O que é preciso para que o governo reconhece uma terra como quilombola?

Publicado em 01/08/2022 15h07 Atualizado em 15/08/2022 11h05

Uma área de 961 hectares localizada ao leste da ilha de Santa Catarina, na capital Florianópolis (SC), foi reconhecida pelo Incra como terras da comunidade quilombola Vidal Martins. O ato foi formalizado por meio da Portaria nº 1.511, publicada no Diário Oficial da União de 25 de julho de 2022.

O território quilombola identificado e delimitado incide, integralmente, no atual Parque Estadual do Rio Vermelho (Paerve), cujo histórico remete à Estação Florestal do Rio Vermelho, criada pelo governo estadual em 1962. A implementação da estação provocou uma intensa transformação ambiental na região, com a retirada de vegetação nativa, corte de dunas e drenagem das lagoas antes existentes, e o plantio de espécies exóticas, principalmente pinus e eucaliptos.

O Incra recebeu e analisou contestações apresentadas por órgãos públicos, entidades privadas e organizações da sociedade civil, verificando que a área delimitada, inicialmente, estava sobreposta ao parque e também a unidades administrativas da Companhia Catarinense de Água e Saneamento (Casan) e do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). Por esta razão, após resolução do Conselho Diretor da autarquia, o perímetro do território foi retificado, excluindo os prédios públicos e culminando nos 961 hectares delimitados na portaria.

Por se tratarem de áreas públicas, a legislação não prevê a publicação de decreto presidencial para desapropriação, logo, a titulação do território em nome da associação das famílias dependerá de acordo entre os órgãos responsáveis.

A publicação da portaria de reconhecimento é etapa importante no processo de regularização fundiária quilombola. A comunidade é formada por, aproximadamente, 30 famílias descendentes de Vidal Martins, neto da africana Jacinta, nascido em 1845, na condição de escravizado de família de origem açoriana proprietária de terras na então freguesia de São João Baptista do Rio Vermelho.

A caracterização histórica da comunidade e sua relação com o território foi realizada com base no cruzamento de informações provenientes da memória dos anciões quilombolas e de dados obtidos nas pesquisas realizadas nos registros paroquiais, cartoriais e de arquivos públicos, conforme documenta o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), elaborado pelo Incra, com a colaboração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), e publicado em fevereiro de 2020.

Assessoria de Comunicação do Incra em Santa Catarina

As comunidades quilombolas são grupos com identidade cultural própria e se formaram por meio de um processo histórico que começou nos tempos da escravidão no Brasil. Elas simbolizam a resistência a diferentes formas de dominação. Essas comunidades mantêm forte ligação com sua história e trajetória, preservando costumes e cultura trazidos por seus antepassados.

A identificação de uma pessoa como quilombola é autodeclaratória, seguindo os mesmos princípios da Convenção nº 169 da OIT (para povos indígenas e tribais), que afirmam que “a autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a definição dos grupos” (p. 15).

O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988. Conforme o artigo 2º do Decreto nº 4.887/2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

Um levantamento da Fundação Cultural Palmares (FCP) mapeou 3.524 comunidades quilombolas no Brasil. Há outras fontes, no entanto, que estimam cerca de 5 mil comunidades. Partindo dessa perspectiva, foi criada a Agenda Social Quilombola (ASQ), com objetivo dearticular as ações no âmbito do Governo Federal, por meio do Programa Brasil Quilombola (PBQ). 

A ASQ atua em eixos relacionados ao acesso a terra, infraestrutura e qualidade de vida, inclusão produtiva e desenvolvimento local e direitos de cidadania. A gestão da ASQ é estruturada a partir do Comitê Gestor Interministerial e tem caráter deliberativo e executivo composto por Ministérios e Secretarias Especiais. 

No que se refere às políticas universais de segurança alimentar e nutricional, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) estabeleceu metas de atendimento aos quilombolas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no Programa Cisternas e no Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, através das Chamadas Públicas de Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural) Quilombola. No âmbito do Programa Fomento, a meta é atender 15.000 famílias quilombolas nos Estados de Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão, Bahia, Alagoas, Pará, Piauí, Goiás, Amapá e Mata Grosso.

Além disso, as famílias quilombolas são públicos prioritários das discussões e articulações do Comitê Técnico de Povos e Comunidades Tradicionais (CTPCT) da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), presidida pelo MDSA.

Contato
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Como acontece o reconhecimento de uma comunidade quilombola?

O reconhecimento de uma comunidade como quilombola ocorre por meio do processo de autodeclaração, assim como das pessoas que pertencem àquele grupo.

O que o Estado governo federal deve fazer para garantir que as comunidades quilombolas?

A citada norma constitucional cria a obrigação ao Estado em construir políticas públicas destinadas ao reconhecimento das comunidades quilombolas, bem como a delimitação, demarcação e titulação de suas terras.

Como funciona o processo de reconhecimento das comunidades quilombolas no Brasil?

O processo de reconhecimento e regularização de terras quilombolas tem muitas etapas. A Fundação Cultural Palmares é a responsável pelo processo de reconhecimento. Já o Incra inicia o procedimento de certificação a pedido da comunidade, de outros órgãos ou por meio de ofício.

Qual é a legislação brasileira que reconhece o direito das comunidades quilombolas a terra que ocupam?

Constituição Federal Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos".