O que é povo e nação?

RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar a necessidade de serem elaborados estudos mais aprofundados acerca de povo e de nação, os quais se relacionam diretamente com a democracia, a cidadania, a nacionalidade e a soberania, além de constituírem elementos essenciais do próprio conceito de Estado, mas possuem diversas acepções adquiridas ao longo da História, sem que haja precisão conceitual.

Palavras-chave: diferença entre povo e nação; população, povo e nação; conceito de Estado; povo curdo; povo judeu; povo cigano.


INTRODUÇÃO

Costumava-se designar como pátria o local de nascimento que trazia o sentimento da origem de uma pessoa. A partir da unificação dos reinos e do surgimento dos Estados Nacionais, construíram-se novas terminologias com diferentes acepções sociais e jurídicas, que até hoje se confundem sem que haja precisão conceitual.

O termo povo não é utilizado de maneira uniforme nas ciências e na mídia e, muitas vezes, confunde-se com o conceito de nação e de população.

POVO, NAÇÃO E POPULAÇÃO

Dalmo de Abreu Dallari observou a existência da imprecisão conceitual na utilização excessiva do termo “povo”:

o termo povo está entre aqueles que, pelo uso indiscriminado e excessivo, acabaram por tornar-se equívocos, sendo necessário um grande esforço para, antes de tudo, depurá-lo das deformações e, depois disso, estabelecer sua noção jurídica[1].

No mesmo sentido, Darcy Azambuja ressaltou que não só os termos nação e povo são confundidos, como também os conceitos de Estado e país[2]. Também para Mário Lúcio Quintão Soares, “o conceito de nação se avizinha do conceito de povo”[3].

A falta de precisão também pode ser verificada no próprio dicionário da Língua Portuguesa, que traz conceitos semelhantes para povo e nação, diante das diversas acepções existentes[4]

Darcy Azambuja considera que povo é o conjunto de cidadãos, a população do Estado sob o aspecto jurídico, enquanto nação é uma comunidade unida pelo sentimento de patriotismo:

Povo é a população do Estado, considerada sob o aspecto puramente jurídico, é o grupo humano encarado na sua integração numa ordem estatal determinada, é o conjunto de indivíduos sujeitos às mesmas leis, são os súditos, os cidadãos de um mesmo Estado. Neste sentido, o elemento humano do Estado é sempre um povo, ainda que formado por diversas raças, com interesses, ideais e aspirações diferentes. Nem sempre, porém, o elemento humano do Estado é uma nação. (...) Povo é uma entidade jurídica; nação é uma entidade moral no sentido rigoroso da palavra. Nação é muita coisa mais que povo, é uma comunidade de consciências, unidas por um sentimento complexo, indefinível e poderosíssimo: o patriotismo.[5] 

Contudo, se povo é o conjunto de cidadãos de um Estado, como explicar a existência do povo curdo, que sequer possui um Estado? E como explicar a existência do povo judeu e do povo cigano, que permanecem ligados embora dispersos por diversos Estados?

Por outro lado, não se pode confundir povo e população. Dalmo de Abreu Dallari ressalva que população é mera expressão numérica, demográfica ou econômica[6] e Pedro Lenza define população como o “conjunto de pessoas residentes no território, sejam eles nacionais ou estrangeiros (bem como os apátridas ou heimatos – expressão alemã)”[7]. De fato, população é a soma do número de pessoas que habitam o território de um Estado e não deve ser confundida com povo e nação.

A imprecisão conceitual decorrente da evolução histórica tem graves consequências, como por exemplo, na formação de um Estado. Para Darcy Azambuja, os elementos essenciais do Estado são: uma população, um território e um governo independente[8]. Já para Dalmo Dallari, os elementos do Estado são: povo, território e soberania[9].

Afinal, para que um território soberano possa ser considerado um Estado é preciso que haja um povo, uma nação ou uma população? É possível que um Estado seja formado por vários povos ou em cada Estado existe somente um povo?

A imprecisão acarreta consequências na democracia, no exercício da soberania popular e da cidadania, isto é, alguém que pertença ao povo, à nação ou a população pode exercer os importantes direitos políticos de votar e ser votado? No Brasil, quem pode ser considerado brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, de acordo com os conceitos de população, povo e nação? Termos tão importantes para a sociedade e frequentemente utilizados deveriam ter um conceito científico uniforme.

Mário Lúcio Quintão Soares relaciona o conceito de povo ao de cidadãos de um Estado e entende que povo possui um sentido de caráter legal e político de “nação de cidadãos legalmente capacitados para exercer seus direitos e obrigações”[10].

