Como é considerada a educação em nossa Constituição Federal de 1988?

Por Cecília Garcia. Texto publicado originalmente na plataforma Cidades Educadoras

No final de 2015, o movimento secundarista se apropriou de escolas públicas em Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo e outros estados na luta por uma escola cidadã, tão defendida por educadores como Paulo Freire. Em articulação, os estudantes então transformaram suas escolas em espaços vivos de aprendizagem e gestão democrática.

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Como é considerada a educação em nossa Constituição Federal de 1988?

Pode-se dizer que o desejo por uma escola com estas características é tão jovem quanto quem organizou o movimento estudantil em questão. Redigido em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova é um dos primeiros marcos no entendimento da escola enquanto espaço de cidadania.

Nele, educadores e pensadores, como Anísio Teixeira e Cecília Meireles, questionavam não somente a falta de um projeto de educação genuinamente brasileiro – que respeitasse a amálgama de povos e saberes que compunham o Brasil – como também a defesa de uma escola pública, laica, gratuita e obrigatória como instrumento primordial democrático.

Em um país assentado em profundas desigualdades sociais e territoriais, este ideário de escola demorou a se constituir legalmente, como explica Mariana Vilella, advogada e mestra em educação pela PUC-SP. 

“Desde o princípio da formação da nossa escola, o embate foi sobre qual projeto de país queríamos. A Constituição de 1934, influenciada pelo Manifesto, foi a que começou a prever objetivos e diretrizes para a efetivação dessa educação, mas ainda de forma limitada. Já a de 1946 inicia uma ampla discussão sobre a importância da escola pública.”

Constituição de 88: precursora de conquistas educacionais

A aposta na educação pública como espaço de formação intelectual e cidadã começa, de fato, no processo de redemocratização do Brasil, com a Constituição de 1988, que prevê a educação enquanto “direito de todos e dever do Estado e da família, onde será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.  

Essa reportagem integra o especial 30 anos da Constituição Cidadã – série de matérias que analisa os trinta anos da Constituição Federal de 1988 e a relaciona com a manutenção da democracia brasileira, especialmente, nas áreas de educação, território e participação social.

A construção deste Artigo 205, bem como de todos os outros artigos constituintes, foi resultado de uma conciliação entre pontos de vista diversos da sociedade civil e dos poderes vigentes na época da sua promulgação. Nomes emblemáticos como o do antropólogo Darcy Ribeiro – na época senador – participaram dessa articulação.

“A Constituição de 88 escreve que a educação serve para formar para a cidadania, para o trabalho e para o pleno desenvolvimento da pessoa. Ali, há uma concepção importante de educação integral”, define Mariana.

“Diferentemente das outras constituições, ela é inédita em trazer mecanismos de vinculação, tanto de diretrizes quanto de orçamento, para garantir o que se entendeu – naquele momento de acordo político – como educação pública enquanto projeto de país”, acrescenta.

Como é considerada a educação em nossa Constituição Federal de 1988?

Movimentos e organizações sociais foram fundamentais para a construção do Artigo 205 da Constituição de 88. Na foto, Associação dos Professores Primários de Alagoas, em 1988 / Crédito: José Feitosa

A Constituição de 88 preparou terreno também para outras importantes conquistas legais: a construção de um Sistema Nacional de Educação, a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional (LDB), de 1996, e o Plano Nacional de Educação (PNE), emenda constitucional aprovada em 2014.

O que é o Sistema Nacional de Educação?

É a definição de diretrizes, metas, recursos e estratégias de manutenção e desenvolvimento direcionados à garantia do direito à educação em ambos os níveis (educação básica e superior), considerando todas as etapas e modalidades educativas. Remete, sobretudo, à garantia da universalização da educação básica obrigatória dos 4 aos 17 anos, em regime de colaboração. Está previsto no artigo 214 da Constituição.

O PNE prevê, entre outras 19 metas para universalização da educação brasileira, a destinação de um percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação. “A Constituição abriu o precedente da vinculação orçamentária obrigatória de estados, municípios e governo federal, cada um no seu percentual do quanto deve ser aplicado em educação. Isso foi uma conquista especialmente importante no Brasil, porque sabemos o quão ameaçados estão os recursos da educação quando não vinculados constitucionalmente e o quanto já teríamos retrocedido”, defende Mariana.

