Qual o papel do trabalho na organização e reprodução da vida social?

Sem. de Sa�de do Trabalhador de Franca Sep. 2010

MUNDO DO TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

A dinâmica do trabalho na formação da vida social

Wagner Alves Pereira

Gradua��o em Servi�o Social pela Universidade Estadual Paulista, UNESP. Faculdade de Direito, Hist�ria e Servi�o Social- FHDSS. Campus Franca


RESUMO

O nosso estudo analisa o trabalho enquanto uma categoria ontol�gica de forma��o do ser social, afirmando que o processo de trabalho preserva em sua din�mica um car�ter transformador que n�o se resume a produ��o de uma objectualidade material, mas sim um processo de transforma��o do pr�prio ser humano que ao por em movimento as suas for�as produtivas, mediante o interc�mbio inelimin�vel com a natureza, desenvolve suas capacidades humanas. E mais, mostraremos que tal processo � imprescind�vel do interm�dio da consci�ncia, j� que fornece uma seiva prot�ica na constitui��o do processo global de produ��o e reprodu��o da vida social.

Palavras-chave: Trabalho. Ser Social. Consci�ncia


1 O PAPEL DA CONSCI�NCIA NO PROCESSO DE TRABALHO

Todos os seres vivos devem realizar seu processo de reprodu��o biol�gica com sua esp�cie mediante uma constante rela��o com a natureza. Trata-se de uma rela��o de car�ter inelimin�vel, que n�o comporta a m�nima possibilidade de supress�o, sem a emerg�ncia de consequ�ncias tr�gicas, j� que tal ato consistiria na extin��o da esp�cie. Por isso, o processo de reprodu��o biol�gica se desenvolve sob um matiz org�nico mediado pela constante rela��o com a natureza. Os seres vivos se adaptam em seu processo de reprodu��o biol�gica com o ambiente natural mediante um comportamento imediato de a��o instintiva e espont�nea em sua atividade vital, subordinados pelas determina��es impostas pelo ambiente natural. Dessa forma, os seres vivos n�o se distinguem da natureza, s�o parte constituinte dela, e os produtos de sua atividade preservam a exig�ncia de suprir uma car�ncia f�sica imediata, derradeiramente instintiva, pautada na sobreviv�ncia.

Os seres humanos em seu processo de reprodu��o biol�gica n�o se desvencilham das determina��es impostas pelo meio natural, s�o parte constituinte da natureza, devendo realizar suas car�ncias elementares mediados, atrav�s de suas atividades vitais, pelo constante interc�mbio com a natureza, para que possam confirmar sua exist�ncia. Ademais, os seres humanos n�o encontram no desenvolvimento de suas formas de reprodu��o org�nico-biol�gicas quaisquer possibilidades de desenraizamento do meio natural1. N�o obstante, os seres humanos "[...] come�am a se distinguir dos animais logo que come�am a produzir seus meios de exist�ncia, e esse passo � frente � a pr�pria conseq��ncia de sua organiza��o corporal". Ou seja, "[...] ao produzirem seus meios de exist�ncia, os homens produzem indiretamente sua pr�pria vida material" (MARX; ENGELS, 2007, p.10). Mais do que isso, os seres humanos se distinguem dos outros seres vivos por assumirem em sua atividade biol�gica, mediante o constante e inelimin�vel interc�mbio com a natureza, a explicita��o do papel desempenhado pela consci�ncia.

�Para que a consci�ncia do ser humano exprima seu car�ter diferenciador dos outros seres vivos, � fundamental a evid�ncia de uma atividade que seja manifesta, enquanto base din�mico-estruturante, de um novo tipo de ser, salvaguardando um grau de desenvolvimento no processo de reprodu��o org�nica. Essa diferencia��o revela a sua emerg�ncia para o ser humano pelo e no trabalho, que, sob o primado da consci�ncia, assume um grau de complexifica��o, dotada de uma adapta��o ativa e determinada ao meio natural, enquanto modifica��o consciente e transformadora do ambiente natural, contrapondo as formas de adapta��o passiva dos outros seres vivos cuja regula��o atende as exig�ncias instintivas e imediatas da sobreviv�ncia f�sica, bem como a fixa��o ao ambiente natural (LUK�CS, 1978, p.03-04).

Segundo Luk�cs, a ess�ncia do trabalho (1978, p.04, grifo nosso):

[...] consiste precisamente em ir al�m dessa fixa��o dos seres vivos na competi��o biol�gica com seu mundo ambiente. O momento essencialmente separat�rio � constitu�do n�o pela fabrica��o de produtos, mas pelo papel da consci�ncia, a qual, precisamente aqui, deixa de ser mero epifen�meno da reprodu��o biol�gica: o produto, diz, Marx, � um resultado que no in�cio do processo existia 'j� na representa��o do trabalhador', isto �, de modo ideal.

Nesses termos, o trabalho preserva, em sua ess�ncia, uma dimens�o que suprime a mera fixa��o dos seres vivos com o ambiente natural, na qual o seu momento separat�rio n�o consiste na fabrica��o de produtos, j� que em todos os seres vivos se exprime a media��o indissol�vel com a natureza, mas se manifesta pelo papel da consci�ncia humana nesse processo2. O ser humano n�o transforma no e pelo trabalho apenas o material pelo qual se desenvolve o seu processo de produ��o; � uma opera��o que cont�m a dimens�o de um projeto desempenhado pela consci�ncia, que se constitui pela legalidade determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar � sua vontade (MARX, 2006, p.212).

Apresenta-se no trabalho, como advoga Luk�cs, uma dimens�o teleol�gica, um "modo de p�r" posi��o sempre realizada por uma consci�ncia guiada em uma determinada dire��o, refletida previamente, portadora de um projeto ativo e consciente, no sentido de contrapor a dimens�o da causalidade, que representa todas as leis espont�neas manifestas em todos os movimentos da vida real, cujas determina��es independem dos indiv�duos singulares (LUK�CS, 1978, p.06). Essa dimens�o teleol�gica det�m em seu cerne a decis�o entre alternativas acerca de posi��es teleol�gicas futuras, pois todo o indiv�duo singular, sempre que atua em pr�xis, deve decidir se o faz ou n�o. Dessa forma, a teleologia que se realiza mediante a explicita��o da consci�ncia e � portadora de uma posi��o ativa na realidade humana e natural.

O trabalho, enquanto ato teleol�gico, aparece como uma experi�ncia elementar no processo da produ��o e reprodu��o da vida humana. O trabalho humano possui um car�ter ineliminavelmente teleol�gico que se apresenta e se desenvolve na atividade dos seres humanos. Al�m disso, esse car�ter teleol�gico � colocado em movimento pela dimens�o objetiva e determinada do ser humano que, em sua din�mica, afirma o todo existente como parte movente e movida de um complexo. Segundo Luk�cs (1978, p.02-03), isso conduz a duas conseq��ncias fundamentais: em primeiro lugar, o ser humano em seu conjunto � dotado de um processo hist�rico; e, em segundo lugar, as categorias n�o s�o tidas sobre algo que � ou que se torna, n�o obstante como formas moventes e movidas da pr�pria mat�ria ou como entendia Marx, "formas do existir, determina��es da exist�ncia3" (LUK�CS,1978, p.02-03).

A dimens�o objetiva, ou melhor, a objetiva��o enquanto momento decisivo da categoria trabalho, � um complexo portador de um processo hist�rico que afirma o surgimento de um novo produto, que se apresentava como pr�via idea��o da consci�ncia do ser humano ao plano da realidade concreta. O surgimento de um novo produto pela objetiva��o advinda do trabalho n�o � apenas a transforma��o da natureza f�sica. N�o obstante, � um processo de exterioriza��o de um novo sujeito que, na livre e potencial explicita��o do desenvolvimento hist�rico de suas capacidades humanas, manifesta a amplitude de sua humanidade.

A exterioriza��o n�o � prescind�vel do p�r teleol�gico em sua base gen�tica, ou seja, n�o se exprime o relegar do papel da consci�ncia no desenvolvimento do processo de trabalho, j� que a afirma��o do car�ter humano do trabalho que transforma a mat�ria advinda do meio natural pelo uso dos meios de trabalho, se apresenta mediante a dimens�o prefaciada da consci�ncia. A transforma��o do real pela exterioriza��o do indiv�duo n�o � apenas uma transforma��o da realidade objetiva. � mais do que isso: consubstancia-se na vivificadora transforma��o do pr�prio indiv�duo, mediante a sua atividade material pelo e no seu interc�mbio com a natureza, que exterioriza a si mesmo e sua capacidade ativa na objetiva��o revelada em um determinado produto realizado pelo e no seu trabalho.����� ��

Portanto, o processo de produ��o do trabalho presente na rela��o objetiva��o e exterioriza��o, em sua a��o reguladora e subordinadora das propriedades advindas do interc�mbio com a natureza, confirma uma forma �til � vida humana e aos produtos resultantes dessa rela��o. � um processo prot�ico que fermenta uma transforma��o potencializadora das capacidades humanas, dirimindo o aspecto meramente instintivo e espont�neo dos outros seres vivos, pois "[...] atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua pr�pria natureza" (MARX, 2006, p.211). Nesse sentido, Luk�cs sustenta que mediante o processo de trabalho ocorre uma dupla transforma��o no ser humano:

[...] Por um lado, o pr�prio homem que trabalha � transformado pelo seu trabalho; ele atua sobre a natureza exterior e modifica, ao mesmo tempo, a sua pr�pria natureza; 'desenvolve as pot�ncias nela ocultas' e subordina as for�as da natureza 'ao seu pr�prio poder'. Por outro lado, os objetos e as for�as da natureza s�o transformados em meios, em objetos de trabalho, em mat�rias-primas, etc. o homem que trabalha 'utiliza as propriedades mec�nicas, f�sicas e qu�micas das coisas, a fim de faz�-las atuar como meios para poder exercer seu poder sobre outras coisas, de acordo com sua finalidade' (LUK�CS, 1979, p.16, grifo nosso).

2 A DESPEDIDA DE ROBINSON CROSU� NA ASSUN��O DO TRABALHO COMO CATEGORIA SOCIAL

Para n�o cairmos numa afasia abstrata, apreendendo a categoria trabalho como uma rela��o direta entre indiv�duo-natureza para a produ��o de valores-de-uso espec�ficos, evitaremos a nossa intensa nostalgia pelo nosso querido Robinson Cruso�, em sua singela e enfadonha ilha; na execu��o de suas atividades de subsist�ncia, como por exemplo, na ca�a, na pesca, na fabrica��o de instrumentos e m�veis - enquanto objetos diretamente �teis -, bem como na sua leitura resignada de sua B�blia que tanto lhe conforta4. Diante desse afastamento, nos ocupemos do trabalho em sua esfera ontol�gica enquanto uma categoria indissoluvelmente de car�ter social.

Antes de mais nada, � necess�rio afirmar que a sociedade (os complexos sociais) n�o se confronta como uma abstra��o ao indiv�duo. Esse pressuposto observado por Marx, nos seus Manuscritos de 1844, advoga que o "indiv�duo � o ser social" e a sua manifesta��o de vida mesmo que ela n�o apare�a na imediaticidade de uma manifesta��o comunit�ria de vida, realizada simultaneamente com outros , salvaguardando no trabalho sua mais n�tida express�o, � uma exterioriza��o e confirma��o da vida social. Nesse sentido, ainda segundo Marx (2007, p.107):

[...] a vida individual e a vida gen�rica do homem n�o s�o diversas, por mais que tamb�m e isto necessariamente - o modo de exist�ncia da vida individual seja um modo mais particular ou mais universal da vida gen�rica, ou quanto mais a vida gen�rica seja uma vida individual mais particular ou universal5.

