Print�ISBN�2236-73813� Encontro Nacional ABRI 2011 2011�Direitos humanos e direito internacional dos refugiados: uma relação de complementaridade Show
Thais Silva Menezes RESUMO O instituto do ref�gio localiza-se entre a pol�tica dom�stica e a internacional e vincula dois �mbitos que visam garantir prote��o � pessoa humana, representados pelo regime internacional dos direitos humanos e o regime internacional dos refugiados. Durante muito tempo essas duas esferas de prote��o ao indiv�duo foram tratadas separadamente, devido a um entendimento equivocado de uma dissocia��o hist�rica ou material entre as mesmas. Atualmente, tem-se reconhecido a rela��o entre essas duas tem�ticas, no entanto, ainda existem posicionamentos que advogam contra essa vincula��o, refletidos, principalmente, nas decis�es sobre casos de determina��o do status de refugiado, nos �mbitos nacionais. Esse trabalho visa demonstrar a impossibilidade de desvincula��o entre a concep��o contempor�nea da prote��o internacional aos refugiados e o reconhecimento e a garantia dos direitos humanos, por serem essas duas tem�ticas intrinsecamente vinculadas, tanto hist�rica quanto organicamente. Nesse sentido, trabalha-se com a hip�tese de que a viola��o de direitos humanos - devido a ra�a, religi�o, nacionalidade, opini�o pol�tica ou pertencimento a grupo social - � sempre o crit�rio a ser utilizado para se determinar a necessidade de prote��o internacional. Palavras-chave: direito internacional dos refugiados, direitos humanos, regimes internacionais A Complementaridade entre Direitos Humanos e Ref�gio O ref�gio, enquanto instituto jur�dico global nasceu em 1921, com a cria��o do Alto Comissariado para os Refugiados Russos, no �mbito da Liga das Na��es (ANDRADE, 1996, p. 19). Entretanto, pesquisas hist�ricas revelam a exist�ncia do costume de se prover prote��o a estrangeiros desde a Antiguidade, sob a forma de asilo. O asilo era entendido e aplicado na Antiguidade e na Idade M�dia a partir de um fundamento religioso - o que possibilitava, inclusive, que criminosos comuns gozassem de seus benef�cios. Esse instituto se desenvolveu no per�odo moderno at� chegar � sua configura��o atual, marcada por um car�ter pol�tico. Nos prim�rdios dessa nova caracteriza��o, no entanto, o asilo era entendido mais enquanto um "direito" do Estado que do indiv�duo, o que se pode perceber tanto na Constitui��o Francesa de 1793, como no Tratado de Montevid�u sobre o Direito Penal Internacional. Contudo, essa compreens�o do asilo como unicamente uma prerrogativa do Estado de acolhida foi se alterando, de forma que passou-se ao entendimento desse instituto como um direito do indiv�duo - o mencionado "direito de asilo". O "direito de asilo" foi manifestadamente reconhecido na Declara��o Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a qual afirmou (art. 14) que "Todo ser humano, v�tima de persegui��o, tem o direito de procurar e de gozar de asilo em outros pa�ses" (ONU, 1948). Conquanto o fato de que essa Declara��o consagrar o direito de buscar e gozar de asilo e n�o o direito de receb�-lo, admite-se sua import�ncia hist�rica e material em afirmar o asilo como um direito universal e inalien�vel. Embora a Declara��o n�o possua qualidade vinculante, esse documento representou e ainda representa a base filos�fica dos direitos aceitos e reconhecidos internacionalmente. Reconheceu-se, nesse momento, portanto, que a acolhida do indiv�duo por um Estado que n�o o seu de origem - devido �s falhas de prote��o do Estado de pertencimento daquela pessoa - � um direito do indiv�duo; � um desses direitos que durante s�culos foram sendo reconhecidos como necess�rios para assegurar a dignidade humana e, assim sendo, o asilo n�o representa simplesmente uma express�o da vontade estatal (embora um componente de discricionariedade do Estado esteja sempre presente, por ser esse o respons�vel pelos procedimentos de determina��o do status de refugiado e por ser no interior desse que se pode efetivar esses direitos). A DUDH, al�m de expressar o "direito de asilo" de forma clara, tamb�m cont�m outras provis�es que fundamentam a prote��o dos refugiados e a vincula � ideia de direitos humanos. A primeira est� contida no artigo 2:
A afirma��o de que todos os indiv�duos devem gozar das garantias que estipula, sem que nenhuma distin��o seja feita, tem uma rela��o direta com a legitima��o da exist�ncia do instituto do ref�gio. Isso porque, segundo a Conven��o de 1951, � refugiado aquela pessoa que sofre persegui��o devido a ra�a, religi�o, nacionalidade, opini�o pol�tica ou pertencimento a grupo social, o que implica que � a viola��o do artigo 2 da Declara��o Universal, uma discrimina��o materializada em forma de persegui��o, que leva � invoca��o do direito de obten��o do ref�gio. Na atualidade, os termos asilo e ref�gio ora s�o utilizados intercambiavelmente, como sin�nimos (na maioria dos pa�ses), ora denotando institutos diferentes (principalmente na Am�rica Latina) cuja distin��o principal � representada por ser o ref�gio um instituto internacionalmente estabelecido - com regras e conceitos internacionalmente formulados -, ao passo que asilo representa um ato de discricionariedade do Estado - n�o sujeito a normas internacionais. Ambos os institutos visam � prote��o internacional da pessoa e s�o englobados pelo chamado "direito de asilo" lato sensu (JUBILUT, 2007, p. 36). Duas outras ideias presentes na DUDH sustentam a afirma��o de ser seu conte�do a base filos�fica para o Direito Internacional dos Refugiados (DIR), estando as duas presentes em seu pre�mbulo:
Esses dois excertos demonstram que, ao assinarem a Declara��o, os pa�ses se comprometeram a, por meio da coopera��o internacional, assegurar um mundo em que todos gozem de liberdade de palavra, de cren�a e da liberdade para viverem longe do temor e da necessidade. Essa �, sem d�vida, a raz�o maior da ado��o de um instrumento internacional de prote��o � pessoa - a Conven��o de 1951 - que, por meio de uma concerta��o internacional, visa que a prote��o � pessoa e a garantia de seus direitos se d�em n�o obstante sua sa�da for�ada de seu territ�rio de origem ou resid�ncia habitual. Nesse sentido, embora se afirme que a DUDH, assim como outros instrumentos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, versem sobre a rela��o do indiv�duo com seu Estado de pertencimento, o Estado do qual se � nacional, � poss�vel afirmar que esse documento, ao reconhecer direitos a todos os indiv�duos, constitui a base sobre a qual foi fundamentada a prote��o internacional � pessoa humana. Esse reconhecimento est�, ainda, expl�cito na pr�pria Conven��o de 1951 que, em seu pre�mbulo, referencia a DUDH, claramente elencando-a como seu fundamento, conforme podemos observar:
Temos em mente que a Conven��o de 1951 tamb�m objetivava a resolu��o de uma situa��o que trazia muitos problemas para a ordem internacional e para os Estados: a exist�ncia de 40 milh�es de refugiados (JUBILUT, 2007, p. 78) - o que � explicitado tamb�m no pre�mbulo desse documento:
