual, no princípio existiam os televisores em preto e branco, passou-se ao colorido, transmissão via satélite, agora com as Smart Tv com transmissão full HD e resolução 4k, sendo um dispositivo que atrai muito a faixa etária de 10 a 19 anos.

34Dos entrevistados na pesquisa que representam as famílias que usam essa fonte receptora de informação (Figura 7), 100% têm televisor e alguns possuem mais de um aparelho (12,5%) na residência, fato que evidencia o papel essencial desenvolvido por este tipo de dispositivo, especialmente porque seu acesso é possibilitado através de antenas individuais sem ligação direta com internet, facilitando a um maior número da população obtê-lo e utilizá-lo cotidianamente.

Figura 7 - Quantidade de televisores

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

35Outro levantamento realizado na entrevista foi se os moradores tinham antena parabólica, TV por assinatura e os programas mais assistidos. Percebe-se que nesta comunidade a antena parabólica, que é uma receptora sem custo mensal, ainda é muito utilizada, contemplando a residência de 87,5% dos entrevistados. Sendo que quanto a TV por assinatura, os moradores não têm acesso e a justificativa de não aderir este dispositivo é o valor oneroso, muito mais do que questões de conectividade. Os programas mais assistidos são: o jornal, filmes e novelas (Figura 8).

Figura 8 - Distribuição dos programas assistidos

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

36Foi detectado também o maior acesso a TV aberta e grátis, um fator que influencia a visão de mundo dessas pessoas, pois ficam limitadas às informações encontradas na TV aberta que omitem ou direcionam a programação conforme o interesse da emissora.

37Na comunidade de Rolim de Moura do Guaporé verifica-se que apenas 25% dos domicílios entrevistados possuem o telefone fixo (Figura 9), um resultado provavelmente influenciado pela facilidade de compra de aparelhos celulares, que reduz a necessidade desse outro tipo de dispositivo. Ou o alto custo de se implantar uma antena, considerando que os que possuem a internet são donos das pousadas e comércio na ilha, que recebe turista na temporada de pesca amadora.

Figura 9 - Telefone fixo

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

38Com o desenvolvimento econômico o acesso à internet ampliou-se no Brasil, o IBGE divulgou dados levantados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, que mostra a quantidade de acesso a conexões por banda larga fixa e a móvel no país, e os resultados foram 77,1% dos domicílios têm conexão por banda larga fixa, enquanto 43,5% têm acesso à banda larga móvel. O resultado do estado de Rondônia foi de 71,7% para a banda larga fixa e 33,2% para a banda larga móvel.

39De acordo com os dados obtidos dos colaboradores da pesquisa, dos 16 entrevistados 13 fazem uso de celular e apenas 3 não possuem o aparelho (Figura 10), uns por não considerar necessário, outros por não saber usar resultando na venda do aparelho. A dificuldade na utilização do aparelho, contribui para uma possível exclusão social. Um exemplo disso é a falta de uso de serviços de transações comerciais e financeiras como banco virtual existentes nos aparelhos, que otimizam o dia a dia além de poupar as várias idas ao banco que pode levar dias em razão da dificuldade de acesso.  Para 81,25% que fazem uso pessoal destina esse uso para comunicar com pessoas dentro da própria comunidade, fazer pesquisa escolares e ver notícias, predomina um aparelho por residência que possui uso coletivo pela família.

Figura 10 - Finalidade de uso do celular

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

40Quanto ao uso de computador, notebook e tablet no dia-a-dia, observa-se que tais dispositivos ampliam as possibilidades de negócios e de comunicação, mas o levantamento mostra que esses recursos são menos utilizados por esta comunidade (Figura 11), sendo que somente 12,5% possuem computadores/ tablet e 18,75% notebooks.

Figura 11 - Dispositivos Tecnológicos

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

41As justificativas no caso de não ter computador estão associadas ao fato dos entrevistados considerarem desnecessário já que o celular exerce esta função e o valor mais elevado dos computadores, o que limita mais as possibilidades de aquisição. Isto reafirma que algumas tecnologias acabam no desuso por substituição de outras mais modernas, seja por sua finalidade ou a forma de utilização. O computador de mesa dependendo da configuração não será substituído em áreas que trabalham com grande quantidade de arquivos para download ou upload, em grandes corporações que precisam de computadores para edição de áudio e vídeo e o utilizam como servidor. Porém quando a finalidade for praticidade e mobilidade os aparelhos portáteis ganham em venda para atender a esse fim.

42Os dados apresentam que a maioria das pessoas acessam a internet com frequência semanal (Figura 12), sendo que 68,75% das pessoas ficam conectadas na internet todos os dias da semana, entretanto 31,25% não possui acesso diariamente, o que indica dependerem de um ponto para se conectarem e não possuírem em suas residências a disponibilidade diária. Estes dados também se assemelham com a pesquisa realizada “Sete em cada dez domicílios no Brasil têm acesso à internet. É o que mostra a Pnad Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua” (Moraes, 2018). Em outras palavras, não é diferente no vilarejo de Rolim de Moura do Guaporé, do que acontece no restante do país, pois a maioria dos entrevistados tem acesso à internet e acessam todos os dias.

Figura 12 - Frequência de acesso à internet

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

43Em relação ao tipo de conexão e o valor pago para ter acesso à internet, foi criado uma estrutura de distribuição em rede, onde os provedores pertencem a pessoas com maior poder aquisitivo que possuem linha telefônica da operadora OI Telecomunicações, sendo essa a única forma de obter sinal de internet. Ainda que os colaboradores tenham afirmado ser via rádio, no local não há essa infraestrutura inserida, a título de informação para os colaboradores-clientes o fato de pagar pelo sinal significa que vem por rádio um conceito usado de forma equivocada. Contudo, o termo utilizado informa quem é o receptor do sinal comercializado dentro da comunidade como pode ser observado na Figura 13, a dois termos para o acesso “Cedida pelo vizinho ou Via sinal de rádio”.