Nesse ensejo, o car�ter ontol�gico do trabalho se alicer�a em sua base social.� Por n�o se constituir como um ato fortuito, fundamentado numa desdita instintiva e imediata do interc�mbio com a natureza, deve o trabalho se apropriar do conhecimento adquirido pelo desenvolvimento hist�rico da humanidade, afirmando em seu cerne as multif�rias e complexas rela��es sociais presentes em seu processo de objetiva��o. � mediante o conhecimento correto das propriedades, rela��es, v�nculos, inter-rela��es e etc., pertencentes a ambi�ncia natural, existentes objetivamente e independente da consci�ncia dos seres humanos, � que o trabalho pode ser realizado. Mais do que isso, trata-se de uma objetiva��o-exterioriza��o que representa o grau de desenvolvimento social espec�fico, num determinado contexto hist�rico, colocando em movimento, pelas posi��es teleol�gicas, o funcionamento de s�ries causais. A causalidade n�o exprime uma legalidade espont�nea na qual a totalidade dos movimentos se encontra fixada em sua express�o geral; n�o obstante, representa um complexo de atos teleol�gicos, influentes e influenciados por determina��es advindas de seu contexto hist�rico, cujo solo de idea��o � a consci�ncia social6�, que mediante a pr�xis social pode movimentar as s�ries causais (LUK�CS, 1978, p.06).

Ou seja, segundo Luk�cs, � derradeira a import�ncia de se compreender que a rela��o estabelecida pela teleologia e consci�ncia comporta uma duplicidade:

[...] numa sociedade tornada realmente social, a maior parte das atividades cujo conjunto p�e a totalidade em movimento � certamente de origem teleol�gica, mas a sua exist�ncia real e n�o importa se permaneceu isolada ou se foi inserida num contexto � feita de conex�es causais que jamais e nenhum sentido podem ser de car�ter teleol�gico (LUK�CS, 1978, p.06).

Partamos para um exemplo: o processo de trabalho � a media��o teleol�gica - uma atividade consciente impulsionada a um determinado fim -, dos objetos de trabalho7 (a mat�ria que se aplica ao trabalho) retirados da conex�o imediata com o seu meio natural e o meio de trabalho8 (o instrumental de trabalho), ou seja, uma coisa ou um complexo de coisas (MARX, 2006, p.212). Nesse caso, a dimens�o da causalidade se apresenta na apropria��o dos conhecimentos da mat�ria aplicada na realiza��o do trabalho, bem como da valia prestada pelos instrumentos de trabalho que s�o fornecidos pelo desenvolvimento do conhecimento dos instrumentais de trabalho e das determina��es naturais dos complexos sociais hist�ricos, que de modo geral, independem da consci�ncia dos seres sociais.����

O processo de trabalho possui a capacidade de criar produtos novos que n�o existem ou possam ser constru�dos no espont�neo decorrer natural, "fenecendo" em sua forma palp�vel imediata qualquer semelhan�a com a sua raiz objetiva natural. Entretanto, n�o se exprime dessa afirma��o e � necess�rio reiterar - qualquer possibilidade de se eliminar o interc�mbio mediado entre o ser humano e o ambiente natural. O que afirmamos �: o conte�do dessa emers�o de novos produtos, transformados pelo inelimin�vel interc�mbio entre o ser humano e a natureza pelo processo de trabalho, revela a plena capacidade do ser humano de transformar tanto a realidade pr�tico-sens�vel, imediata ao alcance do individuo que trabalha, quanto de toda dimens�o que n�o se apresenta na direta rela��o palp�vel do indiv�duo, no caso as m�ltiplas e complexas rela��es sociais.

Segundo Luk�cs, o processo de trabalho, entendido enquanto uma pr�xis social, cont�m em si um car�ter contradit�rio: por um lado, � uma decis�o entre alternativas, no sentido de que todo o indiv�duo singular, sempre que desempenha seu "agir interessado", deve decidir se faz algo ou n�o. Dessa forma, todo ato social � uma decis�o entre alternativas acerca de posi��es teleol�gicas futuras. E paralelamente, a incid�ncia imperativa da necessidade social que se afirma por interm�dio da press�o direta e inelimin�vel exercida sobre os indiv�duos (com freq��ncia, de maneira an�nima), a fim de que as decis�es deles possuam uma determinada orienta��o presente nas condi��es de vida j� existentes: "[...] Marx delineia corretamente essa condi��o, dizendo que os homens s�o impelidos pelas circunst�ncias a agir de determinado modo 'sob pena de se arruinarem'[...]" (LUCK�CS, 1978, p.06).

Em outros termos, o processo de trabalho desempenhado por um indiv�duo singular � uma pr�xis social que preserva decis�es entre alternativas que engendram implica��es acerca de posi��es teleol�gicas futuras, num processo de imprevisibilidade e irreversibilidade de suas a��es, para um determinado direcionamento que em determinado grau incide em outras pr�xis sociais, num processo de car�ter infind�vel. Contudo, os indiv�duos, mediante o movimento din�mico e consciente de sua pr�xis social, agem de determinado modo, sob determinadas circunst�ncias hist�ricas, n�o podendo se desvencilhar dessas, sob o risco de cavarem seu pr�prio jazigo. Marx e Engels assinalam com extrema arg�cia, que tanto o conte�do da produ��o dos seres humanos, como no tocante da forma em que produzem e reproduzem seus produtos - sejam eles materiais, sociais, econ�micos, culturais e etc. -, h� uma estrita depend�ncia com as condi��es materiais de produ��o j� existentes. O modo determinado de suas atividades representa a manifesta��o de suas vidas, refletindo o que eles s�o9 (MARX; ENGELS, 2007, p.11).

N�o se aufere da exist�ncia dessas determina��es hist�ricas, presentes no processo de produ��o da vida material dos seres humanos, advindas do "devagar depressa dos tempos", ou no transcorrer da prosa da vida, pelo desenvolvimento dos complexos sociais hist�ricos, um represamento de suas capacidades e potencialidades de transforma��o do todo existente: a vida concreta � sempre um complexo din�mico onde os seres humanos agem, mesmo que em determinadas condi��es, transformando n�o s� os objetos e os instrumentais de suas a��es, mediante suas posi��es teleol�gicas no interc�mbio com a natureza, como tamb�m a si pr�prios e, - por mais que alguns p�rfidos te�ricos tentem negar essa conseq��ncia inelimin�vel - a vida real. Ademais, se nas suas manifesta��es h� lutas, hist�rias, lam�rias, sonhos, vontades, belezas, virtudes ou at� mesmo a nega��o de uma intensa nostalgia de algu�m que se fora para todo o sempre, isso se deve ao car�ter do "emergir ativo" que sempre vilipendia a realidade existente.