Todavia, isso foi feito mediante o reconhecimento do "[...] car�ter social e humanit�rio do problema dos refugiados [...]" (ONU, 1951) e desejando ampliar a aplica��o dos acordos anteriores relativos ao estatuto dos refugiados e a prote��o que eles oferecem, conforme o pre�mbulo tamb�m assegura. Vale lembrar que a refer�ncia ao pre�mbulo � o m�todo predominante de averigua��o do objeto e do objetivo de um tratado, como explicita Foster (2007, p. 42). A an�lise dessa parte do documento revela que, al�m da preocupa��o com a defini��o do que seria um refugiado e com a responsabilidade compartilhada do trato com o problema, h� um car�ter humanit�rio no instituto do ref�gio fundamentado na exist�ncia de direitos humanos fundamentais. Jubilut (2007, p. 60) sustenta que "A prote��o internacional dos refugiados se opera mediante uma estrutura de direitos individuais e responsabilidade estatal que deriva da mesma base filos�fica que a prote��o internacional dos direitos humanos. O Direito Internacional dos Direitos Humanos � a fonte dos princ�pios de prote��o dos refugiados e ao mesmo tempo complementa tal prote��o." Alguns documentos internacionais como a Declara��o de Cartagena e a Diretiva 2004/83/CE do Conselho da Uni�o Europeia v�m explicitamente reconhecendo essa rela��o que permeia o Direito Internacional dos Refugiados desde sua cria��o. Todavia, durante muitos anos existiu nos c�rculos acad�micos e de decis�o pol�tica, uma clara dicotomia entre os �mbitos dos direitos humanos e dos refugiados. Isso porque enquanto a esfera dos direitos humanos se preocupava com os abusos dos direitos dos cidad�os por seus pr�prios governos ou institui��es, o �mbito dos refugiados entrava em cena somente depois que pessoas fugindo de persegui��o cruzavam as fronteiras internacionais (IBHAWOH, 2003, p. 61). Essa distin��o � claramente inexistente, uma vez que � exatamente os abusos dos direitos dos cidad�os que leva pessoas a cruzarem as fronteiras de seus pa�ses. Segundo Ibhawoh, ainda, as �ltimas d�cadas t�m testemunhado um progressivo entrela�o das linhas tradicionais entre os estudos dos refugiados e do discurso dos direitos humanos. Nesse contexto, a admiss�o de solicitantes de asilo, seu tratamento e a concess�o do status de refugiado se tornaram elementos cruciais do sistema internacional para a prote��o dos direitos humanos (2003, p. 61), assim como a prote��o dos direitos humanos - ou melhor a falta dela - � o que leva � admiss�o de solicitantes e ao reconhecimento do status de refugiado. O progressivo entendimento da rela��o direta entre direitos humanos e ref�gio, seja para seu reconhecimento, seja para a concretiza��o da prote��o ao refugiado no pa�s de acolhida, j� � um ponto pac�fico entre os estudiosos da quest�o. Na pr�tica, no entanto, ou seja, para a determina��o do status de refugiado ainda h� controv�rsias - as quais s�o manifestadas nas decis�es dos �rg�os jur�dicos nacionais. Tratando sobre o debate a respeito da prote��o ao refugiado no mundo contempor�neo - o qual aponta para s�rias limita��es desse regime -, Gorlick (2003, p.87) sustenta que o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) deve complementar e conformar a interpreta��o dos documentos sobre refugiados ao afirmar que instrumentos de direitos humanos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Pol�ticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Econ�micos, Sociais e Culturais (PIDESC) devem prover uma prote��o legal ainda mais ampla que aquela fornecida pela Conven��o de 1951 (2003, p. 88). Essa argumenta��o de Gorlick � similar e complementa a de Can�ado Trindade, que se posiciona a favor da aplica��o concomitante das normas b�sicas do Direito Internacional dos Direitos Humanos no Direito Internacional dos Refugiados, afirmando a "[...] interrela��o entre o problema dos refugiados, a partir das suas causas principais (as viola��es de direitos humanos), e, em etapas sucessivas, os direitos humanos" (CAN�ADO TRINDADE, 1999, p. 272). Can�ado Trindade (1999, p. 272) admite, tamb�m, a aplicabilidade direta de muitos dos direitos humanos consagrados universalmente (como aqueles presentes na DUDH e no PIDCP) aos refugiados e de preceitos do Direito dos Refugiados no dom�nio dos direitos humanos, como � o caso do princ�pio do n�o-retorno (non-refoulement) (na Conven��o das Na��es Unidas contra a Tortura