Qual o conceito de espírito para Hegel derivado da palavra alemã Geist?

1. Introdução

A filosofia de Hegel nasce e se desenvolve em um constante diálogo com a constelação dos autores do Idealismo Alemão. Um dos pontos altos desse debate é o processo de formação da Fenomenologia do Espírito, como uma resposta às pretensões de através de uma revolução colocar a filosofia no caminho da ciência. Nessa primeira obra seminal do pensamento hegeliano mostra-se a importância de não reduzir a gênese da cientificidade filosófica a uma revolução no pensamento, mas sim de todo um sistema de sucessivas revoluções que escrevem a história da consciência e do espírito humanos. A tensão essencial da questão aparece no último capítulo da Fenomenologia, dedicado ao “saber absoluto”, aqui considerado como “a última figura do espírito”.

Sem pretender oferecer uma definição fechada e exaustiva, comecemos por apontar para algumas características básicas que nos permitem compreender o que é isso o Idealismo Alemão e a inserção que nele tem a Fenomenologia do Espírito de Hegel. (Hartmann 1983) Nesse sentido, podemos dizer inicialmente que (1) o Idealismo Alemão é um conjunto de doutrinas filosóficas escritas em língua alemã, que (2) essas doutrinas foram desenvolvidas em um curto intervalo de tempo entre os séculos XVIII e XIX, e que (3) elas tiveram seu espaço próprio de criação e desenvolvimento nas principais Universidades da época. Tratemos de ver mais de perto essas características, no intuito de traçar o perfil do Idealismo Alemão como dialogante da Fenomenologia do Espirito de Hegel, especialmente no diálogo em torno das condições de efetividade do “saber absoluto”.

(1) O fato do Idealismo Alemão abranger doutrinas escritas em língua alemã não é somente um mero truísmo, mas significa o amadurecimento e a afirmação da língua alemã como língua filosófica, em um processo que remonta a tradução da Bíblia por Lutero. No século XVIII a língua francesa era a língua universal, ela era a língua falada nas cortes dos estados alemães, assim como a língua de obras filosóficas escritas por alemães (como o Tratado de Metafísica e a Monadologia de Leibniz), enquanto o alemão era para ser falado com os criados e com os cavalos. (Carpeaux 1964) Por sua vez, no ambiente acadêmico, as teses eram escritas em latim. Por isso é significativa a recusa de Kant em versar sua Crítica da Razão Pura para a língua latina, pois era preciso pensar, escrever e discutir Filosofia no vernáculo germânico. Esse é um bom mote para uma reflexão sobre as línguas portuguesa e castelhana como línguas filosóficas em geral e como meio de expressão do pensamento hegeliano em particular, destacando-se a importância das traduções dos seus conceitos técnicos principais e da discussão nessas línguas dos seus grandes temas.

(2) Entre a primeira edição da Crítica da Razão Pura em 1781, e a redação das teses de Marx contra Feuerbach em 1845 correm pouco mais de 50 anos. Nesse período sucedem-se diferentes doutrinas, compondo sistemas diversos, às vezes mantendo e aperfeiçoando o mesmo sistema (como Fichte e sua Wissenschaftslehre), às vezes configurando diferentes sistemas (como Schelling). Uma tal fertilidade talvez somente possa ser comparada com Atenas no século V a. C. quando se encadearam os ensinamentos de Sócrates e dos Sofistas, Platão e Aristóteles, e as escolas platônica e aristotélica. Por sua vez, esse é um bom tema de reflexão sobre o espírito de um tempo e sobre o desafio de fazer desenvolver as suas possibilidades de progresso, através do espírito crítico, das contradições e da racionalidade.

(3) Os principais filósofos do Idealismo Alemão foram professores em universidades, ao contrário de pensadores do século XVII como Leibniz, Descartes, Espinosa, para os quais as universidades não estavam abertas para o aparecimento e o desenvolvimento de novas ideias. Duas universidades destacaram-se nesse ínterim, Jena e Berlim. A partir delas e dos clubes de leitura que se formaram na época, o público da filosofia era composto não apenas dos alunos universitários, mas de uma parcela mais ampla da sociedade em busca de esclarecimento e conhecimento de novas ideias, o que propiciou a publicação não apenas de livros, mas também de diversos jornais e revistas filosóficos. Nesse caso, o tema de reflexão é a importância das universidades para a produção e divulgação de novos conhecimentos através da pesquisa, do ensino e das atividades de extensão para a divulgação científica.

2. A recepção de Fichte e Schelling do projeto de Kant

Além desses três fatores incidentais, no entanto, há um aspecto mais central em termos de unificação dos diferentes sistemas e doutrinas do Idealismo Alemão: o reconhecimento por parte dos idealistas da verdadeira revolução filosófica desencadeada pela filosofia crítica de Kant. Hoje em dia reconhecemos quase que imediatamente a originalidade da filosofia kantiana, mas isso nem sempre foi assim. Pelo contrário, como Kant externa nas cartas escritas a Marcus Herz, houve muitas dificuldades de compreensão da proposta da obra de 1781. (Ferreira 2013)

As primeiras recepções da Crítica ora associavam-na a uma forma de empirismo (todo nosso conhecimento começa com a experiência), ora a um modo de racionalismo (nem todo conhecimento deriva da experiência), ou ainda a uma espécie de ceticismo (não conhecemos as coisas em si mesmas, mas seus fenômenos). (Beiser 2009) Foram os esforços de Reinhold e as discussões entre Schultze, Maimon, Beck, Jacobi, Bardilli, kantianos e anti-kantianos que levaram ao reconhecimento da proposta filosófica kantiana, à compreensão de sua legítima revolução copernicana na filosofia em fazer com que o nosso conhecimento não mais se regulasse somente pelos objetos, e conceber que sejam os objetos a se regularem pelo nosso conhecimento, de modo a atingir finalmente o propósito principal de colocar a Filosofia no caminho seguro de uma ciência. Eis o que seria, enfim, a apresentação do verdadeiro ser do saber.

Uma vez lançadas as bases para uma compreensão do projeto kantiano em seus fundamentos, então chegou a hora de refletir e discutir sobre ele. Foi o que fez Fichte. A partir do problema já posto acerca da relação entre o conhecimento do objeto pelo sujeito enquanto fenômeno e seu desconhecimento como coisa em si. (Bonaccini 2003) Fichte reconhece na Introdução da edição de 1794 da Doutrina da Ciência, que Kant havia de fato começado uma revolução na Filosofia, mas que era preciso completar essa revolução para chegar a cientificidade desejada. Nessa direção a Doutrina da Ciência de Fichte seria o criticismo levado às suas últimas consequências. Kant seria então tomado como aquele que começou a revolução a ser por Fichte completada. Agora sim, eis a apresentação do verdadeiro ser do saber... Será?

Entrementes surge o sistema de Schelling, que também reconhece o início da revolução filosófica com Kant e sua continuidade com a doutrina de Fichte, mas seria preciso completar essa revolução, e essa é a tarefa que a doutrina de Schelling almeja. Agora sim mesmo, finalmente se apresenta o verdadeiro ser do saber.

Hegel, por sua vez, também reconhece o início de uma revolução em Kant e sua continuidade em Fichte e Schelling, mas reconhece também que para colocar a filosofia no caminho certo da ciência não basta uma revolução, mas toda uma série de revoluções do pensamento. Nesse sentido, para a Fenomenologia do Espírito de Hegel seu verdadeiro objetivo não é a apresentação do ser do saber (Sein, Wissen), mas do vir-a-ser, do devir (Werden) do saber (Hegel 2003, § 27).

Podemos assim afirmar que os diversos estágios da consciência apresentados na Fenomenologia do Espírito de Hegel constituem, em seu conjunto, a diferença específica do sistema hegeliano no contexto das discussões do Idealismo Alemão. Ao invés de propor uma revolução no modo de pensar filosófico para colocá-lo no caminho seguro da ciência, a alternativa hegeliana é apresentar sistematicamente uma série de revoluções que caracterizam a instituição de diferentes níveis no processo de desenvolvimento da consciência.

Esse movimento é descrito do ponto de vista das experiências de uma subjetividade que reflete sobre suas relações com a objetividade, e assim é uma “Fenomenologia”, mas, ao fazer isso, segundo a perspectiva hegeliana, a consciência na verdade mostra recuperar e dar sentido para si às experiências filosóficas e culturais já realizadas pelo “espírito” humano como um todo. Esse processo culmina com o último capítulo da obra, o “saber absoluto”.

É importante compreender a especificidade dessa noção nesse contexto. O saber absoluto hegeliano não representa (1) um “saber tudo de tudo”, tal como o saber por parte de uma compreensão divina das noções completas de todas as coisas ao modo da metafísica de Leibniz, também não significa (2) um “saber enciclopédico” que contivesse o cabedal quantitativo de todos os conhecimentos produzidos pela humanidade (cujo ponto máximo seria a Biblioteca de Babel do conto de J. L. Borges), tampouco trata-se de (3) “um saber” universal e necessário, como, por exemplo, um saber dos princípios primeiros, nem de (4) um propedêutico “saber do saber” no sentido de um instrumento geral que a filosofia forneceria para as ciências.

Para Hegel o saber absoluto é um “saber dos saberes”, isto é, o saber do processo do saber conjugado com os saberes particulares. Esse saber configura uma consciência qualitativamente diferenciada, que passa a conhecer e dominar subjetiva e objetivamente os modos e as forças de produção do conhecimento. É nessa direção que, no, § 798 da Fenomenologia do Espírito, no último capítulo da obra dedicado ao “saber absoluto”, Hegel define esse saber como a “última figura do espírito” (letzte Gestalt des Geistes). Vejamos na sequência o sentido do “absoluto” na filosofia hegeliana com foco na Fenomenologia do Espírito.