Dalmo de Abreu Dallari entende que nação aproxima-se do conceito de comunidade com laços afetivos enquanto povo é o conjunto de indivíduos ligados ao Estado por um vínculo jurídico e com participação política:

o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano.[11] 

Pedro Lenza definiu nação como “o conjunto de pessoas nascidas em um território, ladeadas pela mesma língua, cultura, costumes, tradições, adquirindo uma mesma identidade sócio-cultural”[12] e povo como o “conjunto de pessoas que fazem parte do Estado – o seu elemento humano, unido ao Estado pelo vínculo jurídico-político da nacionalidade”[13].

De acordo com esses conceitos jurídicos, da Teoria Geral do Estado, povo é um vínculo jurídico-político de uma pessoa com determinado Estado, que pode ser demonstrado por meio de certidão de nascimento ou de naturalização, enquanto nação é um conjunto de pessoas que possuem um sentimento de união, de patriotismo, de identidade sócio-cultural.

Nesse sentido, um japonês que viva há décadas no Brasil, mas não é naturalizado brasileiro, não pertence ao povo brasileiro, pois não está ligado ao Brasil pelo vínculo jurídico-político da nacionalidade (não tem certidão de nascimento nem de naturalização no Brasil) e, portanto, não é considerado cidadão brasileiro nem pode exercer direitos políticos.

Embora tais conceitos esclareçam em parte a questão sob o aspecto jurídico, verifica-se que permanece o abismo entre o conceito jurídico de povo e de nação e o conceito social, pois o povo curdo, o povo cigano e o povo judeu são unidos independentemente de qualquer vínculo com determinado Estado, não se uniram “para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente” nem possuem “vínculo jurídico-político de nacionalidade” com um Estado próprio, mas permanecem sendo denominados como povo curdo, povo cigano e povo judeu.

Se nação é uma comunidade, é um sentimento de união pelos mesmos costumes, tradições, religião, passado e esperanças em comum, o povo curdo, o povo cigano e o povo judeu seriam verdadeiras nações, mas como definir como nação pessoas que sequer pertencem a Estado Nacional próprio?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir que o termo “população” é a soma do número de pessoas que habitam o território de um Estado.

Nação é o conjunto de pessoas pertencentes a um Estado Nacional que possuem ou adquirem um sentimento de união, por integrarem um mesmo Estado, caracterizada por laços afetivos, passado em comum, traços culturais e outros elementos de identidade sócio-cultural.

Porém, o termo “povo” algumas vezes é tratado como conjunto de pessoas ligadas a determinado Estado por um vínculo jurídico-político de nacionalidade e outras vezes como conjunto de pessoas que possuem um sentimento de identidade sócio-cultural, como povo judeu, povo cigano e povo curdo, independentemente de qualquer vínculo estatal, o que denuncia a imprecisão conceitual diante das diversas acepções adquiridas ao longo da História.

No presente artigo, não se pretendeu solucionar questão tão complicada construída durante séculos, mas apenas expor a necessidade científica de se elaborarem estudos mais aprofundados acerca da formação histórica do conceito de povo, de nação e de população a fim de propor uma uniformidade conceitual, sob o aspecto jurídico e social, tendo em vista a relevância científica, bem como a importância para o próprio conceito de Estado, bem como para a cidadania, a nacionalidade e a soberania.

REFERÊNCIAS

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado: exposição clara e completa dos princípios fundamentais da doutrina do Estado. 4. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Globo, 1962.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001.

HOUAISS, Antônio. Grande dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=povo>. Acesso em: 24 nov. 2013.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. ver. atual. amp. São Paulo: Saraiva, 2012.

SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da globalização. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

Notas:


[1] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 95.

[2] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado: exposição clara e completa dos princípios fundamentais da doutrina do Estado. 4. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Globo, 1962, p. 21.

[3] SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da globalização. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 148.