e na Conven��o Americana de Direitos Humanos). Esse autor, assim como Gorlick, visa advogar em favor da utiliza��o dos instrumentos pr�prios do regime internacional dos direitos humanos para a obten��o de situa��es mais favor�veis no que se refere ao regime internacional dos refugiados. Tal argumenta��o somente se faz poss�vel a partir do entendimento da rela��o intr�nseca entre essas duas vertentes de prote��o internacional dos indiv�duos. Jubilut tamb�m compreende a vincula��o entre direitos humanos e o regime dos refugiados. Segundo essa autora, por ser o ref�gio um instituto de prote��o e garantia do ser humano, � fundamental sua compreens�o e inser��o como vertente do Direito Internacional dos Direitos Humanos (2007, p. 31). Logo, ambas as vertentes partem do mesmo fundamento, distinguindo-se quanto a suas abrang�ncias, j� que o Direito Internacional dos Refugiados protege o ser humano perseguido em fun��o de sua ra�a, religi�o, nacionalidade, opini�o pol�tica e pertencimento a grupo social, enquanto o DIDH objetiva tamb�m assegurar condi��es m�nimas para que o homem sobreviva e possa busca a felicidade - dessa forma o �ltimo engloba a base de atua��o do primeiro (2007, p. 59). Jubilut tra�ando, ent�o, um paralelo entre essa duas vertentes de prote��o da pessoa humana explica.
Apresentarem os mesmos princ�pios e finalidades � exatamente o que vincula esses dois ramos do Direito Internacional. O posicionamento de Jubilut se aproxima bastante daquele demonstrado por Loescher. Para essa autora, entre as peculiaridades que relacionam o tema dos direitos humanos e o do ref�gio destacam-se 1) o fato de o ref�gio ser aplicado quando se verificam fortes viola��es de direitos humanos, conflitos armados ou guerras e 2) o fato de as situa��es geradoras de refugiados normalmente ocorrerem em Estados sem grande express�o no cen�rio internacional (JUBILUT, 2007, p. 31). J� Loescher, al�m de afirmar que viola��es de direitos humanos e fluxos de refugiados andam de m�os dadas, aponta para o fato de a migra��o for�ada estar intimamente relacionada com o fen�meno dos Estados fr�geis e falidos (2009, p. 240). Feller (2001, p. 388) ressalta o posicionamento de que o DIDH e o DIR devem ser cada um interpretado de forma que fortale�a e enrique�a sua ampla estrutura de prote��o e n�o que a mine atrav�s de exce��es an�malas. Ela completa sua afirma��o declarando que a Conven��o de 1951 continua a ser o instrumento fundamental para a prote��o do refugiado; contudo, para que sua validade e relev�ncia continuem a ser asseguradas, os ju�zes nacionais t�m papel crucial para dar � Conven��o uma interpreta��o apropriada que respeite seus objetos e prop�sitos (p. 387). Isso chama a aten��o para um problema no campo que est� sendo estudado por este trabalho. Como afirmamos antes, conquanto toda essa converg�ncia de estudiosos sobre a rela��o intr�nseca entre direitos humanos e ref�gio, a realidade ainda � constitu�da de fatos que contrap�em esse entendimento. Foster (2007, p. 31) aponta a exist�ncia de cortes nacionais que se baseiam - para a determina��o do status de refugiado - em uma "abordagem de dicion�rio" (dictionary approach). Tal abordagem implica a utiliza��o do dicion�rio para a determina��o do significado dos termos da Conven��o - notadamente o de "ser perseguido". Entretanto, uma olhada no dicion�rio pode demonstrar que uma palavra pode ter diversas diferen�as de significado, e como ela � utilizada num documento depende do contexto e objetivo do mesmo. Por esse motivo, este tipo de perspectiva tem sido muito criticado por produzir resultados inconsistentes com o objeto e o objetivo da Conven��o de 1951 (p.78-79), porque pode importar elementos para a verifica��o da exist�ncia da persegui��o que n�o s�o apropriados para a determina��o do status