3. O “absoluto” na filosofia hegeliana

Assim como ocorre em outros conceitos do léxico hegeliano, tais como as noções de “ser” ou de “espírito”, o significado de “absoluto” na filosofia de Hegel é composto por diferentes níveis, interligados entre si, em um tipo de encadeamento próprio do discurso especulativo. Como observa MacTaggart (McTaggart 1910) o conceito “ser” na Ciência da Lógica aparece designando o primeiro livro da Lógica Objetiva, “die Lehre vom Sein”, mas é também o título do primeiro capítulo (“Sein”) da primeira sessão (Determinidade), além de nesse primeiro capítulo figurar como primeiro tópico da relação com o nada e com o vir-a-ser (“Sein, Nichts, Werden”). Por sua vez, o conceito “espírito” na Enciclopédia das Ciências Filosóficas designa o terceiro tomo dedicado à “die Philosophie des Geistes”, diferencia-se em espíritos subjetivo, objetivo e absoluto, assim como no interior do espírito subjetivo figura como objeto da Psicologia, em uma relação com a alma e com a consciência. O discurso especulativo resulta do esforço hegeliano em apresentar o movimento próprio dos conteúdos filosóficos em uma forma coerente e condizente com esse movimento. Como aparece no “Conceito mais preciso da Lógica” na Enciclopédia (Hegel 1997, §§ 79-82), o discurso especulativo parte das fixações de sentido estabelecidas pelo “entendimento”, questiona e relativiza esses sentidos fixos pela “razão negativa, ou dialética” e considera e suporta esse engendramento dinâmico dos significados pela “razão positiva, ou especulativa”. Em outras palavras, o conceito de absoluto se diz em sentidos diversos, os quais não são excludentes entre si, mas estão dispostos na perspectiva de uma unidade diferenciada de seus significados.

Destacaremos a seguir dois sentidos do absoluto na filosofia hegeliana. O primeiro sentido é aquele mais comum de absoluto, designando o que é “sem limites e sem restrições”. O segundo sentido é o de absoluto em seu sentido filosófico, cujo traço principal é o de corresponder à ideia de “totalização”. A partir dessas determinações teremos as condições preliminares para compreender o “saber absoluto” da Fenomenologia.

(1) No sentido mais comum de compreensão do “absoluto” como algo sem limites ou sem restrições, vê-se na Fenomenologia , ao final das considerações sobre “o espírito alienado de si mesmo”, surgir o momento intitulado “a liberdade absoluta e o terror” (Hegel 2003, §§ 582-595). O significado da “liberdade absoluta” está ligado ao processo de desenvolvimento do capítulo sobre o espírito, particularmente sobre os diferentes modos de reconhecimento da consciência-de-si na realidade social. No espírito verdadeiro, enquanto primeira instância na qual as figuras da consciência são figuras de um mundo, a consciência individual se reconhece como tal a partir dos papeis sociais que lhe são “naturalmente” atribuídos para sua inserção na vida ética. Assim, no mundo grego, havia como destino a esfera privada da família para as mulheres e a esfera pública da política para os homens. No espírito alienado de si mesmo, o papel da cultura é alienar essa alienação do espírito de tomar as determinações naturais como referenciais, mas não de uma maneira abstrata como na pessoa do estado de direito, e sim na concretude das produções do próprio espírito quando ele cria sua própria realidade. No entanto, esse processo não é aqui completo, pois se em princípio a realidade espiritual em geral é tomada como o resultado de um processo de criação autônoma do espírito, essa realidade que aí está presente não reflete necessariamente a minha vontade, a minha posição nesse mundo.

Nesse mundo do espírito alienado de si mesmo aparece então como centro de gravidade da sociedade o “monarca ilimitado”, em redor de seu trono se postando os nobres para dizer a quem ali se senta o que ele é (Hegel 2003, § 511). Em outras palavras, não é possível propor a desalienação da consciência dentro de um mundo que é essencial e estruturalmente alienado, tal como expresso no paroxismo de um monarca absoluto para o qual “o Estado sou eu”. Ora, o processo de esclarecimento pelo Iluminismo conduz a uma afirmação do poder da consciência, na medida em que, se não é possível sua desalienação em um mundo que aliena, cria-se então um novo mundo. Essa é a “liberdade absoluta” da consciência, que afirma uma consciência de si para a qual “o mundo é simplesmente a sua vontade, e essa é vontade universal... a vontade realmente universal, vontade de todos os singulares enquanto tais” (Hegel 2003, § 584). “Essa substância indivisa da liberdade absoluta se eleva ao trono do mundo sem que poder algum lhe possa opor resistência” (Hegel 2003, § 585). Como figura do espírito, a liberdade absoluta tem correspondência, no aspecto histórico, com o Terror Jacobino na Revolução Francesa. Nesse sentido, o Terror é resultado daquilo que na Filosofia do Direito Hegel chama de “ateísmo do mundo ético”, isto é, o projeto de começar um mundo real a partir do zero, fazendo tábula rasa de todas as mediações anteriores do espírito. Por outro lado, a liberdade absoluta está associada, como referencial filosófico, ao conceito de “vontade geral” de Rousseau.

É nesse sentido de “absoluto” como algo sem restrições e sem limites, expresso exemplarmente no caso da liberdade absoluta, que também se encontra ao longo de toda Fenomenologia o adjetivo “absoluto” e o advérbio “absolutamente”. Nas vezes, por exemplo, que Hegel se refere à “essência absoluta” ou “absoluta inversão” é para marcar tal ou qual aspecto julgado definitivo, inabalável, pela consciência no momento em que ela se encontra, sem ainda ter sido levada à consciência dos limites e das restrições que aquela posição apresenta, ou seja, sem ainda ter consciência de suas contradições.