[4] Povo: 1 conjunto de pessoas que falam a mesma língua, têm costumes e interesses semelhantes, história e tradições comuns ‹ o p. brasileiro › ‹ o p. russo› ; 2 conjunto de pessoas que vivem em comunidade num determinado território; nação, sociedade; 3 conjunto de indivíduos de uma mesma região, cidade, vila ou aldeia ‹ o p. de Petrópolis › ‹ o p. nordestino›; 4 conjunto de indivíduos de uma mesma ou de várias nacionalidades, agrupados num mesmo Estado ‹ o p. suíço › ‹ o p. hindu›; 5 conjunto de pessoas que não habitam o mesmo país, mas que estão ligadas por uma origem, sua religião ou qualquer outro laço ‹ o p. cigano › ‹ o p. judeu ›; 6 conjunto dos cidadãos de um país em relação aos governantes ‹ o p. elege os governantes ›; 7 conjunto de pessoas que pertencem à classe mais pobre, à classe operária; plebe; 8 conjunto dos cidadãos de um país, excluindo-se os dirigentes e a elite econômica; 9 ( sXIV ) multidão de pessoas ‹ que p. é aquele ali na praça? ›; 10 fig. grande número, grande quantidade (de algo); 11 ant. terceiro estado da nação, antes da Revolução Francesa (clero, nobreza e povo); 12 lugarejo, aldeia, vila, pequena povoação; 13 a gente de casa; a família ‹ tem saudades do seu p. ›; 14 B infrm. turma, gente ‹ o p. ainda não chegou para a festa? ›. Nação é: 1 agrupamento político autônomo que ocupa território com limites definidos e cujos membros, ainda que não necessariamente com a mesma origem, língua, religião ou raça (como fazia crer um conceito mais antigo), respeitam instituições compartidas (leis, constituição, governo); 2 p.met. território ocupado por esse agrupamento; país; 3 o povo de uma nação; todas as pessoas que nela vivem ‹ a n. precisa ser ouvida em plebiscito › ‹ o presidente falará à n. em cadeia nacional de tevê ›; 4 o governo de uma nação (acp. 1), o Estado ‹ a n. se substancia nos poderes estabelecidos constitucionalmente ›; 5 pátria, país natal ‹ a n. de Castro Alves ›; 6 ( sXV ) nacionalidade, naturalidade, origem ‹ esses humildes emigrantes, de n. polonesa ›; 7 comunidade de indivíduos que, dispersos em áreas geográficas e políticas diversas, estão unidos por identidade de origem, costumes, religião ‹ a n. católica › ‹ a n. maometana › ‹ a n. judaica ›; 8 grupo de pessoas com características comuns, esp. de pessoas ligadas por afinidade de caráter, de índole; tipo, natureza ‹ o personagem era a mesma n. de seu autor ›; 9 ( 1817 ) grupo indígena (do Brasil ou de outra área geográfica) ‹ a n. tupinambá ›; 10 B denominação atribuída aos grupos de negros africanos trazidos como escravos para o Brasil, quer se tratasse de povos, quer fossem grupos etnolinguísticos, como no caso dos bantos     ‹ a n. nagô › ‹ a n. cabinda ›; 11 etn conjunto de rituais que cada um desses grupos de origem distinta trouxe para o Brasil, determinante dos diversos tipos de candomblés e seitas, dele derivadas, existentes  cf. linha ('rituais e finalidades'); 12 na península Ibérica, dos sXIV a XVIII, termo que designava os judeus em geral. HOUAISS, Antônio. Grande dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em: < http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=povo>. Acesso em: 24 nov. 2013.

[5] AZAMBUJA, Darcy. Op. Cit., p. 23-24.

[6] Ibidem, p. 95-100.

[7] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. ver. atual. amp. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1.097.

[8] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado: exposição clara e completa dos princípios fundamentais da doutrina do Estado. 4. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Globo, 1962, p. 22.

[9] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 74-101.

[10] SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da globalização. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 150.

[11] Ibidem, p. 95-100.

[12] Ibidem, p. 1.097.

[13] Ibidem, p. 1.097.

O que é o conceito de povo?

Povo é um conjunto de pessoas que, num dado momento histórico, constitui uma nação.

O que se define uma nação?

Nação é um termo utilizado para se referir a um grupo de pessoas ou habitantes que compartilha de uma mesma origem étnica, de um mesmo idioma e de costumes relativamente homogêneos, ou seja, semelhantes entre os seus pares.

O que é povo exemplos?

povo é conjunto de pessoas que são oriundas de determinado local, independentemente de onde esses indivíduos vivam atualmente. Por exemplo, um brasileiro que mora nos Estados Unidos faz parte do povo brasileiro, mas não da população do Brasil. Em outras palavras, ele nasceu no país, porém mora em outro lugar.

O que significa povo na geografia?

Povo é o conjunto de indivíduos, ligados a um determinado território por um vínculo chamado nacionalidade. No conceito de povo estão incluídos os brasileiros natos e naturalizados. Distingue-se do conceito de população, pois neste incluem-se, além dos natos e naturalizados, os estrangeiros e os apátridas.