Angelo Agostini (1843-1910), italiano naturalizado brasileiro, foi um dos mais importantes chargistas do século XIX no Brasil. Seus desenhos acompanharam de perto os principais acontecimentos políticos do Segundo Reinado revelando, também, costumes e visão de mundo das sociedades paulista e carioca da época. Show
Por meio de seus desenhos, Agostini fazia uma dura crítica à monarquia e à escravidão. Em muitos deles, expunha nomes de políticos e do próprio imperador associando-os às mazelas do governo e à manutenção do escravismo, especialmente na Revista Illustrada, fundada por ele. Os desenhos ganham ainda maior importância considerando-se que, no Brasil monárquico, 82% da população livre era analfabeta (Censos de 1879 e 1890). Para o público analfabeto e iletrado, a leitura da imagem permitia compreender a mensagem da charge, sua crítica e ironia. Joaquim Nabuco chegou a declarar que a Revista Illustrada era a “bíblia da abolição daqueles que não sabiam ler” (Apud LIEBEL, 2015, p. 798). O chargista era, portanto, um formador de opinião para o público letrado e não-letrado atingindo uma grande parcela da população. Lembre-se, ainda, que a liberdade de expressão era garantida pela Lei de Imprensa de 1830 e, até o fim do Império, a imprensa brasileira foi, na prática, livre.
CONTEÚDO
Quem foi Angelo AgostiniAutorretrato de Angelo Agostini, c. 1860-1880. Nascido em Vercelli, região do Piemonte, na Itália, Angelo Agostini passou sua infância e adolescência em Paris. Na capital francesa, circulavam, então, as charges de Honoré Daumier (1808-1879). Possivelmente, seus desenhos satíricos influenciaram o jovem Agostini. Em 1859, Agostini partiu para o Brasil, junto com a mãe, fixando residência em São Paulo. Ali deu início à sua carreira ao lançar a primeira revista satírica da cidade, Diabo coxo, em 1864. A revista contava com textos de Luís Gama, jornalista abolicionista ligado ao Partido Liberal. Fundou ainda uma segunda revista, O Cabrião, onde também fez críticas à elite aristocrata, ao clero, à monarquia e à escravatura. Isso lhe rendeu muitos inimigos e “sua permanência em São Paulo acabou se tornando insustentável após o fechamento do Cabrião, e Agostini parte então para o Rio de Janeiro” (LIEBEL, 2015, p. 796-7) No Rio de Janeiro, o artista colaborou com diversas publicações e publicou, em 1869, As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte, considerada a primeira história em quadrinhos brasileira e uma das mais antigas do mundo. Em 1876, Agostini fundou a Revista Illustrada, um marco editorial no país à época. Boa parte de suas charges foi publicada nesta revista e, por meio delas, criticou o governo monárquico e exerceu sua militância abolicionista. Charges selecionadas para analisarForam selecionadas quatro charges produzidas por Agostini entre os anos de 1870 e 1886 – período em que a campanha abolicionista ganhava força. São elas:
A leitura crítica da caricatura bem como seu estudo como documento histórico requer alguns cuidados conforme já foi tratado no artigo Caricaturas do Segundo Reinado. É importante que esses cuidados sejam observados no trabalho com os alunos, evitando tomar as imagens como meras ilustrações. As charges selecionadas, especialmente a última, “Cenas da escravidão” (1886) permitem trazer para a sala de aula a discussão sobre a violência desse regime contrariando o senso comum que a escravidão no Brasil teria sido branda. O mito da escravidão brandaA ideia de que a escravidão no Brasil foi branda é um mito da historiografia que ganhou força no pós-abolição e perdurou no século XX nas obras de Gilberto Freyre, Pedro Calmon, Haddock Lobo entre outros. Segundo esse mito, existiria uma certa benevolência dos senhores e um equilíbrio social relativamente pacífico entre senhores e escravos que resultaria em um convívio amigável entre esses grupos. O mito da escravidão branda sustentou (e ainda sustenta) a crença de que a escravidão no Brasil não teve conflitos sociais abertos como nos Estados Unidos, país marcado pela brutal violência contra os escravos e pela segregação racial após abolição. Nem todos, porém se deixaram influenciar pela crença de uma escravidão pacífica e amena. Os abolicionistas denunciaram a crueldade e violência a que os escravos eram submetidos, entre eles, Joaquim Nabuco:
O mito da escravidão branda alimentou outro mito, o da “democracia racial” que considera a sociedade brasileira desprovida de qualquer tipo de barreira social, preconceito ou discriminação, afirmando que existe igualdade de oportunidades entre negros e brancos. Nessa linha de pensamento, a miscigenação seria a “prova” da tolerância étnica e da ausência de preconceito racial na sociedade brasileira. A “democracia racial” transforma, assim, os estupros das escravas e indígenas em atos consensuais ocultando a violência física e psicológica sofridas por essas mulheres. O mito da democracia racial mascarou por séculos uma realidade social altamente racista, excludente, conflitante e discriminatória, além de legitimar a desigualdade social no Brasil. A análise das caricaturas de Agostini permite desconstruir essa falácia. Para baixar as charges e as questões, preencha os campos abaixo. Material do download