(2) Em outro sentido, especificamente filosófico (em uma análise conjunta com outros conceitos filosóficos clássicos como contingência, possibilidade, necessidade, substancialidade e causalidade) o absoluto aparece no centro da Ciência da Lógica, mais exatamente na Lógica da Essência, na terceira seção dedicada à Efetividade, cujos capítulos são dedicados ao “absoluto”, à “necessidade absoluta” e à “relação absoluta”, estabelecendo-se assim a passagem da lógica objetiva em direção à lógica subjetiva. “Aquilo que expõe o absoluto é a necessidade absoluta que é idêntica a si como se determinando a si mesma”, a necessidade absoluta é ao mesmo tempo a liberdade absoluta em seu processo de identidade progressiva a partir de determinações e autodeterminações. A essência entendida como reflexão exterior passa à essência como reflexão determinante, se determinando como totalidade, idêntica a si mesma, que é doravante aparência idêntica ao aparecer (Hegel 1972). A autoprodução é a condição da efetividade.

Nessa direção, o sentido mais forte do absoluto hegeliano é o de ser a marca da totalidade, o momento da totalização consciente de todo um processo de determinações, tal como esse sentido transparece na posição que essa noção ocupa na estrutura das principais obras hegelianas. Nelas, o momento do absoluto aparece recursivamente como o aspecto conclusivo da argumentação desenvolvida nos textos maiores do hegelianismo: a Enciclopédia das Ciências Filosóficas culmina com o “espírito absoluto”, a Ciência da Lógica se encerra com a “ideia absoluta” e a Fenomenologia do Espírito conclui-se com o “saber absoluto”.

Deste modo, por um lado, a investigação acerca do absoluto remete a uma reflexão incontornável para os especialistas, no âmbito da compreensão geral do projeto filosófico hegeliano. Sem uma determinação mais precisa de seu momento final, sem a visão do horizonte para onde o movimento dialético conduz, as etapas anteriores tornam-se em alguma medida abstratas, ou seja, as partes ficam sem a perspectiva do todo para a constituição de seu sentido.

Nesse sentido, se várias más compreensões de partes da filosofia hegeliana decorrem da desconsideração do sentido próprio que conceitos fundamentais ocupam na argumentação de Hegel, não alcançar a especificidade própria do conceito do absoluto prejudica a compreensão global dessa filosofia formulada como sistema, frequentemente denominado como o sistema do “idealismo absoluto”, em comparação com o idealismo transcendental de Kant, o idealismo subjetivo de Fichte e o idealismo objetivo de Schelling.

4. O “absoluto” da filosofia hegeliana

A partir do modo como é compreendido o conceito do absoluto na filosofia hegeliana deriva-se a posição que essa ocupa no contexto das discussões do Idealismo Alemão, mas também em questões centrais da filosofia contemporânea.

(1) No contexto do Idealismo Alemão, o conceito de absoluto já está presente nas doutrinas de Kant e de Fichte, mas é a partir de Schelling e de Hegel que esse conceito se desenvolve de modo a viabilizar suas pretensões de levar a cabo a revolução filosófica iniciada por Kant. Nessa direção é que constatamos como uma das principais contraposições do absoluto de Hegel o absoluto de Schelling, na percepção do próprio discurso hegeliano tal como apresentado no Prefácio da Fenomenologia.

O foco da crítica é a pretensão de um saber imediato do absoluto, contrário à forma do conceito e da ciência, que seria acessível somente sentido e intuído (Hegel 2003, § 6, final). Como consequências desse princípio derivam-se o irracionalismo romântico, a filosofia edificante, o êxtase no lugar do conceito (Hegel 2003, § 7). Tudo é igual nessa concepção do absoluto, como numa noite em que todos os gatos são pardos, em oposição ao conhecimento diferenciado (Hegel 2003, § 16).

(2) Quanto à recepção do Idealismo Alemão no século XX e XXI, especialmente do sistema de Hegel entendido como uma espécie de corolário desse movimento ao formular seu “Idealismo Absoluto”, uma questão que surge é se, ao recuperar e ressignificar o conceito de absoluto após a Filosofia Crítica de Kant, Hegel estaria substancialmente propondo uma retomada dos princípios da antiga Metafísica ou se seria mais propriamente o caso de uma radicalização da Filosofia Crítica.

Segundo Simon Lumsden além de ser um problema acerca das relações entre os sistemas filosóficos de Kant e Hegel, essa questão está na base da recepção da filosofia hegeliana pela filosofia analítica anglo-saxã (Bertrand Russell, Charles Taylor) e pelo pós-estruturalismo francês (Jacques Derrida, Michel Foucault, Gilles Deleuze). (Lumsden 2008) os quais inicialmente compreenderam o pensamento de Hegel como filosoficamente pré-crítico, com base no entendimento de conceitos tais como o de “absoluto” ou de “espírito” em seus significados tradicionais, e não no sentido específico que esses possuem no arcabouço conceitual hegeliano. O problema ainda persiste, se pensarmos nos recortes contemporâneos que atualizam a perspectiva de Benedetto Croce de separar o que está vivo e o que está morto no pensamento de Hegel (3ª edição italiana 1912).

