Qual a relação entre as mudanças climáticas e a produção de alimentos?

Os estudos sobre os impactos das mudanças climáticas na Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) podem ser divididos em duas fases. A fase neutra compreende o período entre 1994 e 2005, em que os estudos apontavam que as mudanças climáticas não causariam efeitos negativos à SAN, uma vez que se acreditava que a produção de alimentos “daria conta do recado”, mesmo com as mudanças climáticas. Na segunda fase, de 2005 até então, denominada fase negativa, aumenta a especulação e também as evidências de que as mudanças climáticas e seus efeitos estão contribuindo para a fome no mundo.

O número de eventos extremos, incluindo calor excessivo, secas, inundações e tempestades, dobrou desde o início dos anos 1990. Dentre os riscos associados a estes eventos que afetam o estado de saúde da população estão: o aumento da variabilidade das precipitações com inundações e secas mais frequentes e extremas, redução na produtividade das plantações, aumento da temperatura global, alterações na composição do solo e nos ciclos dos vetores de doenças.

A SAN é definida como a capacidade de garantir a todos o acesso a alimentos básicos de qualidade e em quantidade suficiente. As mudanças climáticas podem causar riscos à SAN pela redução na disponibilidade, acesso e utilização dos alimentos e estabilidade do sistema alimentar, o que combinado com a alta demanda, aumenta o preço dos alimentos. Uma vez que o sistema alimentar está instável, com baixa oferta de alimentos in natura e com preços elevados, aumenta a procura por alimentos ultraprocessados e traz à tona uma outra vertente da insegurança alimentar e nutricional: sobrepeso e/ou obesidade. Ou seja, as mudanças climáticas tem interface com a má nutrição em todas as suas formas e com a insegurança alimentar e nutricional, onde se observa tanto a desnutrição/déficit nutricional quanto sobrepeso/obesidade.

Em Janeiro de 2022, foi publicada uma revisão de literatura com o objetivo de relacionar as mudanças climáticas e a SAN. A pesquisa foi realizada na base de dados do PubMed. Os resultados foram organizados em cinco categorias: acesso, disponibilidade, utilização, estabilidade e estratégias de adaptação/mitigação.

O “acesso” aborda a presença de recursos econômicos e físicos para adquirir os alimentos disponíveis para atender às necessidades dos indivíduos. Foram encontradas 15 publicações que abordaram essa dimensão. O impacto das mudanças climáticas no acesso aos alimentos foi associado a: falta de renda consequente do desemprego dos agricultores que perdem seus animais/terras e/ou da redução da produtividade das mesmas; aumento dos preços dos alimentos básicos, decorrente da queda de produtividade e aumento da demanda; e dificuldade na distribuição e armazenamento da produção. A literatura tem sugerido que o direito à alimentação por meio do acesso não é garantido, especialmente em países com vulnerabilidades socioambientais (países de baixa e média renda que sofrem com maiores efeitos das mudanças climáticas), resultando em múltiplas formas de má nutrição na população.

A categoria “disponibilidade” corresponde à existência de quantidades suficientes de alimentos de qualidade adequada, fornecidos através da produção do país ou de importações, incluindo ajuda alimentar. Esta categoria foi a que apresentou maior número de publicações, com um total de 26 artigos encontrados. A literatura discute os efeitos diretos (variabilidades climáticas como secas e inundações) e indiretos (pragas e doenças, aumento médio do nível do mar e mudanças na disponibilidade de água) das mudanças climáticas na produtividade agrícola. Além disso, as mudanças nos hábitos alimentares também devem ser consideradas, como o aumento no consumo de laticínios, carnes e alimentos ultraprocessados, que, por sua vez, também favorecem a emissão de gases de efeito estufa. A discussão em torno das vulnerabilidades é relevante quando se discute mudanças climáticas e SAN, uma vez que países que apresentam uma sobreposição de vulnerabilidades (propensão à seca, pobreza, desigualdades sociais, falta de acesso à educação, ausência de políticas públicas), sofrerão os efeitos das variabilidades climáticas na SAN de forma mais frequente e intensa.

A “utilização” dos alimentos foi abordada em 9 artigos encontrados e focou no efeito das mudanças climáticas sobre o consumo de alimentos, qualidade nutricional e seu valor social. Os estudos tem sugerido que as mudanças climáticas afetam negativamente a qualidade nutricional dos alimentos e este fator influencia as condições de vida, o estado nutricional e a saúde dos indivíduos. Assim como as dimensões anteriores, a utilização contribui para a má nutrição em todas as suas formas (desnutrição, deficiências de micronutrientes e obesidade) e, consequentemente, para alterações de crescimento, desenvolvimento cognitivo, sistema imunológico e maior risco de ocorrência de doenças crônicas.

Outra categoria avaliada é a de “estabilidade”, que corresponde à garantia de disponibilidade, acesso e uso adequado de alimentos por indivíduos e, portanto, engloba as outras três dimensões anteriores. Para essa análise, optou-se por selecionar artigos que focaram na volatilidade dos preços dos alimentos. Foram encontrados 6 artigos para esta categoria. A literatura sugere que as mudanças climáticas impactam na estabilidade dos sistemas alimentares pois o clima é um determinante importante nos padrões de produção, oferta e demanda de alimentos, resultando nas variabilidades a curto e longo prazo dos preços, principalmente em populações mais pobres e vulneráveis. Essa situação gera maior consumo de alimentos com pouca qualidade nutricional, como alimentos processados e ultraprocessados, afetando diretamente o estado nutricional dos indivíduos. Além disso, alterações na estabilidade dos sistemas alimentares geram menor acesso e produção de alimentos (em quantidade), ocasionando deficiências nutricionais e desnutrição. Ambas as alterações impactam a SAN resultando diferentes formas de má nutrição.