Chama a atenção da advogada, no entanto, que no aniversário de 30 anos da Constituição existam propostas que inviabilizam o PNE, como a EC 95, que prevê um congelamento de gastos públicos por 20 anos nas áreas sociais. “Ao mesmo tempo que houve uma grande luta para se aumentar a destinação de recursos no PNE, se aprovou uma emenda que o torna inviável.”

A escola democrática como horizonte

Ainda que haja um arcabouço legislativo progressista e um exponencial avanço no acesso ao Ensino Fundamental no Brasil, isso não significa que a escola tenha se universalizado e nem que funcione enquanto espaço de formação plural e cidadã.

Helena Singer: “A escola tem a potência de territorializar os direitos, de fomentar a participação social e de formar para a vida em democracia”

“A escola pública é uma conquista importante para o direito à educação e para a democracia como um todo porque efetivamente está disseminada pelo país, e é o único equipamento público, além da intervenção policial, que chega em todos os cantos”, define a educadora e socióloga Helena Singer. “Esse equipamento tem a potência de territorializar os direitos, de fomentar a participação social e de formar para a vida em democracia. Mas é uma potência não realizada.”

Isto porque, junto ao aumento da escolarização da população, vieram retrocessos como a própria EC 95. “Não é que a escola vá resolver todas as mazelas sociais, mas poderia sim formar pessoas para a defesa da democracia e para a luta de seus direitos se distribuída por todo território e com corpo interdisciplinar e equipamentos”, analisa a socióloga.

Para Mariana, essa escola que ainda patina para se considerar democrática é espelho de uma democracia recente e instável. “A Constituição, por ser nova e muito pródiga em trazer mecanismos de participação, requer também um olhar de paciência e compreensão. Ela não se efetiva sozinha. A escola é prova disso. Não há na escola pública uma geração inteira de alunos, professores, gestores formados em democracia. Grande parte do corpo docente foi escolarizado na ditadura. A escola plural, laica, que tem a diversidade como parâmetro de qualidade, ainda não aconteceu.”

Como é considerada a educação em nossa Constituição Federal de 1988?

A ocupação das escolas baseou-se em decisões horizontais, com participação dos pais e da comunidade / Crédito: Mídia Ninja

Escola como espaço do contato com o plural

A depender de alguns projetos de lei como o Escola sem Partido corre o risco de nunca se efetivar. Para Helena, o projeto abre prognósticos perniciosos para se desconsiderar a escola enquanto bem público, que tem o dever de ampliar o que é discutido na esfera do privado entre as famílias.

Mariana endossa a argumentação: “Dificilmente a família será plural o suficiente para ter acesso e compartilhar a cultura afrodescendente, a cultura indígena, a discussão de gênero, as diversidades mil da sociedade brasileira e que cabe a educação apresentar, trabalhando a tolerância e a alteridade”, complementa.

Para que a escola democrática não seja extirpada antes de consumada, Helena arremata: “Por si mesma, nem a Constituição, nem a escola garantem nada. Elas devem ser apropriadas pela população, apropriadas pelas organizações sociais, pelos agentes da educação para que efetivamente tenham o sentido que a gente quer, que é a promoção da democracia, diversidade e respeito.”

Nesta perspectiva, a mensagem deixada pelo movimento secundarista há três anos nunca foi tão atual. O próprio exercício da gestão escolar serve para se pensar a democracia para além de um regime político distante, mas como algo que se pratica no cotidiano.

“O movimento deixou expressos dois direitos bem caros à Constituição. O da liberdade de manifestação e o da gestão democrática. A escola é nossa. Não é um prédio do Estado. Conforme criamos um descrédito na escola pública, ela se torna somente um edifício. Mas Paulo Freire já preconizava: a escola é feita de gente”, finaliza Mariana.

Como a Constituição Brasileira de 1988 define a educação?

205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Quais os princípios da educação considerando a Constituição Federal de 1988?

I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

O que diz a Constituição Federal de 1988?

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Qual a importância da Constituição Federal de 1988 na promoção dos direitos educacionais?

Essa Constituição manteve a estrutura organizacional da educação nacional, preservando os sistemas de ensino dos Estados, mas com mudança em relação ao ensino particular, uma vez que instituiu as bolsas de estudo para aqueles que possuem insuficiência de recursos financeiros.