Outrossim, � necess�rio assinalar que como produto da atividade do processo de trabalho, o ser humano vive num mundo que se tornou cada vez mais humano, cada vez mais express�o de sua objetiva��o exteriorizada enquanto manifesta��o de si. E, as determina��es colocadas pelas condi��es de vida existentes n�o imprimem t�o-somente as limita��es pelas quais devem estar subordinadas suas a��es na realidade, mas tamb�m a apropria��o das potencialidades, capacidades e necessidades humanas advindas do desenvolvimento social que lhe antecedeu. Markus (1974), inspirado pela teoria do conhecimento legada pelos escritos juvenis de Marx, concorda com a afirmativa supracitada:

[...] � t�o-somente porque o homem vive num mundo que se tornou por esse modo um mundo humano, t�o-somente porque ao nascer j� encontra objetivadas aquelas necessidade e capacidades que se manifestaram no passado, podendo assim dispor materialmente dos resultados de todo o desenvolvimento social que lhe antecedeu, t�o-somente por isso torna-se poss�vel que o processo de desenvolvimento n�o se veja obrigado a recome�ar sempre do in�cio, mas possa partir do ponto em que se deteve a atividade das gera��es anteriores. Apenas o trabalho, enquanto objetiva��o da ess�ncia humana, configura de modo geral a possibilidade da hist�ria (MARKUS, 1974, p.52, grifo do autor).

No ser social, o processo de trabalho produz conhecimentos que influenciam de forma direta o interc�mbio inelimin�vel com a natureza, ao serem desvincul�veis da posi��o teleol�gica que engendra implica��es para a totalidade dos processos sociais. Dessa forma, h�, segundo Luk�cs (1978, p.10), importantes conseq��ncias advindas da g�nese teleol�gica para todos os processos sociais:

[...] Por um lado, podem chegar � condi��o de ser determinados objetos, com tudo o que disso decorre, que n�o poderiam ser produzidos pela natureza; basta pensar, para continuar ainda no campo dos primitivos, no exemplo da roda. Por outro lado, toda sociedade se desenvolve at� n�veis onde a necessidade deixa de operar de maneira mec�nico-espont�nea; o modo de manifesta��o t�pico da necessidade passa a ser, cada vez mais nitidamente e a depender do caso concreto, aquele de induzir, impelir, coagir etc., os homens a tomarem determinadas decis�es teleol�gicas, ou ent�o impedir que eles o fa�am.

Segundo o mesmo autor, embora todos os produtos advindos da realidade do processo de trabalho surjam e operem de modo causal, com o que sua g�nese teleol�gica parece desaparecer no ato de efetiva��o do produto10, eles tem a peculiaridade de se apresentarem como car�ter de alternativa e quando seus efeitos se referem aos seres humanos podem abrir alternativas. Mesmo que estas se apresentem no plano cotidiano11 e suas conseq��ncias s�o pouco relevantes, s�o, por�m, "aut�nticas alternativas", "[...] j� que cont�m sempre em si a possibilidade de retroagirem sobre o seu sujeito para transform�-lo [...]" (LUK�CS, 1979, p.81).

O processo global da sociedade movimentado pelo processo do trabalho � um processo causal, portador de suas pr�prias normatividades; todavia, n�o � jamais dirigido � realiza��o de finalidades. Destarte, mesmo quando alguns seres humanos ou grupos de seres humanos conseguem realizar suas finalidades, surgem resultados, que no mais das vezes, se converte em aspectos diversos daquilo que se havia pretendido. Um exemplo dado por Luk�cs, revela sua patente hist�rica no desenvolvimento das for�as produtivas da Antiguidade que destruiu as bases da sociedade constitu�da, destruindo a si pr�pria12. Nessas veredas, � necess�rio apreender que a discrep�ncia interior entre posi��es teleol�gicas e seus efeitos causais se potencializam com o desenvolvimento das sociedades e, por conseguinte, com a intensifica��o da participa��o s�cio-humana em tais sociedades. N�o obstante, essa diferen�a entre finalidade e seus correspondentes efeitos, a despeito de se expressarem com preponder�ncia nos elementos e tend�ncias materiais no processo de reprodu��o da sociedade, n�o exprimem, de maneira alguma, uma afirma��o necess�ria desenvolvida sem nenhuma forma de resist�ncia. Com isso, "[...] o fator subjetivo, resultante da rea��o humana a tais tend�ncias de movimento, conserva-se sempre, em muitos campos, como um fator por vezes modificador e, por vezes, at� mesmo decisivo" (LUK�CS, 1978, p.10-11).

3� A DIN�MICA DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM NO PROCESSO DE TRABALHO

O trabalho n�o poderia ser concebido sem a sua intr�nseca rela��o com a linguagem que � inerente ao desenvolvimento das rela��es humanas, na exterioriza��o da consci�ncia pelo e no ato do trabalho. A despeito de revelar em alguns momentos espec�ficos um certo distanciamento com rela��o ao processo de trabalho, a linguagem funciona como um instrumento de intera��o com os outros seres sociais, atuando no desenvolvimento do complexo do ser social na consecu��o de suas posi��es teleol�gicas. Outrossim, a linguagem permite a formula��o de um pensamento conceitual acerca das categorias do desenvolvimento do ser social, expressa no distanciamento dos seres humanos e n�o elimina��o das determina��es naturais presentes no �mbito de suas atividades.

Com efeito, Markus (1974, p.60) afirma que a inser��o na vida da sociedade exige do ser humano uma "articula��o est�vel aos fen�menos", de acordo com a estrutura que j� est� posta de um modo inteiramente independente do ser humano - o que � contest�vel, j� que o pr�prio homem atua na transforma��o da vida humana na linguagem, ou seja, "na consci�ncia social materializada". Portanto, ainda segundo Markus (1974, p.60), "[...] o homem deve se apropriar do mundo n�o apenas em sua atividade material, mas tamb�m em sua atividade espiritual". Todavia, "[..] a estrutura na qual os fen�menos s�o articulados n�o � arbitr�ria, dada que a natureza dos objetos e dos nossos �rg�os sensoriais lhe imp�em limites, ainda que sejam bastante amplos" (MARKUS, 1974, p.60).����

N�o � de outra forma que Luk�cs afirma incisivamente que:

[...] Deduzir geneticamente a linguagem e o pensamento conceitual a partir do trabalho � certamente poss�vel, uma vez que a execu��o do processo de trabalho coloca demandas ao sujeito envolvido que s� podem ser preenchidas suficiente e simultaneamente pela reconstru��o das possibilidades e habilidades psicof�sicas que estavam presentes na linguagem e no pensamento conceitual, uma vez que eles n�o podem ser entendidos ontologicamente sem os antecedentes requeridos pelo trabalho, ou sem as condi��es que permitiram a g�nese do processo de trabalho (LUKACS apud ANTUNES, 1999, p.140).

A linguagem � portadora da potencializa��o da objetiva��o e exterioriza��o das for�as produtivas e, por conseguinte, do desenvolvimento do ser social a medida em que a pr�xis social supera as determina��es advindas das condi��es de vida existentes. Por um lado, a linguagem � um processo de objetiva��o do indiv�duo singular com a totalidade social na media��o do desenvolvimento de suas atividades, que expressam o conte�do do conhecimento adquirido pelos resultados legados pela totalidade das for�as produtivas, bem como a explicita��o da emerg�ncia de novas possibilidades pelo e no trabalho social. Por outro lado, a exterioriza��o da linguagem n�o revela a pr�xis social do individuo, contida nas m�ltiplas e complexas rela��es sociais, apenas a realidade sens�vel do produto advindo do ato teleol�gico do trabalho, mas tamb�m o conjunto dos indiv�duos singulares como explicita��o do complexo social geral no decorrer do processo hist�rico da transforma��o da realidade existente.

Numa amplid�o anal�tico-universal, Marx (2007a, p.107) entende que a consci�ncia gen�rica do homem (ser humano) confirma a sua vida social real, repetindo no pensar sua exist�ncia efetiva, tal como, de forma inversa, o ser gen�rico se confirma na consci�ncia gen�rica, sendo em sua universalidade "como ser pensante, para si". Pode-se inferir que n�o se operacionaliza nessa an�lise uma neglig�ncia do fermento contributivo, afirmado pela consci�ncia social na forma��o de um pensamento conceitual da atividade do trabalho, da apropria��o do processo hist�rico-social legado pelas forma��es sociais precedentes13 do desenvolvimento das capacidades produtivas humanas, entendidas em sentido lato.

E mais: a linguagem, em sua presen�a indissol�vel no desenvolvimento da vida social, atua no processo de apropria��o da experi�ncia humana, fornecendo elementos que afirmam o desenvolvimento das for�as produtivas, bem como as determina��es colocadas � a��o dos seres sociais. Nesse sentido, Thompson (1981, p.16, grifo nosso) � muito l�cido ao afirmar que:

[...] A experi�ncia surge espontaneamente no ser social, mas n�o surge sem pensamento. Surge porque homens e mulheres (e n�o apenas fil�sofos) s�o racionais, e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo. [...] O que queremos dizer � que ocorrem mudan�as no ser social que d�o origem a experi�ncia modificada; e essa experi�ncia � determinante, no sentido de que exerce press�es sobre a consci�ncia social existente, prop�e novas quest�es e proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os exerc�cios intelectuais mais elaborados.

Desse modo, Lessa (1996) assinala que em seu momento primordial, o ser social se apresenta como um complexo constitu�do, pelo menos, por tr�s categorias fundamentais como tamb�m fundantes da vida gen�rica: a sociedade, a linguagem e o trabalho (LESSA, 1996, p.10). N�o obstante, o trabalho exerce uma predomin�ncia sobre a linguagem e as formas de sociabilidade, pois o ser humano que trabalha, se humaniza e fornece forma humana atrav�s do trabalho; a emers�o do novo tem sua g�nese no e pelo trabalho (LUK�CS, 1978, p.05).� N�o se trata de uma opera��o de hierarquia sistem�tica imposta pela categoria trabalho ante as manifesta��es de outras categorias de car�ter fundamental para a constitui��o do ser social. Tal empreendimento empobreceria as dimens�es do ser social, homogeneizando as m�ltiplas e complexas manifesta��es do ser social, reduzindo as suas conex�es e media��es a uma �nica dimens�o (LUK�CS, 1979). Trata-se de uma prioridade ontol�gica, que se difere radicalmente dos ju�zos de valor gnosiol�gicos, inerentes a toda "hierarquia sistem�tica idealista" ou "materialista vulgar".

Quando atribu�mos uma prioridade ontol�gica a determinada categoria com rela��o a outra, entendemos simplesmente o seguinte: a primeira pode existir sem a segunda, enquanto o inverso � ontologicamente imposs�vel. � algo semelhante � tese central de todo o materialismo, segundo a qual o ser tem prioridade ontol�gica com rela��o � consci�ncia. Do ponto de vista ontol�gico, isso significa simplesmente que pode existir o ser sem a consci�ncia, enquanto toda consci�ncia deve ter como pressuposto, como fundamento, algo que �. Mas disso n�o deriva nenhuma hierarquia de valor entre ser e consci�ncia [...] (LUK�CS, 1979, p.40, grifo nosso).

N�o � de outra maneira que Luk�cs, expressando o extrato contributivo de Marx, entende que onde a totalidade n�o constitui um fato formal do pensamento, n�o obstante a reprodu��o mental do "realmente existente", as categorias a sociedade, a linguagem e o trabalho n�o s�o elementos de uma arquitetura sistem�tica e hier�rquica. Pelo contr�rio: apresentam-se na travessia do real como "formas de ser, determina��es da exist�ncia", ou seja, manifestam "[...] elementos estruturais de complexos relativamente totais, reais, din�micos, cujas inter-rela��es din�micas d�o lugar a complexos cada vez mais abrangentes, em sentido tanto extensivo quanto intensivo. [...]" (LUK�CS, 1979, p.28).

4 A FORMA��O DAS NECESSIDADES HUMANAS NO DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO DE TRABALHO

Mesmo com o risco de entediar o leitor, retomemos mais uma contribui��o de nosso fil�sofo h�ngaro, em sua constata��o que o ser humano que trabalha, isto �, o animal tornado ser humano atrav�s do trabalho, � um ser que fornece respostas ao carecimento que provoca o seu ato laborativo (LUK�CS, 1978, p.05). Portanto, pode-se apreender dessa afirma��o que o trabalho surge como uma resposta ao carecimento instigador de seu surgimento. Entretanto, n�o se trata de uma rela��o erigida na imediaticidade de um ato fortuito; pelo contr�rio, o ser humano torna-se um ser que fornece respostas na medida em que generaliza, transforma, indaga o seu pr�prio carecimento, ao mesmo tempo, em que cria as possibilidades de satisfaz�-los.

O carecimento, ao ser mediado por um ato teleol�gico de ultrapassagem da instintividade metab�lica imediata dos outros seres vivos com a natureza, explana em seu fulcro um desenvolvimento concreto da pr�pria subst�ncia que manifesta a sua apar�ncia. O que se pode apreender desse desenvolvimento n�o � a presen�a de um mero carecimento indagador de legalidade causal que impulsiona uma atividade, ou seja, o trabalho, e sim a eleva��o de necessidades que expressam a atividade do trabalho pertinentemente salvaguardada de uma forma humana. Com efeito, ocorre a emers�o de necessidades humanas, expressas no desenvolvimento advindo das potencialidades e capacidades humanas no desenvolvimento das for�as produtivas movimentadas pelo trabalho.

Nesse sentido, Lefebvre (1968, p.28) entende que o estudo das necessidades ilumina um entrela�amento de processos dial�ticos:

A necessidade �, ao mesmo tempo, ato (atividade) e rela��o, em si mesma complexa, com a natureza, com outros seres humanos, com objetos. Pelo trabalho o ser humano domina a natureza e se apropria parcialmente dela. [....] O trabalho torna-se uma necessidade. Os sentidos s�o cultivados e apurados pelo trabalho. As necessidades mudam e s�o cultivadas, porque o trabalho as modifica, apresentando-lhes novos bens. [...] O trabalho substitui a necessidade como sinal de impot�ncia, pela necessidade como capacidade de gozo, como poder de realizar tal ou qual ato. O ser humano substitui assim, aquela sua unidade com a natureza, - imediata e pouco diferenciada, enquanto ser natural por uma totalidade diferenciada.

Porquanto, Marx e Engels (2007b, p.21) entendem que o primeiro pressuposto de toda a exist�ncia humana � a que todos os seres humanos tenham condi��es objetivas para a satisfa��o das suas necessidades, na produ��o da sua vida material. � t�o-somente na efetiva��o desse pressuposto que os seres humanos podem viver para "poder fazer hist�ria", ou seja, produzir e transformar as m�ltiplas e complexas determina��es presentes na realidade. Destarte, � atrav�s do processo de trabalho, entendido como o interc�mbio inelimin�vel dos seres humanos com a natureza, mediante um ato teleol�gico advindo de uma posi��o consciente, o meio para a consecu��o da satisfa��o das necessidades humanas.

� fundamental considerar as necessidades humanas como um pressuposto incisivo na efetiva��o da din�mica s�cio-hist�rica da produ��o da vida material dos seres humanos, salvaguardando no c�lcio presente no processo de trabalho, advindo do interc�mbio indissol�vel com a natureza e com os outros seres humanos, sua media��o prot�ica, significa apreender a amplitude das capacidades e potencialidades humanas. Trata-se de um movimento que n�o se finda na produ��o e reprodu��o da vida material e, por conseguinte, se cristaliza aos imperativos pragm�ticos da fomenta��o das for�as produtivas imediatas da pr�xis social. Pelo avesso, revela-se nesse transcorrer - de cunho s�cio-hist�rico - a emers�o de uma din�mica humana de complexas (inelimin�veis) conex�es e media��es com a vida real, pelos sujeitos hist�ricos em suas m�ltiplas formas de sociabilidade, na satisfa��o de suas necessidades humanas.

N�o queremos inferir dessa emers�o, uma vontade human�stica de diretriz ut�pica, seres humanos "multilaterais" que vivam na plena harmonia com sua ambi�ncia natural, na comunh�o apost�lica da divis�o do p�o. Trata-se de afirmar que as necessidades humanas se formam numa din�mica permanente, relacionada com o desenvolvimento s�cio-hist�rico dos seres humanos, a medida que n�o negligencia o jugo das determina��es de vida existentes na produ��o da base material advindo do processo de trabalho, e nem encaram as rela��es sociais como sedimentos postos no desenvolvimento hist�rico.

Ou seja, trata-se da prospectiva que Marx (2007a, p.108) alude na constru��o de uma sociedade comunista, ou seja, "a apropria��o sens�vel da ess�ncia e da vida humana", da obra humana para e pelo ser humano, que n�o pode ser apreendida enquanto uma frui��o imediata, de dimens�o unilateral, restrita ao "sentido do ter":

[...] O homem se apropria da sua ess�ncia omnilateral de uma maneira omnilateral, portanto como um homem total. Cada uma das suas rela��es humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os �rg�os de sua individualidade, assim como os �rg�os que s�o imediatamente em sua forma como �rg�os comunit�rios, s�o no seu comportamento objetivo ou no seu comportamento para com o objeto a apropria��o do mesmo, a apropria��o da efetividade humana; seu comportamento para com o objeto � o acionamento da efetividade humana [...] (MARX, 2007a, p.108).

De acordo com Heller (1986, p.43), os objetos da produ��o da vida material fundamentam a exist�ncia das necessidades, bem como estas justificam o surgimento dos objetos. Com efeito, a necessidade do ser humano e o objeto da necessidade, que pode ser um produto material ou uma atividade concreta, est�o numa estreita correla��o. Nesse ensejo, Heller em sua an�lise das contribui��es de Karl Marx acerca do entendimento das necessidades humanas afirma que o objeto mais elevado da necessidade humana � o outro homem (ser humano). Em outras palavras: "[...] a medida que o homem � encarado como um fim [das necessidades humanas] e se converteu no mais elevado objeto de necessidade para o outro homem, determina-se o grau de humaniza��o das necessidades humanas" (HELLER, p.1986, p.44).