44A conexão após recebida na residência é cedida e compartilhada entre vizinhos, ou seja, é uma forma de dividir despesas, visto que os valores para obter internet em lugares mais distantes das capitais são maiores, sendo também uma forma de colaboração social, fato que contribui para o povoado ser inserido no diálogo digital. Aqui é possível analisar que os valores pagos variam de R$ 40,00 à R$ 100,00.

Figura 13 - Tipo e valor (em reais) de Acesso à internet

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

45Quando se analisa a renda familiar, percebe-se que uma boa parte alega receber até R$ 1.000,00 (Figura 14) sendo um valor pouco abaixo do atual salário-mínimo. Os demais estão bem divididos nos valores de renda familiar, com apenas uma pessoa com renda de R$ 2.300,00, sendo uma quantia dentro dos padrões da região Norte.

Figura 14 - Renda Familiar

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Fonte: Costa, Estrada, Pacheco, Caramello, 2019.

46Contudo vale salientar que a economia local é voltada ao turismo, a pesca, serviço público, agronegócio e produção para subsistência com comércio da produção excedente ou troca por outros produtos, o valor apresentado soma-se toda a renda da família, com residência que varia de 1 a 8 pessoas. Reafirmando que a média salarial do Brasil está na faixa de R$ 2.000,00 por família e que a média na região Norte é menor que a nacional, sendo um valor de 1.500,00. Na comunidade, 90% ganham até 2 salários-mínimos, com predomínio de 31,25% que ganham até 1.000,00 reais. Os salários acima de 2 salários-mínimos ocorrem entre funcionários públicos e comerciantes locais. Sendo justamente os comerciantes que implantaram as antenas de recepção da internet e intermediam a distribuição na comunidade.

47Muitas vezes esta disparidade salarial está relacionada ao número de trabalho informal nestas regiões. Esta condição impacta diretamente na possibilidade de acesso privado ao mundo digital e a conexão informacional. Contudo, observa-se que até certo ponto existe conectividade e acessibilidade ao mundo digital, mas exige maior investimento de modo a socializar, especialmente nas áreas não urbanas, o mundo digital.

Considerações finais

48A inclusão digital ultrapassa a ideia de entretenimento, representando conhecimento, informação, contribuindo para a construção da cidadania diante dos acontecimentos locais e globais (Frey, 2007). Ao mesmo tempo, graças às articulações entre informática e as telecomunicações, é possível hoje, por redes de cabos, satélite, fibras etc., o intercâmbio entre pessoas e máquinas a qualquer tempo em qualquer lugar (Schwab, 2016). Encurtando espaços que são divididos geograficamente refletindo novas maneiras de ver a sociedade, inclusive as pequenas cidades, comunidades ou vilas (distritos municipais), entre outros.

49Com dados sobre a Comunidade de Rolim de Moura do Guaporé, observa-se alguma inserção, ainda que deficiente, em relação ao mundo digital. Sobre o difícil acesso para chegar à comunidade, percebe-se que a dificuldade não está só em chegar, mas sim na própria locomoção no local. Após longas horas de viagem percorrendo em média 600 km partindo da capital do estado, o turista deverá deixar seu veículo no Porto e adentrar a ilha através de barco, o que pode ser tornar uma agradável aventura.

50Quanto a utilização das tecnologias, foi possível detectar que algumas são usadas escassamente como o envio de cartas e o uso do rádio, poucos tem o contato com este meio de comunicação. Outras, porém que são muito utilizadas nas cidades como, notebook, computador de mesa, tablet, TV por assinatura e entre outros, a maioria dos moradores ainda não têm acesso, e os que possuem o fazem por intermédio de pessoas de comércio ou professores que adquiriram para desenvolver seus trabalhos.

51O que predomina quanto a tecnologia é a Televisão, o celular e a internet, sendo a TV bem mais comum em todas as casas onde as pessoas possuem um televisor ou até dois aparelhos, com acesso apenas a TV aberta e os programas mais assistido é o jornal, depois a novela. Enquanto isso, o celular tem sua utilização apenas para uso pessoal. Um detalhe a ser destacado é a internet, onde a mesma é cedida ou compartilhada através da distribuição em rede, onde os provedores pertencem a pessoas de maior poder aquisitivo, sendo a única forma de se obter acesso à internet, o que acaba sendo uma forma de dividir despesas e também uma forma de colaboração social, como também comércio de sinal, contribuindo para o povoado ser inserido no diálogo digital. Mas também aponta para uma deficiência quanto a potencialidade de conectividade na comunidade, o que limita a maior penetração do processo de digitalização.

52Diante desta visão do local é preciso enfatizar que uma das principais características da globalização está na troca de informações, capitais e mercadorias, e que mesmo alcançando lugares mais distantes, ocorre de forma desigual. Neste sentido é possível perceber que existe a utilização das tecnologias de diversas formas, prevalecendo a maior utilização para fins de comunicação pessoal e entretenimento. É visível que o povoado está inserido no contexto digital e de comunicação e pouco ou de forma irrisória no contexto da globalização quando comparamos ao existente nos locais mais desenvolvidos, o que impõe a urgente necessidade de implementar políticas de digitalização para além das áreas e concentrações urbanas.