de refugiado (p. 273). Alguns casos antigos, por exemplo, que se apoiaram intensamente em defini��es de dicion�rio, impuseram a necessidade de que o solicitante demonstrasse inimizade ou nocividade por parte do perseguidor; se tal inimizade n�o estivesse presente, ent�o n�o estavam estabelecidas as condi��es para o reconhecimento como refugiado (FOSTER, 2007, p. 273). Ignora-se, nessas circunst�ncias, o fato de que algumas persegui��es s�o realizadas por pessoas que acreditam estarem prestando um favor a suas v�timas, ajudando-as de fato. Em tais conjunturas, um componente de inimizade simplesmente n�o pode ser identificado. Steinbock defende a "abordagem de dicion�rio" e critica a perspectiva dos direitos humanos, apontando duas quest�es principais: a primeira refere-se ao fato de que, embora mencione a Carta das Na��es Unidas e a DUDH em seu pre�mbulo, a Conven��o de 1951 evita mencionar muitos dos direitos humanos contidos na Declara��o Universal, que inclui o direito geral � vida, liberdade e seguran�a, liberdade de escravid�o, liberdade de tortura ou outro tratamento desumano ou cruel, direito de igual acesso aos tribunais, direito de propriedade, direito ao trabalho e ao lazer, entre outros (STEINBOCK, 1998, p. 784). Segundo ele, os direitos humanos contidos no n�cleo de defini��o da Conven��o giram em torno da n�o-discrimina��o e da liberdade de express�o. Essa assertiva, todavia, n�o � verdadeira, pois, na verdade o que gira em torno da n�o-discrimina��o e da liberdade de express�o s�o os motivos que levam � persegui��o, e n�o como a persegui��o se concretiza. Isso significa que, por exemplo, um indiv�duo pode ser perseguido por ter uma nacionalidade n�o respeitada pelo perseguidor, o qual o persegue minando seu direito de ter um emprego. Ou, um caso crescentemente observado no rol do direito dos refugiados, uma pessoa pode ser perseguida por pertencimento a grupo social - seu g�nero feminino - e a persegui��o se materializar atrav�s da mutila��o genital (o que pode caracterizar tortura ou tratamento desumano, cruel ou degradante). A segunda cr�tica desse autor deriva do seu entendimento equivocado de que entender as viola��es de direitos humanos como motivo concessor de ref�gio simplesmente significa dizer que tais viola��es representam persegui��o, desde que atinjam direitos b�sicos de forma sistem�tica, e que isso, por si s� legitima a concess�o do ref�gio (STEINBOCK, 1998, p. 781). Na verdade, mesmo nessa perspectiva os solicitantes t�m que satisfazer outros aspectos da defini��o da Conven��o - notadamente o medo de ser perseguido por raz�es de ra�a, religi�o, nacionalidade, opini�o pol�tica ou pertencimento a grupo social (FOSTER, 2007, p. 79). O problema maior dessa cr�tica n�o �, no entanto, sequer o car�ter equivocado de sua interpreta��o, e sim o fato de que esse autor � contra tal defini��o n�o por uma falha te�rica, mas por ela ter como resultado um grande n�mero de pessoas pass�veis de se encaixar na defini��o (STEINBOCK, 1998, p. 782). Esse claramente n�o � um motivo cuja fundamenta��o permite recha�ar essa abordagem, por ser simplesmente pragm�tico e n�o filos�fico. Embora a "abordagem de dicion�rio" implique s�rias limita��es para o reconhecimento dos refugiados, assim como os motivos para se descartar a abordagem de direitos humanos no DIR n�o sejam consistentes, essa abordagem ainda � utilizada quando da determina��o do status de refugiado em algumas cortes no mundo1. N�o se pode afirmar que um pa�s, como um todo, adote a "perspectiva de dicion�rio" ou a dos direitos humanos, porque podem existir inconsist�ncias dentro e entre jurisdi��es (FOSTER, 2007, p. 28); no entanto, seja em qual propor��o for, ressaltamos a necessidade de se descartar esse tipo de abordagem, uma vez que, quando se foca na inten��o