Nesse sentido, Heller sustenta, apoiada em Marx, que o trabalho n�o � a �nica fonte de riqueza material geral da sociedade, pois

A verdadeira riqueza da sociedade se realiza atrav�s da livre manifesta��o dos indiv�duos sociais, atrav�s de sua atividade e de seu sistema de necessidades qualitativamente m�ltiplas. A verdadeira riqueza do homem e da sociedade n�o se constitui no tempo de trabalho, mas no tempo livre. Precisamente por isto, a riqueza da sociedade dos 'produtores associados' n�o � mensur�vel no tempo de trabalho, mas no tempo livre [...] (HELLER, 1986, p.125-126).

5 CONSIDERA��ES FINAIS

Em s�ntese, reiteramos essa posi��o que enxerga no enriquecimento das multif�rias manifesta��es da individualidade dos sujeitos em sua pr�xis social a riqueza da sociedade.� N�o obstante, n�o podemos negligenciar que no horizonte constitutivo de forma��o da vida social, o trabalho possui um estatuto ontol�gico, de base fundada e fundante, em suas "formas de ser, determina��es de exist�ncia", que se fomenta o grau de humaniza��o adquirido pelos seres humanos no decurso de seu processo hist�rico. � a base da vida social. � a categoria que fermenta a emerg�ncia de incid�ncias nas m�ltiplas determina��es do real. � o fundamento inelimin�vel dos seres humanos. � a afirma��o do ser humano. Para tanto, devemos evocar, tal como um poeta alem�o Bertold Brecht, a desconfian�a face ao movimento do real:

Desconfiai do mais trivial, na apar�ncia do singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
n�o aceiteis o que � de h�bito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta, de confus�o organizada,
de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural, nada deve parecer imposs�vel de mudar
(BRECHT, 2000)

REFER�NCIAS

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ARENDT, Hannah. A condi��o humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universit�ria, 2008.

BOGO, Ademar. Li��es da luta pela terra. Salvador: Memorial das Letras, 1999.

BRECHT, Bertold. Poemas: 1913-1954. S�o Paulo: Edi��es 34, 2000.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Pol�tica e o Estado Moderno. 2. ed. Rio de Janeiro: Civiliza��o Brasileira, 1976.

HELLER, Agnes. Teor�a de las necesidades em Marx. 2. ed. Barcelona: Proven�a, 1986.

KOSIK, Karel. Dial�tica do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968.

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______. Ontologia do ser social: os princ�pios fundamentais em Marx. S�o Paulo: Ci�ncias Humanas, 1979.

MARKUS, Gyorgy. A teoria do conhecimento no jovem Marx. S�o Paulo: Paz e Terra, 1974.

MARX, Karl. O capital: cr�tica da economia pol�tica. Livro I. 24. ed. Rio de Janeiro: civiliza��o Brasileira, 2006.

______. Manuscritos econ�mico-filos�ficos. S�o Paulo: Boitempo, 2007a.

______. A ideologia alem�. S�o Paulo: Boitempo, 2007.

THOMPSON, E. P. A mis�ria da teoria ou um planet�rio de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

