Por quê os pederastas recebem o apelido de viado

O presente artigo pretende analisar como a criminalização da homofobia tornou-se pauta fundamental das lutas nacionais pelos direitos LGBT. É realizada uma revisão do significado histórico e cultural de se ter relações sexuais com pessoas do mesmo sexo no Brasil. Parte-se das categorias sodomita, uranista e homossexual até a construção de uma identidade homossexual que permite a organização de um movimento social com bandeiras políticas próprias. Em seguida, discute-se o conceito de homofobia, entendida como uma espécie de discriminação. Por fim, são abordados os argumentos que legitimam a tutela penal, a partir de uma análise da dogmática jurídico-constitucional sobre o tema; a necessidade, a efetividade e as possibilidades deste tipo de medida; os projetos de lei já existentes; e as diferentes críticas que buscam rechaçá-los.

homofobia; criminalização; homossexualidade; direitos LGBT; Brasil


This article analyzes how the criminalization of homophobia became the main agenda in a national struggle for LGBT rights. The historical and cultural meaning of same-sex relations in Brazil, from categories such as sodomite, uranist and homosexual to the emergence of a homosexual identity, led to the organization of a social movement with an agenda of its own. Homophobia is understood as a form of discrimination. This article is a constitutional theory contribution to the analysis of the arguments in favor of criminal protection, addressing its necessity, effectiveness and possibilities, current bill proposals, and their critiques.

Homophobia; Criminalization; Homosexuality; LGBT rights; Brazil


El artículo analiza cómo la penalización de la homofobia se ha convertido en un tópico central de la lucha por derechos LGBT en el Brasil. Se presenta una revisión del significado histórico y cultural de tener relaciones sexuales con personas del mismo sexo; partiendo de las categorías sodomita, uranista y homosexual, para llegar a la construcción de una identidad homosexual que ha permitido la constitución de un movimiento social con banderas políticas propias. Además, se discute el concepto de homofobia, entendida como un tipo de discriminación. Se abordan, por último, los argumentos que legitiman esta tutela penal, a partir de un análisis de la dogmática jurídico-constitucional sobre la cuestión; la necesidad, efectividad y posibilidades de medidas de este tipo; los proyectos de ley existentes, y las diversas críticas con las que se intenta rechazarlos.

homofobia; penalización; homosexualidad; derechos LGBT; Brasil


ARTIGO

O ódio atrás das grades: da construção social da discriminação por orientação sexual à criminalização da homofobia

El odio tras las rejas: de la construcción social de la discriminación por orientación sexual a la penalización de la homofobia

Hate Behind Bars: from the construction of sexual orientation as basis for discrimination to the criminalization of homophobia

Lucas FreireI; Daniel CardinaliII

IGraduando do 8º período em Ciências Sociais - Universidade do Estado do Rio de Janeiro > [email protected]

IIGraduando do 9º período em Direito - Universidade do Estado do Rio de Janeiro> [email protected]

RESUMO

O presente artigo pretende analisar como a criminalização da homofobia tornou-se pauta fundamental das lutas nacionais pelos direitos LGBT. É realizada uma revisão do significado histórico e cultural de se ter relações sexuais com pessoas do mesmo sexo no Brasil. Parte-se das categorias sodomita, uranista e homossexual até a construção de uma identidade homossexual que permite a organização de um movimento social com bandeiras políticas próprias. Em seguida, discute-se o conceito de homofobia, entendida como uma espécie de discriminação. Por fim, são abordados os argumentos que legitimam a tutela penal, a partir de uma análise da dogmática jurídico-constitucional sobre o tema; a necessidade, a efetividade e as possibilidades deste tipo de medida; os projetos de lei já existentes; e as diferentes críticas que buscam rechaçá-los.

Palavras-chave: homofobia; criminalização; homossexualidade; direitos LGBT; Brasil

RESUMEN

El artículo analiza cómo la penalización de la homofobia se ha convertido en un tópico central de la lucha por derechos LGBT en el Brasil. Se presenta una revisión del significado histórico y cultural de tener relaciones sexuales con personas del mismo sexo; partiendo de las categorías sodomita, uranista y homosexual, para llegar a la construcción de una identidad homosexual que ha permitido la constitución de un movimiento social con banderas políticas propias. Además, se discute el concepto de homofobia, entendida como un tipo de discriminación. Se abordan, por último, los argumentos que legitiman esta tutela penal, a partir de un análisis de la dogmática jurídico-constitucional sobre la cuestión; la necesidad, efectividad y posibilidades de medidas de este tipo; los proyectos de ley existentes, y las diversas críticas con las que se intenta rechazarlos.