do perseguidor e n�o no efeito de ser perseguido (FOSTER, 2007, p.273), o DIR est� sendo desconsiderado e a prote��o ao refugiado em grave risco. A persegui��o n�o pode ser entendida e utilizada como par�metro para o reconhecimento da condi��o de refugiado fora do contexto material em que essa se concretiza, nem fora do contexto hist�rico e filos�fico que a estabeleceu como refer�ncia para verifica��o de tal condi��o. Nesse contexto de reconhecimento da exist�ncia de uma rela��o intr�nseca entre DIR e DIDH, tratando sobre a tese sustentada de que a justificativa para o reconhecimento do status de refugiado vincula-se sempre a uma viola��o de direitos humanos, a afirma��o abaixo � elucidativa:
Essa afirma��o de Loescher sintetiza a opini�o dos autores que, assim como n�s, entendem a intr�nseca rela��o entre viola��o de direitos humanos e o instituto do ref�gio. Isso significa que � sempre uma viola��o de direitos humanos, ainda que expressada em forma de persegui��o por motivos espec�ficos, que leva ao reconhecimento da condi��o de refugiado. Esse autor sustenta, ainda, que - assim como a opini�o aqui sustentada - o regime internacional referente aos refugiados surge em meio ao reconhecimento da import�ncia dos direitos humanos e que a expans�o de um regime de refugiados - o qual baseia-se na ideia de que esses indiv�duos devem ter prote��o internacional - � not�vel e tem sido um exemplo fundamental da import�ncia crescente dos direitos humanos nas quest�es internacionais nos �ltimos sessenta anos (LOESCHER, 2009, p. 242). Crisp (2000, p. 11 -12) tamb�m afirma categoricamente que um dos prop�sitos do DIR � proteger pessoas que foram for�adas a deixar seu pr�prio pa�s como um resultado de viola��es de direitos humanos3. O ACNUR � um importante ator que se posiciona a partir do entendimento da exist�ncia dessa rela��o fundamental, havendo se comprometido a usar os princ�pios e as pr�ticas internacionais de direitos humanos como parte de suas pol�ticas e programas (GORLICK, 2003, p. 99). Em 1979, no Manual sobre os Crit�rios para a Determina��o do Status de Refugiado sob a Conven��o de 1951 e Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos Refugiados4, o ACNUR tratou de uma quest�o sempre controversa da defini��o da Conven��o: o significado de persegui��o - elemento essencial para o entendimento da rela��o entre direitos humanos e ref�gio. Nessa ocasi�o, esse organismo afirmou que do artigo 33 da Conven��o pode-se inferir que a amea�a � vida ou � liberdade devido � ra�a, religi�o, nacionalidade, opini�o pol�tica ou pertencimento a grupo social � sempre uma persegui��o. Ademais, outras s�rias viola��es de direitos humanos - pelas mesmas raz�es - tamb�m podem constituir persegui��o; se outras a��es ou amea�as configurar�o persegui��o vai depender das circunst�ncias de cada caso, incluindo elementos subjetivos (ACNUR, 1992, p.10). Sobre a quest�o da persegui��o, outrossim, o ACNUR tem se preocupado com as interpreta��es restritivas da defini��o de refugiado - quando mesmo com bem fundado temor de persegui��o devido a ra�a, religi�o, nacionalidade, opini�o pol�tica ou pertencimento a grupo social, o solicitante de asilo n�o recebe prote��o internacional somente porque seu perseguidor n�o � autorizado oficialmente ou a persegui��o n�o � individual. Em situa��es como essa o esp�rito e objeto da Conven��o s�o seriamente solapados (McNAMARA, 1999 , p. 6-7). Como � poss�vel ver nos relat�rios anuais do ACNUR sobre a situa��o dos refugiados no mundo, a Conven��o � vista por essa ag�ncia como um instrumento de direitos humanos5, e as viola��es de direitos humanos s�o mencionadas reiteradamente como motivo que leva aos fluxos de refugiados6, assim como a outros deslocamentos for�ados de indiv�duos que n�o se encaixam na categoria de