1 Conforme a l�cida observa��o de Luk�cs (1978, p.04): "[...] o processo de reprodu��o assume na natureza org�nica formas cada vez mais correspondentes � sua pr�pria ess�ncia, torna-se cada vez mais nitidamente um ser sui generis, ainda que jamais possa ser eliminado o seu enraizamento nas bases ontol�gicas origin�rias. [...]".
2� A sutil diferencia��o operada por Marx entre a melhor abelha na constru��o de um abrigo contra as intemp�ries externas do ambiente natural, ou seja, a sua colm�ia, do pior arquiteto na constru��o de uma morada, reside no papel desempenhado pela consci�ncia no ser humano. Neste �ltimo, a rela��o entre meios e fins ganha emers�o no ato da produ��o. Segundo Marx, no ser humano, o ato e o processo da produ��o, mediante a efetiva��o de seu trabalho, "[...] figura na mente sua constru��o antes de transform�-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que j� existia antes idealmente na imagina��o do trabalhador [...]" (MARX, 2006, p.211-212).�
3 Segundo Luk�cs, essa � uma posi��o radical que diverge radicalmente do velho materialismo hist�rico sofreu in�meras interpreta��es pelo o que autor entende como "velho esp�rito", que em suas interpreta��es vulgares teve a falsa id�ia de que Marx subestimava o papel da consci�ncia com rela��o ao ser material. E acrescenta, num ataque �cido que: "[...] Aqui nos interessa apenas estabelecer que Marx entendia a consci�ncia como um produto tardio do desenvolvimento do ser material. Aquela impress�o equivocada [do 'velho esp�rito' materialista] s� pode surgir quando tal fato � interpretado � luz da cria��o divina afirmada pelas religi�es ou de um idealismo de tipo plat�nico. Para uma filosofia evolutiva materialista, ao contr�rio, o produto tardio n�o � jamais necessariamente um produto de menor valor ontol�gico. Quando se diz que a consci�ncia reflete a realidade e, sobre essa base, torna poss�vel intervir na realidade para modifica-la, quer-se dizer que a consci�ncia tem um real poder no plano do ser e n�o como se sup�e a partir das supracitadas vis�es irrealistas que ela � carente de for�a" (LUK�CS, 1978, p.03).
4 Retiro essa alus�o de Karl Marx em seu sarcasmo dirigido � economia pol�tica de sua �poca, que nutria um imenso apre�o aos imaginativos "experimentos robinsonianos": "Fa�amos [...] Robinson aparecer em sua ilha. Moderado por sua natureza, tem, entretanto, de satisfazer diferentes necessidades e, por isso, � compelido a executar trabalhos �teis diversos, fazer instrumentos, fabricar m�veis, domesticar lamas, pescar, ca�ar. N�o falaremos de sua ora��es e coisas an�logas, pois Robinson se compraz nelas, considera restauradoras atividades dessa natureza. Apesar da diversidade de suas fun��es produtivas, sabe que n�o passam de formas diversas de sua pr�pria atividade, portanto, de diferentes formas do trabalho humano. A pr�pria necessidade obriga-o a distribuir, cuidadosamente, seu tempo entre suas diversas fun��es.[...]" (MARX, 2006, p.98). E, Marx continua: "[...] Todos os produtos de Robinson procediam de seu trabalho pessoal, exclusivo, e por isso, eram, para ele, objetos diretamente �teis. [...]" (MARX, 2006, p.100).
5 Markus (1974) assinala que o fundamento te�rico presente na unidade din�mica do indiv�duo e a sociedade, advinda da concep��o pressuposta por Marx em seus Manuscritos, afirma que a totalidade dos indiv�duos singulares, como produtores e produtos da sociedade, est� colocada em exist�ncia e condicionada pela produ��o material dos indiv�duos: "[...] Marx pode ent�o concluir que as referidas rela��es sociais que intercorrem entre os indiv�duos se apresentam como manifesta��o da rela��o do individuo que produz com sua atividade" (MARKUS, 1974, p.33-34, grifo do autor).
6 "[...] As filosofias anteriores, n�o reconhecendo a posi��o teleol�gica como particularidade do ser social, eram obrigadas a inventar, por um lado, um sujeito, transcendente, e, por outro, uma natureza especial onde as correla��es atuavam de modo teleol�gico, com a finalidade de atribuir � natureza e � sociedade tend�ncias de desenvolvimento de tipo teleol�gico" (LUK�CS, 1978, p.06).
7 "[...] Todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conex�o imediata com seu meio natural constituem objetos de trabalho, fornecidos pela natureza. Assim, os peixes que se pescam, que s�o tirados do seu elemento, a �gua; a madeira derrubada na floresta virgem; o min�rio arrancado dos fil�es. [...]" (MARX, 2006, p.212).
8 "[...] A coisa de que o trabalhador se apossa imediatamente excetuados meios de subsistencia colhidos j� prontos, tais como frutas, quando seus pr�prios membros servem de meio de trabalho n�o � o objeto de trabalho, mas o meio de trabalho. Desse modo, faz de uma coisa da natureza �rg�o de sua pr�pria atividade, um �rg�o que acrescenta a seus pr�prios �rg�os corporais, aumentando seu corpo natural, apesar da B�blia. [...]" (MARX, 2006, p.213, grifo nosso).
9 "A maneira como os homens produzem seus meios de exist�ncia depende, antes de mais nada, da natureza dos meios de exist�ncia j� encontrados e que eles precisam reproduzir. N�o se deve considerar esse modo de produ��o sob esse �nico ponto de vista, ou seja, enquanto reprodu��o da exist�ncia f�sica dos indiv�duos. Ao contr�rio, ele representa, j�, um modo determinado das atividades desses indiv�duos, uma maneira determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado. A maneira como os indiv�duos manifestam sua vida reflete o que eles s�o. O que eles s�o coincide, pois, com sua produ��o, isto �, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indiv�duos s�o depende, portanto, das condi��es materiais de sua produ��o" (MARX; ENGELS, 2007, p.11).
10 "No processo de trabalho, a atividade do homem opera uma transforma��o, subordinada a um determinado fim, no objeto sobre que atua por meio do instrumental de trabalho. O processo [de trabalho] extingue-se ao concluir o produto [...]" (MARX, 2006), p.214, grifo nosso).
11 Segundo Karel Kosik, o complexo dos fen�menos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, com sua irregularidade e evid�ncia, penetram na consci�ncia dos "indiv�duos agentes", assumindo um aspecto independente e natural, constituindo o mundo da pseudoconcreticidade, que obscurece o conhecimento da ess�ncia em detrimento do primado da esfera fenom�nica (KOSIK, 1976, p.11). Essa argumenta��o, a despeito de trazer impl�cita uma dicotomia entre apar�ncia e ess�ncia detrimento de a��es que privilegiem a sua transforma��o permanente, mediante a��o cr�tica dos sujeitos hist�ricos: "fazer extraordin�rio o cotidiano" (BOGO, 1999, p.105).
12 � necess�rio assinalar que a supress�o de qualquer modo de reprodu��o material da vida social deve se movimentar, segundo a advert�ncia feita por Gramsci em sua apropria��o conceitual da contribui��o realizada por Karl Marx, no �mbito de dois princ�pios: "[...] 1) o de que nenhuma sociedade assume encargos para cuja solu��o ainda n�o existam as condi��es necess�rias e suficientes, ou que pelo menos n�o estejam em vias de aparecer e se desenvolver; 2) o de que nenhuma sociedade se dissolve e pode ser substitu�da antes de desenvolver e completar todas as formas de vida impl�citas nas suas rela��es [...]" (GRAMSCI, 1976, p.45). Esta concep��o apreende o estatuto hist�rico-social das rela��es sociais de produ��o e suas correspondentes determina��es.
13 Assinalar o legado das forma��es sociais precedentes exige, por conseguinte, uma conceitua��o do que pode ser interpretado por "passado humano". Nosso entendimento n�o se desvencilha da formula��o proposta por E. P. Thompson (1981, p.51, grifo nosso): "[...] O passado humano n�o � um agregado de hist�rias separadas, mas uma soma unit�ria do comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona com outros de determinadas maneiras, tal como os atores individuais se relacionavam de certas maneiras (pelo mercado, pelas rela��es de poder e subordina��o etc.). Na medida em que essas a��es e rela��es deram origem a modifica��es, que se tornam objeto de investiga��o, podemos definir essa soma como um processo hist�rico, isto �, pr�ticas ordenadas e estruturadas de maneiras racionais".

Qual é o papel do trabalho na produção e reprodução da vida social?

Através do trabalho o ser humano interage com a natureza, retirando dela os meios para sua sobrevivência, e constrói-se como ser social estabelecendo relações sociais na esfera da produção/reprodução social.

Qual a importância do trabalho para a organização social?

Resposta verificada por especialistas. É por meio do trabalho que os seres humanos adaptam o próprio mundo e a natureza às suas necessidades, de modo que o trabalho é essencial para o funcionamento da sociedade e é uma das principais razões para que a sociedade exista.

Qual o papel do trabalho na vida das pessoas e para a sociedade?

O trabalho exerce papel central na vida humana, proporcionando a construção da identidade e dos vínculos sociais. Na aposentadoria, essa condição deixa de existir e pode desencadear manifestações de ordem orgânica, psicológica e social, com repercussões importantes na estrutura psíquica dos indivíduos.

Qual é o papel social do trabalho?

O trabalho atua como meio de subsistência, de acesso à propriedade, e cumpre um conjunto de funções sociais. A história do Direito do Trabalho foi dividida em quatro períodos, aos quais denominaram formação, intensificação, consolidação e autonomia.