As “estratégias de adaptação/mitigação” visam tornar os sistemas alimentares mais resilientes às mudanças climáticas no futuro, como a implementação de políticas públicas, planos de desenvolvimento agrícola, leis de proteção do mercado, abertura de mercados locais e subsídios agrícolas, manutenção e recuperação de solos afetados, adaptação do plantio aos períodos de precipitação, aumento do uso de irrigação, utilização de fertilizantes inorgânicos e da agricultura de baixo carbono, manejo de pragas, entre outras. Esta categoria contemplou o segundo maior número de artigos da revisão, um total de 24. A literatura tem sugerido a união das necessidades de adaptação relacionadas à manutenção da produtividade agrícola e com a integridade do ecossistema, visando a redução da pobreza, proteção da produção agrícola e dos serviços ecossistêmicos. A importância de realizar ações coordenadas envolvendo múltiplos atores (agricultores, sociedade civil, pesquisadores, setor privado e gestores) para a construção da resiliência às mudanças climáticas foi levantada por Lipper et al. (2014), que também propõem a implementação da “climate smart agriculture” (CSA) ou, na tradução, agricultura climaticamente inteligente. A CSA é uma agricultura resiliente/resistente ao clima, considerada pela FAO como a chave para a SAN frente aos desafios das mudanças climáticas.

Visando contextualizar o tema no cenário internacional, analisou-se também os locais de publicação dos 34 artigos elegíveis para o estudo. Estes foram realizados predominantemente na África e na Ásia e um total de 14 artigos elegíveis não continham informação sobre localização.

A revisão também trouxe uma análise da relação entre as mudanças climáticas, pobreza e desigualdade, a caracterizando como um ciclo vicioso que se retroalimenta: a pobreza faz com que as populações desfavorecidas vivam em áreas mais propensas ou mais expostas a diferentes riscos, incluindo riscos climáticos (vulnerabilidade geográfica ou ambiental), onde estes mesmos indivíduos também sofrem, de maneira desproporcional, os efeitos dos riscos das mudanças climáticas, uma vez que possuem menos recursos para manejá-los e para se recuperar frente a eles. Uma vez afetada, essa população se torna ainda mais vulnerável, exacerbando ainda mais a pobreza e a desigualdade social preexistente, o que a expõe a novos cenários de risco. Também é sinalizada a vulnerabilidade política, ou seja, os grupos menos favorecidos têm menos voz e representatividade e, em geral, são excluídos, por consequência, das políticas públicas. Viver em condições de pobreza também os deixam mais susceptíveis a doenças que os efeitos das mudanças climáticas ajudam a propagar, além de terem menos acesso aos serviços de saúde.

Os resultados do estudo sugerem que as mudanças climáticas afetam direta e indiretamente acesso, disponibilidade e utilização dos alimentos e a estabilidade dos sistemas alimentares, afetando o estado nutricional das populações e intensificando as diversas formas de má nutrição. O atual sistema alimentar global também impulsiona a má nutrição em todas as suas formas por meio de maiores emissões de gases de efeito estufa, desmatamento e degradação do solo, que colaboram para as mudanças no clima e no ambiente. O estudo também chama a atenção para a baixa produção científica sobre o tema, com uma média de 2,2 artigos publicados por ano entre 2004 e 2018, sugerindo uma lacuna sobre o tema e a importância de investimento em pesquisas, além da necessidade de implementação de políticas públicas visando garantir o direito humano a uma alimentação adequada e saudável.

Qual a relação entre as mudanças climáticas e a produção de alimentos?

O aumento da temperatura, secas cada vez mais intensas e frequentes e grandes tempestades podem resultar na quebra de safras, na diminuição da produção e no aumento do preço de alimentos. Alguns estudos apontam que o ar mais quente implica na produção de cereais menos nutritivos.

O que as mudanças climáticas tem a ver com a produção agrícola?

O impacto da agricultura na mudança climática compreende os seguintes fenômenos. Depleção e degradação do solo (erosão do solo, redução da matéria orgânica, salinização, acidificação, perda de fertilidade).

Quais as consequências do aquecimento global para a produção de alimentos?

O aquecimento global coloca em risco a produção de alimento em diversas regiões do mundo. Pesquisa detecta diminuição na produção agrícola sob efeitos das mudanças climáticas e indica quais áreas geográficas e tipos de culturas estão em maior risco.

Como as mudanças climáticas afetam a produção de alimentos de origem vegetal?

As altas temperaturas também poderão causar grandes secas, que afetarão ativamente a agricultura, ocasionando diversos problemas em relação à produção de alimentos. Dados do IPCC de 2019 indicam que o aquecimento do planeta pode causar uma redução nas safras de milho no Brasil em 5,5% a cada grau de aquecimento.