Portanto, tanto do ponto de vista interno do sistema hegeliano, quanto do ponto de vista externo de suas relações com outros referenciais filosóficos, o conceito de absoluto é fundamental para uma devida colocação dos pontos nos is da doutrina de Hegel.

5. O saber absoluto como o “último capítulo” da Fenomenologia

Não é possível tratar separadamente do último capítulo da Fenomenologia do Espírito de Hegel sem levar em conta a Fenomenologia do Espírito como um todo, e isso, em primeiro lugar, por uma questão de princípio da própria filosofia hegeliana.

(1) Em todas as suas principais obras, Hegel sempre começa os Prefácios e Introduções alertando que no campo da Filosofia não é suficiente apenas “mostrar” os pontos defendidos, mas é necessário “demonstrar” através de todo um processo de explicitação e argumentação. Segundo a terminologia hegeliana, as considerações “exteriores” não substituem o trabalho com “a coisa mesma”.

Esse argumento acerca dos Prefácios e Introduções pode ser igualmente aplicado para o caso de Epílogos e Últimos Capítulos. Segundo J. Hyppolite, “nenhum capítulo da Fenomenologia é tão obscuro quanto o que põe termo à obra e se intitula ‘O Saber Absoluto’. (...) A extrema condensação do texto torna difícil sua interpretação. Como auxílio, podemos utilizar o Prefácio da Fenomenologia, que, escrito logo após a obra, responde a intenções semelhantes àquelas da conclusão” (Hyppolite 1999, 601). Como afirma Hegel no Prefácio da Fenomenologia, o resultado não é por si mesmo o essencial, o fim precisa ser visto dentro de seu todo, o resultado tem que vir junto com o seu vir-a-ser, em seu processo de realização.1 Assim falar sobre os resultados, ou tratar isoladamente do fim sem os meios que a ele conduziu não é um tratamento científico, não possui a marca do sistema. Por essa razão é que, segundo Hegel, a verdadeira figura na qual a verdade se expressa é a do “saber” na forma de um sistema filosófico e científico.2

Nesse sentido se coloca uma primeira questão quanto às estratégias presentes na estrutura do último capítulo da Fenomenologia, a fim de cumprir essas exigências colocadas desde o início da obra. Ou seja, é preciso considerar nesta parte final a Fenomenologia como um todo, sem, no entanto, simplesmente a repetir, ou ainda, trata-se de ali extrair aquela que seria a filosófica “moral da história”.

O ângulo de ataque desse problema pode ser identificado a partir do primeiro parágrafo do oitavo e último capítulo. Neste, começa o processo de determinação do saber absoluto a partir das insuficiências do espírito absoluto em sua formulação religiosa (Hegel 2003, § 788), seguindo-se uma recapitulação de todos os capítulos da Fenomenologia a fim de mostrar a “regra geral” que preside todas as experiências da consciência (Hegel 2003, §§ 789-797), para então se alinhavarem as notas características do “saber absoluto” (Hegel 2003, §§ 798-808). Em linguagem hegeliana, assim se faz a apresentação (Darstellung) do saber absoluto em si e para si mesmo, e não uma simples representação (Vorstellung) sua.

(2) Contudo, existe um segundo aspecto estratégico mais profundo presente na colocação do saber absoluto como último capítulo da obra, que diz respeito a mudança de nível que esse capítulo deve apresentar para que haja coerência na obra como um todo.

Ou seja, se a Fenomenologia apresenta uma série de experiências da consciência em sua relação com o mundo, desde as primeiras certezas acerca dos objetos obtidas através dos sentidos, passando pela percepção, entendimento, consciência-de-si, razão, espírito e religião até o saber absoluto. E, se cada uma dessas experiências forma um nível de consciência, o qual suprassume (aufhebt) o nível anterior e é suprassumido (aufgehoben) pelo posterior, em um movimento orgânico de posições e reposições de determinações. Então, o último desses momentos da consciência, o saber absoluto (das absolute Wissen), para a não interrupção desse movimento e assim não entrar em contradição com o próprio princípio da obra, é aquele no qual ele suprassume todos os outros ao mesmo tempo em que ele mesmo se suprassume. Nessa direção, o capítulo sobre o saber absoluto deve ser qualitativamente diferente dos anteriores, pois nele o conceito, que apreendeu o movimento intrínseco das evoluções da consciência, agora se coloca como figura do espírito.

6. A passagem da religião ao saber absoluto

A primeira determinação do saber absoluto, na ordem do aparecimento do texto, vem de sua relação entre com a figura da consciência imediatamente anterior, a religião. Saber absoluto e religião apresentam o mesmo conteúdo, eles expressam o espírito absoluto enquanto unidade entre consciência de si e substância. No espírito absoluto a consciência de si está junto a si no seu outro, ela se reconhece na natureza, na realidade e na história, tomando-os não como essências diferenciadas, mas como momentos seus.