Palabras clave: homofobia; penalización; homosexualidad; derechos LGBT; Brasil

ABSTRACT

This article analyzes how the criminalization of homophobia became the main agenda in a national struggle for LGBT rights. The historical and cultural meaning of same-sex relations in Brazil, from categories such as sodomite, uranist and homosexual to the emergence of a homosexual identity, led to the organization of a social movement with an agenda of its own. Homophobia is understood as a form of discrimination. This article is a constitutional theory contribution to the analysis of the arguments in favor of criminal protection, addressing its necessity, effectiveness and possibilities, current bill proposals, and their critiques.

Keywords: Homophobia; Criminalization; Homosexuality; LGBT rights; Brazil

Introdução

Historicamente, a homossexualidade figurou como questão de interesse para diversas instâncias da sociedade em momentos diferentes. Já foi considerada um pecado no campo da teologia; um crime no âmbito jurídico; uma doença e um desvio psicológico para a medicina. Deste modo, a homossexualidade foi rechaçada e condenada de diferentes formas até alcançar o seu atual status de "orientação sexual" equiparada à heterossexualidade. Tal mudança de paradigma permitiu aos homossexuais ingressarem no debate político em busca de seus direitos como sujeitos legítimos.

Embora o Poder Legislativo pareça o destinatário natural dessas demandas no Brasil, ele tem permanecido refratário quanto à defesa dos direitos de minorias sexuais, o que levou, então, à busca pelo Poder Judiciário. Assim, configurou-se uma tensão entre os dois poderes: o Judiciário brasileiro vem sendo acusado de promover um ativismo judicial exacerbado, que transgride os limites de sua própria competência, atuando como legislador de facto.