refugiados, mas representam "pessoas de interesse" do ACNUR, como deslocados internos e ap�tridas. Em 1997, esse organismo publicou um documento intitulado "ACNUR e Direitos Humanos", que, segundo Gorlick (2003, p. 89), seria a primeira vez em que o Escrit�rio havia tratado da interrela��o entre direitos humanos e a prote��o ao refugiado de maneira compreens�vel. Nesse documento, o ACNUR reconhece sua origem na esfera dos direitos humanos e a complementaridade entre a prote��o ao refugiado e a promo��o dos direitos humanos (ACNUR, 1997, p. 1). Afirma, tamb�m que as metas, os prop�sitos e os objetivos do �rg�o devem corresponder ao padr�es internacionais de direitos humanos. A aus�ncia, na Conven��o de 1951, de uma defini��o do termo persegui��o � um indicativo do fato de que suas formas s�o demasiadamente variadas (FELLER, 2001, p. 382). Entretanto, � poss�vel perceber que mesmo quando, de forma restritiva (embora contextualizada), a persegui��o � somente entendida como uma amea�a imediata � vida, � liberdade ou � seguran�a, estamos falando em viola��o de direitos humanos reconhecidos. Isso se vincula integralmente � percep��o de que o regime contempor�neo referente aos refugiados surgiu em meio ao reconhecimento da import�ncia de se assegurar aos indiv�duos direitos humanos. De fato, a interpreta��o do ACNUR e de diversos estudiosos da ideia de persegui��o vai al�m da amea�a imediata � vida, liberdade ou seguran�a, apontando para a falha sistem�tica e duradoura na prote��o de diversos direitos humanos fundamentais. Percebe-se, portanto, que o regime internacional dos refugiados, em sua configura��o atual, nasceu em um contexto de amplo reconhecimento de direitos humanos, sendo resultado desse desenvolvimento e, ao mesmo tempo, o complementando. Nesse cen�rio, um elemento fundamental para a verifica��o da condi��o de refugiado - a persegui��o -, deve ser entendida como a viola��o de direitos humanos (devido a ra�a, religi�o, nacionalidade, grupo social ou opini�o pol�tica). Tal interpreta��o � poss�vel porque o entendimento sobre o que representa uma amea�a � vida, � liberdade ou � seguran�a (par�metro m�nimo que possibilita o reconhecimento da condi��o de refugiado) foi desenvolvido em meio � afirma��o hist�rica de direitos humanos, ou seja, fora desse �mbito dos direitos humanos toda a ideia de ref�gio que se configurou em regime na atualidade � destitu�da de significado. � sob a perspectiva dos direitos humanos que se pode entender a constitui��o do regime internacional dos refugiados, embora haja um componente extremamente relevante para a concretiza��o do ref�gio - n�o explorado nesse trabalho -, que � a solidariedade. A solidariedade, advenha de justifica��o religiosa, de identifica��o pol�tica ou antr�pica, � o tra�o presente em todo o desenvolvimento da ideia de ref�gio - desde sua utiliza��o na Antiguidade enquanto asilo - e, provavelmente, a justificativa preponderante para o reconhecimento da condi��o de refugiado nos Estados que n�o s�o completamente integrantes do regime contempor�neo dos refugiados7. � importante ressaltar que a vincula��o entre ref�gio e direitos humanos � percebida n�o somente no momento anterior ao reconhecimento do status de refugiado, como tamb�m ap�s seu reconhecimento. O regime internacional dos refugiados representa a declara��o de que o indiv�duo n�o deve ser obrigado a permanecer em seu pa�s de resid�ncia caso o mesmo falhe em garantir - materialmente - direitos humanos b�sicos. Essa percep��o caminha junto com o reconhecimento de direitos a esses indiv�duos no seu pa�s de acolhida, pois o refugiado �, antes de qualquer condi��o, um ser humano. A sua inclus�o na categoria de refugiado de modo algum o destitui da sua natureza humana. Isso significa que, conquanto sua condi��o de migrante