No entanto, na religião, esse outro está presente na forma do representar, ou seja, não compreendido em sua livre efetividade, mas enquadrado segundo as determinações que são mais propriamente do espírito e não de seu outro. A religião expressa o espírito absoluto ao conferir sentido à realidade como um todo, mas conduz à uma visão religiosa do mundo que não reconhece à realidade e à natureza suas especificidades próprias. Natureza e história não são assim propriamente o outro do espírito, mas elementos a ele submetidos.

O saber absoluto é então o espírito absoluto na forma do conceito, é estar junto a si no outro enquanto outro em si mesmo, e não enquanto representação do outro. Para tanto, é preciso não apenas um paradigma que contenha essa informação, mas uma série de paradigmas que mostre esse processo ocorrendo de maneira imanente. Para estar junto a si no seu outro enquanto tal é preciso captar o movimento da consciência, e nesse movimento ela é a totalidade de seus momentos (Hegel 2003, § 788).

(1) Como surge a relação entre saber absoluto e religião? No primeiro parágrafo do último capítulo da Fenomenologia (Hegel 2003, § 788), assim como ocorre nos parágrafos iniciais de todos os capítulos anteriores, Hegel trata de resumir os progressos e os impasses que caracterizam o momento anterior da consciência, para então apontar as novas dimensões que surgem no incipiente estágio que começa a ser analisado. Nesse caso, o capítulo VIII sobre o “saber absoluto” começa apresentando de modo condensado os avanços e os limites do capítulo VII, dedicado à “religião”, com isso delineando-se algumas das principais metas do saber absoluto, no contexto maior do percurso progressivo das experiências da consciência.

Mais precisamente, trata-se inicialmente de reconhecer que a religião alcança o conteúdo do absoluto, mas de uma forma não adequada a esse conteúdo, na medida em que a religião fica na forma da representação e da objetividade. Isto é, se a noção de absoluto se configura no contexto religioso, ela terá seu pleno desenvolvimento no âmbito científico-filosófico. Deste modo é que aparece a primeira tarefa do saber absoluto, a apresentação do espírito absoluto em uma forma condizente a esse conteúdo, isto é, na forma do conceito.

(2) Por que é a religião que apresenta o conteúdo do espírito absoluto? O espírito da religião em geral (o que inclui a religião natural, a religião da arte e a religião revelada) configura o espírito absoluto porque a religião é a consciência-de-si do espírito. Como se verifica nos parágrafos introdutórios do capítulo sobre a religião (Hegel 2003, §§ 672-683), a diferença entre a consciência do espírito, presente nas figuras do capítulo espírito (espírito verdadeiro, espírito alienado de si mesmo e espírito certo de si mesmo) e a consciência-de-si do espírito (desenvolvida pelo capítulo da religião) reside em que “o espírito em sua consciência, confrontando-se ao seu mundo, nele não se reconhece” (Hegel 2003, 459, § 677). No âmbito da consciência, o objeto é pressuposto como essencialmente diferente do sujeito; mas, enquanto consciência-de-si, a consciência age e coloca o objeto como um momento seu, não lhe considerando como uma diferente essência. Conforme define Hegel na parte sobre a consciência-de-si, “para a consciência-de-si, portanto, o ser-outro é como um ser, ou como momento diferente; mas para ela é também a unidade de si mesma com essa diferença, como segundo momento diferente” (Hegel 2003, 136, § 167).

Desta maneira, enquanto consciência-de-si do espírito, ao invés de se afastar do mundo real e se considerar “imediatamente certo de si mesmo como da verdade absoluta e do ser”, como faz a boa consciência (Hegel 2003, 431, § 633), o espírito como religião se reconhece no mundo objetivo compreendendo-o globalmente a partir de seus próprios referenciais. Assim, o espírito religioso compreende toda a efetividade como uma efetividade universal pensada, no espírito ele mesmo está contido toda essência e toda efetividade, e assim, enquanto consciência-de-si (Selbstbewußtsein) a religião é “a figura perfeitamente translúcida para si mesma” (Hegel 2003, 460, § 677).

(3) Como a religião recai na representação e na forma da objetividade? A religião configura de diferentes modos a consciência-de-si espiritual: através da significação dada ao sol, às plantas ou aos animais na religião natural, ou no significado conferido às divindades, ao corpo humano ou às produções da linguagem poética na religião da arte, ou ainda na colocação do si de Deus como a essência e a substância de todas as coisas por parte da religião revelada. Em todos esses diferentes níveis estão presentes relações da consciência-de-si espiritual com seus outros como momentos seus e não como essências dela diferenciadas. Porém, por outro lado, essas relações da consciência-de-si espiritual com seus outros acabam por se mostrar como “representações” do outro, e não do outro em si mesmo segundo seu “conceito”, isto é, em sua efetividade livre.