1. “De volta do Paraguai”, 1870A charge abaixo tem o título “De volta do Paraguai” e traz a legenda: “Cheio de glória, coberto de louros, depois de ter derramado seu sangue em defesa da pátria e libertado um povo da escravidão, o voluntário volta a seu país natal para ver sua mãe amarrada a um tronco. Horrível realidade.” “De volta ao Paraguai”, Angelo Agostini, charge publicada na revista Vida Fluminense, Rio de Janeiro, n. 12, junho de 1870. Questões
para analisar a charge
2. “Escravidão ou morte”, 1880A charge abaixo tem o título “Escravidão ou morte!” (escrito no pedestal) e traz o seguinte comentário de Agostini: “Projeto de uma estátua equestre para o ilustre chefe do partido liberal. Esta estátua deve fazer pendant [par] com a de D. Pedro I e será colocada no dia 7 de setembro de 1881. A iniciativa dos ilustres fazendeiros de cebolas é que devemos mais esse monumento das nossas glórias.” O chefe do Partido Liberal mencionado pelo artista era o mineiro Martinho Álvares da Silva Campos, deputado em sucessivas legislaturas entre 1857 e 1882, nomeado senador em 1882, cargo que ocupou até a morte em 1887. Foi, também primeiro-ministro em 1882. “Escravidão ou morte!”, Angelo Agostini, charge publicada na Revista Illustrada, Rio de Janeiro, n. 222, 1880. Questões para analisar a charge
3. “Congresso Internacional”, 1883A charge abaixo tem o título “Congresso Internacional” (escrito na cortina à direita) e traz o seguinte diálogo:
“Congresso Internacional”, Angelo Agostini, charge publicada na Revista Illustrada, Rio de Janeiro, ano 8, n.347, 30 de junho de 1883. Questões para analisar a charge
4. “Cenas da escravidão”, 1886A charge abaixo tem o título “Cenas da escravidão patrocinada pelo partido da Ordem, sob o glorioso e sábio reinado do Senhor D. Pedro II, o Grande…” e apresenta uma sucessão de quatorze quadros, todos eles legendados. “Cenas da escravidão”, Angelo Agostini, charge publicada na Revista Illustrada, Rio de Janeiro, n. 427, 18 de fevereiro de 1886. Questões para analisar a charge
5. Texto para fórum de debateDepois de analisadas as charges, sugere-se um debate coletivo sobre o o mito da escravidão branda e o mito da democracia racial tendo por base a análise das charges e o texto de Joaquim Nabuco abaixo. “— diz-se que entre nós a escravidão é suave e os senhores são bons. A verdade, porém é que toda escravidão é a mesma, e quanto à bondade dos senhores esta não passa de resignação dos escravos. Quem se desse ao trabalho de fazer uma estatística dos crimes ou de escravos ou contra escravos, quem pudesse abrir um inquérito sobre a escravidão e ouvir as queixas dos que a sofrem, veria que ela no Brasil ainda hoje é tão dura, bárbara e cruel como foi em qualquer outro país da América” (Joaquim Nabuco, O abolicionismo (1883) citado por Queiroz, 1975, p. 453). Respostas das questões1. Charge “De volta do Paraguai”, 1870
2. Charge “Escravidão ou morte!”, 1880
Atenção professor: a resposta à pergunta 5 permite discutir os limites do liberalismo no Brasil escravista do século XIX. Destaque que “ser liberal” não significava defender a liberdade dos escravos, isto é, lutar pela abolição. Os que aceitavam a abolição só o faziam sob a condição de que ela fosse acompanhada de indenização pela “perda da propriedade”. Liberais e conservadores tinham muito em comum: pertenciam à camada senhorial, eram proprietários de terras e escravos, e defendiam a manutenção da escravidão. 3. Charge “Congresso Internacional”, 1883
4. Charge “Cenas da escravidão”, 1886
Fonte
Saiba mais
Quais estados representam as três pessoas e qual o sentido da charge?A charge identifica os Estados (ou Ordens) da sociedade pré- revolucionária, sendo o 1º Estado (representado pelo membro do clero com a cruz e a bíblia), o 2º Estado (um nobre com a espada) e o 3º Estado (curvado, carregando os demais estados).
Como está representado o Terceiro Estado?O Terceiro Estado era a Plebe, que constituía a maioria da população (+/- 98%) havendo assim cortesãos, burgueses e camponeses. A função do Terceiro Estado era sustentar a sociedade e o Estado. Pagavam, ao contrário do Clero e da Nobreza, impostos ao Estado e também direitos senhoriais.
O que está sendo representado nessa charge da Revolução Francesa?Tratava-se de uma sátira da estrutura da sociedade francesa do Antigo Regime, ou seja, da situação de privilégio da nobreza e do clero, que eram sustentados pelos camponeses. O título da charge sugeria que aquela situação de exploração estava prestes a acabar.
O que a charge representa no contexto da Revolução Francesa e qual seria o significado da pedra carregada pelos personagens?A charge representa a crítica sobre o pagamento dos altos impostos e do dízimo obrigatório pelo Terceiro Estado. Provavelmente, a pedra representa o peso desses tributos sobre o Terceiro Estado.
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