for�ado (devido a quest�es relacionadas a ra�a, religi�o, nacionalidade, opini�o pol�tica ou pertencimento a grupo social), a esse indiv�duo foram reconhecidos direitos fundamentais os quais devem sempre ser respeitados. Jubilut (2007, p. 29-30) sustenta que com o fim da Guerra Fria e o advento da globaliza��o o tema dos refugiados entrou na sua fase atual, a qual � marcada por contradi��es permanentes: 1) a natureza das for�as que operam no fen�meno, que s�o ao mesmo tempo a) centr�fugas (alimentando o nacionalismo e os conflitos �tnicos, o que gera enormes fluxos de refugiados) e b) centr�petas (aproximando os Estados e apontando a exist�ncia de problemas globais que somente podem ser resolvidos atrav�s de a��es conjuntas, o que justifica a acolhida dos refugiados); 2) os aspectos econ�micos que fundamentam o processo de globaliza��o, que a) geram a necessidade de alguns indiv�duos sa�rem de seus pa�ses em fun��o de problemas econ�micos - situa��o n�o abrangida pelo ref�gio, mas comumente verificada entre os casos de solicita��o de ref�gio; e que b) numa situa��o na qual a concep��o e concretiza��o da prote��o dependem dos Estados, freq�entemente se testemunha uma maior dificuldade estabelecida para a acolhida de refugiados em seus territ�rios, devido ao medo de que esses venham a gerar problemas em suas economias dom�sticas. Tais contradi��es ressaltam a necessidade de uma integral compreens�o do ref�gio - a partir de todos os aspectos que o comp�em. A compreens�o da rela��o entre direitos humanos e ref�gio � importante, desse modo, n�o somente como forma de entender e justificar a exist�ncia desse instituto, mas tamb�m, para possibilitar que a quest�o dos direitos humanos seja foco tamb�m ap�s a acolhida do indiv�duo em um determinado Estado. Em um contexto no qual tantas facetas do fen�meno do ref�gio se revelam e no qual as necessidades delas resultantes ainda n�o foram adequadamente tratadas, entender sua vincula��o com os direitos humanos � fundamental para a configura��o do ref�gio enquanto um instituto que visa n�o somente garantir a sa�da do indiv�duo de um ambiente de viola��o de direitos humanos, mas tamb�m garantir sua entrada em um ambiente no qual seus direitos humanos sejam assegurados. Refer�ncias bibliogr�ficas ACNUR. 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http://www.hcourt.gov.au/registry/case-summaries/full-court-matters-november-2001?qh=YToxOntpOjA7czo2OiJraGF3YXIiO30%3D>; Pitcherskaia, 118 F 3d(1997), Estados Unidos, dispon�vel em: <
http://www.unhcr.org/refworld/country,,USA_CA_9,,RUS,,4152e0fb26,0.html>. � Qual a principal instituição internacional preocupada em proteger os direitos humanos?A ONU, é ainda hoje o principal organismo internacional e visa essencialmente: Preservar a paz e a segurança mundial; Estimular a cooperação internacional na área econômica, social, cultural e humanitária; Promover a respeito às liberdades individuais e aos direitos humanos.
Qual o sistema internacional de proteção dos direitos humanos?APRESENTAÇÃO. Os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos são o conjunto de normas, órgãos e mecanismos internacionais surgidos a partir de 1945 com o intuito de promover a proteção dos direitos humanos em todo o mundo.
Quais as instituições que garantem os direitos humanos?O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) é um órgão colegiado de composição paritária que tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil através de ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos, previstos na ...
Quem garante os direitos humanos Internacional?As bases desse corpo de leis são a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotadas pela Assembleia Geral em 1945 e em 1948, respetivamente.
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