“Representação” significa uma mediação ainda imperfeita entre o ser e o pensar, na qual a unidade entre o subjetivo e o objetivo já está presente, mas que permanece como algo ainda subjetivo. Por exemplo, se a relação do divino com o humano se efetua em si mesma no culto da obra de arte abstrata, na epopeia, como obra de arte espiritual, essa relação apresenta-se à consciência em geral como representação. Isso porque a apresentação que a epopeia faz da relação do divino com o humano ampara-se em uma relação entre deuses e heróis apresentados como personagens, cujo sentido depende de “um agir que na verdade ainda não se elevou ao conceito, mas só à representação, à conexão sintética entre o ser-aí consciente-de-si com o ser-aí exterior” (Hegel 2003, 490, § 729). Em outras palavras, o sentido global dos conteúdos da epopeia depende da compreensão subjetiva do que representa as ações dos personagens por parte de quem ouve a narrativa, que assim efetua a união sintética da singularidade das ações narradas com o seu sentido universal.

Segundo exemplo. A essência absoluta como espírito não tem no representar da comunidade a forma do pensamento conceituante, “mas tem o conteúdo sem sua necessidade, e em lugar das formas do conceito leva, para o reino da consciência pura, as relações naturais de pai e filho” (Hegel 2003, 516, § 771). Nesse comportamento, representando-se no pensar mesmo, a essência é revelada, mas devido a essa representação sintética, os momentos dissociam-se um do outro, a ponto de não se relacionarem um com o outro segundo o conceito, assim como essa consciência se retira de seu objeto puro e se lhe refere apenas exteriormente. O objeto lhe é revelado por algo estranho, e nesse pensamento do espírito a consciência não se reconhece a si mesma, não reconhece a natureza da consciência-de-si pura.

Ora, na religião, a unidade entre o pensar e o ser está presente como a essência absoluta efetiva, mas revelará possuir um aspecto representacional subjetivo. Através da atividade da consciência-de-si do espírito como religião, a essência absoluta da unidade entre sujeito e objeto se apresenta não apenas como algo em si mesmo válido para a consciência, assim como essa essência já havia aparecido em diversos momentos anteriores à religião (por exemplo, na imutável essência divina frente à singularidade terrena da consciência infeliz), mas, na religião, essa essência absoluta está para si presente através de um processo de significação da natureza e da realidade através dos próprios referenciais do espírito.

Não basta, contudo, que a efetividade seja apenas exteriormente compreendida pela religião. A perfeição da religião consiste em que o espírito no seu mundo e o espírito consciente de si como espírito sejam o mesmo. Nesse processo, o espírito consciente de si deve se tornar efetivo e assim torna-se objeto de sua própria consciência. Em outras palavras, no processo de significação da realidade por parte do espírito religioso, o corolário é tomar a realidade como uma completa exteriorização do espírito. Com isso, o espírito tem a certeza de poder fazer sentido a toda e qualquer objetividade, pois é ele mesmo a natureza e a história.

Segundo Hegel, aqui surge um problema:

na medida em que o espírito na religião se representa para ele mesmo, ele é certamente consciência, e a efetividade incluída na religião é a figura e a roupagem de sua representação. Mas, nessa representação não se atribui à efetividade seu pleno direito, a saber, o direito de não ser roupagem apenas, e sim um ser-aí livre independente. (Hegel 2003, 460, § 678)

Ou seja, o espírito na religião mostra seus limites, pois recai em uma representação subjetiva tanto da realidade quanto de si mesmo. Não se trata da realidade em seu conceito próprio, em sua livre efetividade, mas de uma representação da realidade que consiste em enquadrá-la desde sempre nos referenciais subjetivos do espírito. Por outro lado, esse não é tampouco o espírito em seu conceito próprio, mas o espírito segundo uma representação para si mesmo, sem abertura para a contingência, em uma perspectiva fechada. Assim como explicita Klaus Vieweg, as religiões tendem a se verem como as únicas verdadeiras, mas, na verdade, elas são essencialmente múltiplas, devendo conviverem enquanto diferentes visões religiosas do mundo. (Vieweg 2007)

6.1. O saber absoluto como a “última figura do espírito”

Considerando-se esses limites do espírito absoluto em sua dicção religiosa, quais tarefas se apresentam para o saber absoluto? Basicamente duas: (1ª) superar os limites do espírito religioso representativo, e com isso superar analiticamente os limites de todas as figuras anteriores da consciência, [tarefa de uma mudança de seu nível de compreensão, saber conceituante] e também: (2ª) estruturar-se de maneira a possibilitar que novos elementos lhe sejam incorporados, sem prejuízo de sua identidade, através da instauração de um sistema próprio de autosuprassunção. [tarefa de abertura da extensividade do espírito]

Para tanto, o saber absoluto deverá apreender o próprio movimento da consciência, sendo a consciência, nesse movimento, a totalidade de seus momentos (Hegel 2003, 530, § 788). Deste modo, o saber absoluto suprassume não apenas a religião conservando o conteúdo de sua essência absoluta e negando sua forma da representação, mas suprassume em bloco todos os momentos anteriores. O modus operandi para tanto está dado na consideração da série das “figurações da consciência como tal”, de maneira a fazer com que o movimento da suprassunção não apenas se apresente mais uma vez em mais uma instância, mas passe a ser incorporado como a regra permanente dessa nova figura da consciência. Nesse sentido, o saber absoluto é “o espírito que se sabe segundo sua verdade”, consistindo de uma instância qualitativamente diferente das instâncias anteriores, pois não se resume a apenas mais uma nova experiência da consciência, mas se institui como a experiência conclusiva das experiências. Trata-se assim de um saber de segunda ordem, marcando o início da ciência, do cientista e da comunidade científica.