Em que pesem as conquistas1 1 É preciso esclarecer que os termos "conquista", "avanço", "retrocesso", entre outros, aparecem aqui tendo como referência a perspectiva do movimento LGBT e de suas demandas. 2 Destaca-se que esta seção, por conta de farto material bibliográfico, refere-se principalmente ao tratamento dispensado à homossexualidade masculina. No entanto, alguns aspectos podem ser ampliados para outras formas de vivência da homossexualidade. 3 A primeira visitação à colônia ocorreu entre os anos de 1591 e 1595, tendo percorrido as regiões da Bahia e de Pernambuco. Salvador foi destino ainda de outras duas visitações, nos anos de 1618 e 1646. Constam também visitações ao Rio de Janeiro em 1605 e 1627, e a Minas Gerais, Paraíba, Maranhão e Pará, esta última já entre os anos 1763 e 1769. Todavia, até o encerramento oficial de suas atividades em 1821, a influência do Santo Ofício era sentida na colônia (Trevisan, 2011; Mott, 2000, 2010). 4 ( DO ULTRAGE PUBLICO AO PUDOR) Art. 282. Offender os bons costumes com exhibições impudicas, actos ou gestos obscenos, attentatorios do pudor, praticados em logar publico ou frequentado pelo publico, e que, sem offensa á honestidade individual de pessoa, ultrajam e escandalisam a sociedade: Pena – de prisão cellular por um a seis mezes. 5 ( DO USO DE NOME SUPPOSTO, TITULOS INDEVIDOS E OUTROS DISFARCES) Art. 379. Usar de nome supposto, trocado ou mudado, de titulo, distinctivo, uniforme ou condecoração que não tenha; Usurpar titulo de nobreza, ou brazão de armas que não tenha; Disfarçar o sexo, tomando trajos improprios do seu, e trazel-os publicamente para enganar: Pena – de prisão cellular por quinze a sessenta dias (grifo nosso). 6 As mulheres homossexuais eram chamadas de tríbades, lesbinitas, sáficas, viragos e fanchonas. Uma das causas da homossexualidade feminina seria a "educação moderna", que retirou a mulher do ambiente doméstico e abriu possibilidades até então desconhecidas por elas (Trevisan, 2011:180). 7 As teorias de Cesare Lombroso buscavam o levantamento das características – biológicas e comportamentais – usuais dos "criminosos natos" (Green & Polito, 2006). 8 Vale a pena destacar que a mesma decisão só ocorreu em nível mundial em 1993, quando o homossexualismo foi retirado do Catálogo Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde – OMS (Pretes & Vianna, 2008). 9 Sobre este ponto, destaca-se a crítica de Hall (2002) sobre movimentos identitários, que muitas vezes abarcam sob uma mesma designação atores políticos diversos que não possuem necessariamente as mesmas demandas. O movimento LGBT se inscreve nesse raciocínio, pois é constituído por categorias heterogêneas que se reúnem em função do tratamento discriminatório que recebem por parte da sociedade. 10 A sigla GLS surge associada à expansão do mercado voltado para homossexuais. Contudo, este tópico não será aprofundado neste trabalho. 11 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 12 Tratou-se de uma conferência realizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, órgão com status ministerial, com os objetivos de propor diretrizes para implementação de políticas públicas que visavam promover a cidadania e os direitos humanos de LGBTs, bem como fortalecer o programa federal Brasil Sem Homofobia . 13 Dentre as propostas, estava a que alterava a ordem dos termos, fazendo com que a sigla se tornasse LGBT. 14 Material didático-pedagógico desenvolvido pelo Ministério da Educação e direcionado aos professores interessados em abordar temas relacionados à homossexualidade com alunos do ensino médio. Apelidado de "kit gay" por seus opositores, dentre os quais se incluíam políticos ligados à direita ultraconservadora e a setores religiosos, o polêmico projeto acabou sendo suspenso pela presidente Dilma Rousseff sob o argumento de que o governo não faria "propaganda de opções sexuais" ( sic), como anunciado pela Folha de São Paulo (2011a, 2011b e 2011c). 15 Esta foi uma pesquisa nacional, cujo objetivo foi investigar situações de preconceito e discriminação sofridas por indivíduos LGBTs. O estudo foi realizado entre 2008 e 2009 e se dividiu em dois distintos universos: um composto pela população brasileira urbana adulta (16 anos ou mais), com um total de 2.014 entrevistas; e outro composto por pessoas que se declararam homossexuais, somando 413 entrevistas. 16 93% responderam que existe preconceito contra travestis; 91% contra transexuais; 92% contra gays e lésbicas; e 90% contra bissexuais. 17 29% admitiram ter preconceito contra travestis; 28% contra transexuais; 27% contra lésbicas e bissexuais; e 26% contra gays. 18 O que a doutrina juspenalista chama de princípio da fragmentariedade ou da ultima ratio (Bitencourt, 2009). 19 Neste sentido, merece relevo como exceção a esta regra o art. 2º da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), in verbis: "Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social" (grifo nosso). 20 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] 21 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 22 XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; 23 Embora este tenha sido o primeiro diploma legislativo a tratar o racismo como crime, o preconceito racial já era contravenção desde 1951, em função da chamada Lei Afonso Arinos (Lei 1.390/51). 24 Neste sentido, Luiz Régis Prado (2012) e Damásio de Jesus (2012) argumentam que a severidade das penas colimadas às condutas típicas previstas na Lei nº 7.716/89 fizeram com que muitas situações de racismo fossem enquadradas no crime de injúria (art. 140 do Código Penal), que possui punição notadamente mais branda. Tal situação motivou o legislador a editar a lei nº 9.459/97 que, além de modificar a lei nº 7.716/89, incluiu o § 3º no art. 140 do Código Penal para prever uma espécie de injúria qualificada por motivação discriminatória ou preconceituosa. Estes mesmos autores, entretanto, argumentam que a pena colimada (um a três anos de reclusão e multa) seria flagrantemente desproporcional se comparada a outros crimes muito mais graves, como o homicídio culposo (art. 121, § 3º do Código Penal), cuja pena abstratamente prevista é de um a três anos de detenção. 25 O Art. 121, § 2°, II, do Código Penal prevê o motivo fútil como agravante para o crime de homicídio. 26 Os Juizados Especiais Criminais são órgãos da Justiça criados pela Lei nº 9.099/95 com competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, isto é, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 02 (dois) anos. Caracterizam-se por um rito processual mais célere e simplificado em relação aos juízos tradicionais.