Mais precisamente, ao invés de apresentar o espírito absoluto na forma da representação, assim como o faz a religião, o saber absoluto apreende então o conteúdo do espírito absoluto na forma do conceito. A apreensão na forma do conceito se faz na consideração do conjunto dos princípios descobertos ao longo da experiência da consciência, dos princípios que se sabem como determinantes dos diversos modos de relação entre a substância e o si, a certeza e a verdade, o saber e o agir, etc. No saber absoluto, essa forma do conceito se corporifica como figura da consciência (Hegel 2003, 537, § 797), ou seja, como instância na qual o espírito recolhe essa sua constituição própria e se sabe na forma do saber de si mesmo, abrindo-se para a contingência da história e da natureza. Com isso, ao recordar seus momentos constitutivos, o que passa a ser feito na continuidade dos, §§ 789 a 797, o saber absoluto fornece as condições para sua própria suprassunção.

7. Conclusão

O saber conceituante como figura da consciência estrutura-se assim na constante totalização dos seus momentos anteriores, sempre a serem recuperados e completados por cada um, cada Eu, cada indivíduo em qualquer época e contexto nos quais se procede a essa totalização. Segundo a formulação do, §799: “O saber é o Eu, que é este eu e nenhum outro Eu, e que é igualmente o Eu universal, imediatamente mediatizado ou suprassumido” (Hegel 2003, 537).

É nesse sentido que o saber absoluto aparece como a última figura do espírito (die letzte Gestalt des Geistes, (Hegel 2003, 537, § 798) sempre aberta às suas atualizações, como uma finalidade sem fim. Por essa expressão não devemos entender o saber absoluto como uma simples linha de chegada, mas como um “saber dos saberes”. Essa figura é o saber “em aberto” da consciência-de-si do espírito sobre seus processos de constituição e ação. Ele é o processo de uma totalização, um movimento de reconhecimento de suas determinações passadas, marcado pela abertura em direção à incorporação de suas determinações presentes. Hegel escreve na cruz de seu presente, mas lança as linhas pontilhadas para os desdobramentos posteriores do espírito que os seus leitores de outras épocas futuras podem fazer em busca da atualização do sentido do espírito da cultura. Trata-se de um sistema aberto, no qual está embutida essa importante cláusula de atualização.

Por outro lado, o saber absoluto é o momento no qual o espírito está continuamente adequando seus conteúdos substanciais à forma do si, assim resgatando e cumprindo a perspectiva apresentada no Prefácio de entender e exprimir o verdadeiro não somente como substância, mas também como sujeito (Hegel 2003, 34, § 17). Enquanto saber conceituante, esse saber compreende e pratica as passagens entre os conceitos que se fazem realidade objetiva e os contextos da objetividade que impactam sobre as apreensões conceituais. Nessa direção, a noção hegeliana do saber absoluto equivale a uma forte afirmação do poder do conhecimento humano, mais exatamente, uma afirmação do modo como esse conhecer se apresenta através da prática da ciência no âmbito de uma comunidade científica.

Em suma, para finalizar, o saber absoluto não é o saber tudo de tudo, ao modo de um saber divino ou de um saber enciclopédico, nem o saber do saber, mas é o saber dos saberes, o saber “em aberto” da consciência-de-si do espírito sobre seus processos de constituição e de ação. Em outras palavras, o saber absoluto não é uma simples linha de chegada que marca o fim de um percurso, tampouco é o domingo no qual repousa o espírito, mas é a compreensão e a prática dos movimentos próprios do ser e do saber desse ser por uma consciência.

Assim se traça o diálogo entre a Fenomenologia do Espírito de Hegel e o Idealismo Alemão, a partir do último capítulo sobre o saber absoluto. Trata-se da captação de um saber dos saberes, de um sistema com história, ainda que aberto às novas determinações constitutivas suas.

Qual o conceito de espírito para Hegel?

Sob essa perspectiva, a ideia é caracterizada por Hegel como o conceito do Espírito, que tem efetividade. O Espírito é resultado do desenvolvimento da ideia lógica, que se pôs livremente em seu outro, a natureza, retornando a si mesma enquanto Espírito.

Qual sentido e dado por Hegel ao termo Geist?

O filósofo diz que a história caminha para uma conquista gradual de mais razão e liberdade, até a ascensão de um geisttermo que costuma ser traduzido como “espírito” ou “mente”.

Qual a relação entre história e espírito de acordo com o pensamento de Hegel?

Ou seja, na filosofia da história hegeliana, o espírito do povo representa o princípio da continuidade, e o espírito do tempo encarna o princípio da mudança. A razão hegeliana não se sobrepõe à história, mas também não se limita a justificá-la, daí a dialética entre o espírito do povo e o espírito do tempo.

Qual é a teoria de Hegel?

Georg Wilhelm Hegel pensava que a consciência deveria passar por uma série de desenvolvimentos para superar as contradições percebidas em conceitos que seriam aparentemente opostos; buscou uma interpretação racional da multiplicidade sensível, tentando enxergar no finito o que havia de absoluto.